Salazar |
“O mal vem de longe!…” teria podido dizer Salazar, exactamente
como tinha exclamado outrora Dom Carlos, mas o enquadramento era
diferente.A Crise do Estado Moderno surge com a etapa final do
Liberalismo de oitocentos, um ”mal” que pelo menos, já não exercendo
qualquer fascinação tornou-se em Portugal o argumento maior para a
reinvenção da “tradição portuguesa” em moldes que afastariam duas
gerações de portugueses da participação na construção do seu País.
A Aversão dos intelectuais do final do Romantismo português à
Instituição Monárquica dava finalmente os seus frutos o País colapsava
ante a tutela das casernas
Oitenta anos de liberalismo e vinte anos de demagogia republicana
promoveram uma série de conceitos e criaram uma porção de instituições
que, pela sua simples duração, tinham esgotado a própria essência e
tinham gasto o seu prestígio, restava o Monarca fiel à Carta mas esse
estava exilado e desapossado de legalidade. O movimento de 28 de Maio,
assim como a investidura de Salazar com poderes ditatoriais, foram
revoluções acontecidas depois de quase todas as formas históricas
geradas pelo liberalismo e pelo republicanismo se acharem
esvaziadas.(“Quase todas”, porque a última etapa, o comunismo, não se
tinha conseguido realizar em Portugal), o Messianismo na forma
republicana alcançava,por fim, forma depois de vários pretendentes como
Sidónio ou Pimenta de Castro.
A felicidade de Salazar foi ter sido chamado bastante tarde para o
governo bem como a habilidade de ter entregue ao Exército o papel
tutelar do Estado. depois de todas as ideologias do século XIX haverem
tido tempo bastante para dar os seus frutos, depois de o ciclo liberal
quase ter chegado ao fim das suas últimas etapas.
Portugal sem Rei: Messiânico ,autoritário e burguês
O processo republicano não foi outra coisa senão uma forma
forçada do processo burguês de europeização a qualquer preço , ideal
sonhado pela geração de Coimbra e por todos os líderes da vida pública
dos últimos anos de monarquia. A República de 1910 e a sucessão
à anarquia demagógica do regime não teria poderia ter outra
consequência que não fosse a implantação de um regime autoritário sob o
protectorado do exército e o aval de um povo cansado de lutas
partidárias
O movimento de 28 de Maio foi, pela sua essência, um movimento
coorporativista do exército mas, especialmente, uma acção de eliminação
gradual mas eficaz das últimas formas que sobreviviam, fossilizadas ou
degeneradas, do espírito liberal. Falando em 28 de Abril de 1934 sobre o
“espírito da revolução”, Salazar confessou aquilo que poderia ser
encontrado implícito já nas suas primeiras reformas económicas e
sociais: “A ditadura nacional, atacando pela base todos os
elementos doutrinários de desagregação e criando o equilíbrio financeiro
que tem de estar nos fundamentos da restauração geral, veio dar
condições de um amplo desenvolvimento do espírito inerente da tradição,
que fez Portugal nascer, crescer, brilhar e tem a virtude de lhe dar
solidez e perpetuidade”. E mais adiante fala sobre a
continuação da tradição histórica e sobre o novo vigor que devia
insuflar às ideias e às instituições que estão nas suas bases
ancestrais. Eis a revolução que que se seguiu ao movimento de 28 de
Maio.
A Revolução mental era, evidentemente, difícil de realizar. E
isso devido não tanto aos elementos de oposição liberal e de extrema
esquerda – na sua maioria republicanos- mas especialmente aos elementos
mais conservadores, a saber, os grupos monárquicos. O
paradoxo da ditadura militar era ter realizado uma revolução
“reaccionária”, suspendendo a Constituição republicana e anulando todas
as liberdades e costumes mantidos pela República . permanecendo porém
republicana. Nesta situação paradoxal encontrava-se também Salazar,
começando a sua obra de restauração da “tradição portuguesa”.
Exactamente a mesma restauração tinha sido reivindicada pelo movimento
integralista também, restauração esta que culminaria com a abolição da
República e o regresso à Monarquia…culminaria
Salazar era forçado, para a realização da sua restauração da
“tradição portuguesa” a usar as ideias-força do integralismo, sem
aderir, porém, àquela fórmula do monarquismo lusitano. “Era forçado” é,
naturalmente, um modo de falar. Salazar não precisou directamente das
concepções integralistas; pois tinha chegado às mesmas conclusões que
António Sardinha, excepto quanto à necessidade absoluta da Restauração
da Monarquia. A reacção contra o espírito liberal não começou em
Portugal com Salazar, nem com o movimento de 28 de Maio. Apenas alguns
anos depois da instauração da República a oposição moral e política
contra o novo regime começara a manifestar-se. A diferença entre o
movimento de 28 de Maio e as tentativas anteriores de derrubar o regime,
é que o movimento de 28 de Maio saiu vencedor, enquanto todas as outras
tentativas falharam ou se mantiveram no poder de modo efémero (o caso
de Sidónio Pais).
A diferença entre Salazar e todos aqueles que o antecederam, na
crítica das instituições liberais, foi que só Salazar teve a
oportunidade de realizar as suas ideias sociais e políticas no momento
propício ao qual a morte prematura de D. Manuel II não terá sido
alheia.D. Manuel II era para todos os efeitos um Monarca Liberal que
tinha jurado a Carta e fíel a ela ter-se-ia mantido
A “restauração” que Salazar visava não se podia realizar com homens
dos grupos monárquicos, a não ser na medida em que estes renunciassem a
considerar-se homens pertencentes a um certo agrupamento. Por outras
palavras, Salazar aplica, no governo e em benefício do movimento de 28
de Maio, aquilo a que se tinha proposto alguns anos antes no Congresso
do Centro Católico, dirigindo-se aos monárquicos, em benefício do
Centro. Nem podia ser de outra maneira. Se não podia colaborar com os
homens do velho regime porque os separavam abismos ideológicos – não
podia, por outro lado, colaborar com os nacionalistas monárquicos como
tais, porque isso implicaria pôr em perigo o seu conceito de unidade da
nação.
Os monárquicos constitucionalistas ou integralistas eram, ou tendiam a
ser, um retorno ao parlamentarismo e Salazar não admitia a sujeição a
um Poder sancionário (o Rei) ou a concorrência e partilha de Poder
(parlamento). O seu instinto político advertia-o, desta vez também, que
uma colaboração com os elementos dos partidos de direita,
constitucionalistas ou integralistas – com os quais tinha tantos
pontos ideológicos comuns – teria comprometido desde o início a vitória
de uma revolução autoritária. Consciente de que o momento histórico que
Portugal estava a viver e a memória da má experiência do parlamentarismo
republicano lhe permitia uma transformação radical dos seus hábitos e
das suas instituições sociais e políticas – Salazar preparava as etapas
necessárias a esta transformação sem apelar aos partidos que a tinham
previsto, a tinham antecipado e tinham construído os seus programas
baseados nesta transformação integral da vida portuguesa.
Individualmente, aceitava e mesmo encorajava a colaboração de qualquer
membro destes grupos, mas não aceitava o grupo, não aceitava o passado
de um colectivo político qualquer que fosse. Naturalmente, além desta
razão profunda, Salazar tinha outros motivos mais para evitar a
colaboração com os grupos que o tinham precedido ideologicamente. Não
queria, por um lado, partilhar o Poder adquirido ,assumir os seus erros
políticos, as suas paixões pessoais, as antipatias partidárias. E, por
outro lado, esperava absorver-lhes os elementos valiosos, esgotando-lhes
desta maneira a substância espiritual, anulando-os. O que acabaria por
suceder com os Monárquicos
Tomava, talvez, as suas medidas de precaução também contra um retorno
ao velho regime, assim que se sanassem as feridas da experiência da I
República
Paradoxal à primeira vista, a atitude de Salazar de não cooperar com
os grupos que tinham elaborado programas similares de reintegração de
Portugal na linha do seu destino histórico (dos quais se destacam os
legitimistas). Os apoiantes do velho regime e seus adversários – eram
todos homens velhos. Tinham tomado uma atitude em relação a um estado de
coisas que agora estava em dissolução. Pró ou contra – eram, porém,
ligados entre eles, por paixões, por uma conformação mental similar,
por um passado comum. Essas pessoas tinham vivido; revolucionários ou
contra-revolucionários, mas tinham vivido, tinham-se cristalizado numa
certa estrutura, guardavam na sua alma, na sua atitude, na sua
linguagem, a marca de uma época que devia ser ultrapassada a qualquer
preço. Individualmente, eram pessoas de valor, que o regime dificilmente
podia dispensar. Salazar aspirava à sua utilização
Era este o problema político da implantação do Estado Novo: um
processo complexo de reintegração no espírito republicano sem o
parlamentarismo , sem a interferência política dos militares, sem a
oposição dos monárquicos e especialmente sem um Monarca:
«Entre os anos 30 e 50, dissolvido o Integralismo Lusitano
enquanto organismo político, e desfeita a experiência negativa do
Nacional-Sindicalismo, os integralistas da primeira geração não deixaram
de denunciar o falso monarquismo de Salazar e a natureza modernista e
autocrática do regime do Estado Novo. Entre os restantes monárquicos,
porém, a indiferença foi geral, apesar dos sobressaltos: Rui Ulrich,
embaixador em Londres, em 1936, foi forçado a demitir-se por ter
convidado, para almoçar na Embaixada, D. Duarte Nuno de Bragança; Afonso
Lucas foi demitido do Tribunal de Contas, na sequência da publicação de
um artigo publicado em A Voz; em 1940, Hipólito Raposo foi preso e
desterrado para os Açores, por ter publicado o livro Amar e Servir, onde denunciava a “Salazarquia”.» Unica Semper Avis, José Manuel Quintas
A 30 de Julho de 1930, perante os membros do Governo e os representantes de todos os distritos do País, sobre “Princípios Fundamentais da Revolução Política”. O processo de reintegração acima mencionado não podia ser cumprido de um dia para o outro.
. «Reduzir, como se tem visto, o movimento que implantou a
Ditadura a uma “consideração de caserna” para que a classe militar
viesse a usufruir o Poder é desconhecer as razões profundas do mal-estar
geral, as tendências do nosso tempo, todas as fraquezas, abdicações,
insuficiências do poder público, que estão na base daquilo a que pode
chamar-se a crise do Estado moderno”.
Uma nova ordem está em curso em todo o mundo. Para Portugal, os
princípios fundamentais da nova ordem são: a nação; o estado, que deve
ser tão forte que não mais precise de ser violento; o poder executivo,
exercido pelo chefe do Estado, com os ministros nomeados livremente por
ele e sem depender de qualquer indicação parlamentar; e, a família, a
verdadeira unidade orgânica. “O liberalismo político do século XIX
criou-nos “o cidadão”, indivíduo desmembrado da família, da classe, da
profissão, do meio cultural, da agremiação económica, e deu-lhe, para
que o exercesse facultativamente, o direito de intervir na constituição
do Estado”. Mas esse “cidadão” é uma abstracção. A verdadeira realidade é
a família, “célula social irredutível, núcleo originário da vila, do
município e, portanto, da Nação”. O indivíduo valoriza-se e é criador no
quadro da família e da associação profissional. “Mais uma vez se
abandona uma ficção – o partido -, para aproveitar uma realidade – a
associação”. Pela primeira vez desde que se lhe confiou o Ministério das
Finanças, Salazar falou sobre corporações, confessando desta forma a
consistência do seu pensamento político, pois, como já vimos, em várias
conferências feitas nos círculos católicos, Salazar tinha afirmado
muitos anos antes a necessidade de construir um Estado social e
corporativo em estreita correspondência com a constituição natural da
sociedade.
As famílias, as freguesias, os municípios, as corporações
onde se encontram todos os cidadãos, com as suas liberdades jurídicas
fundamentais, são os organismos componentes da Nação, e devem ter, como
tais, intervenção directa na constituição dos corpos supremos do Estado:
eis uma expressão, mais fiel que qualquer outra, do “sistema
representativo”.»
Esta é a primeira formulação dos princípios que ficarão na base da
nova Constituição portuguesa, de 1933. Princípios, como se pode ver,
não tomam em consideração qualquer dos conceitos políticos e morais dos
anteriores regimes: cidadania, liberdade, partido, parlamentarismo,
Democracia.
A história recente de Portugal fora feita por certos grupos
políticos e intelectuais, nutridos por ideais alheios à realidade
nacional obcecados por transformações quiméricas. Desde que um punhado
de doutrinadores e revolucionários portugueses tinham decidido a
homogeneização de Portugal, a maioria do povo tinha-se contentado em
suportar as suas experiências, os seus êxtases. Portugal deixou de ser
uma monarquia constitucional, tornou-se depois república, e poderia
ter-se tornado república soviética, sem que essa massa amorfa soubesse e
participasse em qualquer dessas revoluções. Há um século, a
história tinha sido confiscada por um punhado de pessoas que queriam a
qualquer preço ser diferentes do que eram. Salazar – como antes dele os
integralistas – deu conta da esterilidade dessa imitação. “Cada vez que
intentámos ser nós, e não outros, fomos construtivos e criadores, não só
dentro das fronteiras, mas no mundo”, confessou ele mais tarde (27 de
Abril de 1935).
Essa imitação não só tinha esterilizado as elites políticas e
exaurido a capacidade financeira da Nação,como manteve à margem da
história quase toda a totalidade da Nação, na sua maioria ainda
agarradas à terra.
O retorno “às instituições validadas por oito séculos de História”
mais não era do que a expressão da falência e desânimo do processo de
modernização.Tal como os miguelistas do sec XIX Salazar esperava
que a nação inteira pudesse mostrar a cara e pudesse manifestar a sua
vontade na vida pública desde que fosse a vontade do regime e o Rei não
voltasse.
Afinal a “revolução Mental” de Salazar nunca passou de uma quimera
semelhante à que criticava nos políticos “estrangeirados”, pois passada
duas gerações sob a tutela do Estado Novo, uma nova geração, doutrinada e
sem memória dos antigos regimes , fazia colapsar o Estado Novo na
procura da Democracia e de uma vida melhor.
Gostei da análise só que, como muito bem é dito no final «Afinal a “revolução Mental” de Salazar nunca passou de uma quimera semelhante à que criticava nos políticos “estrangeirados”, pois passada duas gerações sob a tutela do Estado Novo, uma nova geração, doutrinada e sem memória dos antigos regimes, fazia colapsar o Estado Novo na procura da Democracia e de uma vida melhor.»
ResponderEliminarE porque aconteceu o que aconteceu? E, tendo acontecido, que se faz agora?
Vejo quem ponha o Salazar e o D. Miguel nos píncaros da lua… e quem os ponha nas profundas do inferno…
Vejo quem ponha o Cunhal e o D. Pedro nos píncaros da lua… e quem os ponha nas profundas do inferno…
Mas não vejo quem avance com explicações razoáveis para o sucedido, nem com razoáveis propostas de resolução dos problemas…
Entretanto as empresas estão a voltar investir em Angola, Moçambique e Brasil, e as pessoas estão a regressar a esses tradicionais destinos de emigração… diria que enquanto os “intelectuais” se entretêm “o povo” vai tratando da sua vidinha… e Graças a Deus que assim é!
A Real da Beira Litoral advoga agoa o "Tadcionalismo"?
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