1618
-Defenestração de Praga, o início do fim do ultimo projecto europeu que
tinha o Reichstag como centro político.A Restauração portuguesa de 1640
adveio desse incidente e do excesso de austeridade para financiar o
Império
O facto do executivo europeu não depender do
Parlamento Europeu, mas de um directório de soberanos nacionais é uma
anomalia institucional que faz com que a União Europeia tenha mais
parecenças com as monarquias absolutistas do século XVI do que com
Estados democráticos do séc XXI. Não admira a expectativa em torno do
discurso de David Cameron e o tom de discórdia de vários representantes
nacionais que se vêm sujeitos aos desmandos de Bruxelas.
“Sente-se uma frustração crescente quando a UE é vista como uma coisa
que é imposta às pessoas em vez de ser uma coisa feita em nome delas.”
David Cameron
O efeito “Berlusconi”
“As reacções exageradas e inapropriadas de alguns políticos europeus
ao anúncio do meu novo compromisso na política ofendem a liberdade de
escolha dos italianos”: as declarações de Silvio Berlusconi no contexto
europeu foram frequentemente constrangedoras, mas desta vez é difícil
contestá-lo.
A simples declaração de intenção de um cidadão da União Europeia de
exercer um direito democrático fundamental foi o suficiente para
desencadear uma avalanche de comentários num tom indignado e
apocalíptico. Nomeadamente, por parte da chanceler alemã, Angela Merkel,
para quem o regresso de Il Cavaliere constitui uma séria ameaça para
toda a União.
Nem todas as pessoas partilham a mesma opinião na Alemanha. Wolfgang
Münchau escreveu na revista Der Spiegel que devido à candidatura de
Berlusconi, que qualificou o famoso spread (diferencial de rendimento
com obrigações de Estado alemãs) de ”vigarice” utilizada para justificar
o rigor imposto pela Alemanha,
pela primeira vez os políticos da crise estão no centro da campanha
eleitoral num grande país europeu. […] A Itália prepara-se para um
grande debate político sobre a oportunidade de cortar nas despesas
públicas durante a recessão e continuar a seguir as exigências alemãs
sobre a austeridade.
Conclusões à parte, esta análise é certamente partilhada pela maioria
dos líderes europeus, e aí é que está o problema: até agora, o “consenso
de Bruxelas”, sobre o qual assenta a resposta à crise do euro, nunca
fez parte do debate democrático, por motivos óbvios. A simples
possibilidade – ainda que remota – de a Itália, cuja dívida pública é a
quarta na escala mundial, interferir, comprometendo a estratégia anti-crise da Europa, que por si já é instável, foi o suficiente para
desencadear o pânico dos mercados e para ameaçar a estabilidade dos
países periféricos.
A crise mostrou de uma vez por todas que a chegada do euro retirou as
políticas orçamentais à soberania nacional. Entre as últimas propostas
apresentadas, naquilo que convém chamar de agenda federalista, está a
criação de um “ministério das finanças” da zona euro responsável pela
convergência orçamental. Por outro lado, a união política que devia
representar a sua legitimação democrática permanece algo distante e
opaca.
No debate sobre a União Política, um pormenor é sistematicamente
desprezado: a União Europeia já tem um executivo e ministros: a Comissão
Europeia e os seus membros, embora os esqueçamos com facilidade. Tal
como foi demonstrado pelas negociações sobre o orçamento da UE, o
reforço do método intergovernamental – acompanhado pela instituição,
redundante, do cargo de presidente do Conselho Europeu – sobrepôs-se ao
papel da Comissão, cujo actual presidente foi escolhido, entre outros
motivos, por não contradizer os seus empregadores. Mas o problema surgiu
bem antes da presidência de José Manuel Barroso.
A ideia de conferir ao Parlamento Europeu – a única instituição da
União eleita directamente – uma competência que deveria ter por legítimo
direito foi recentemente lançada pelo diário holandês Trouw, segundo o
qual “só quando a composição da Comissão estiver associada à
orientação política do Parlamento, poderá o voto dos cidadãos servir
para determinar a direcção da União”, marcando o fim da época dos tecnocratas e dos governos de urgência. Até
lá, é necessário continuar a confiar nas democracias nacionais e
respeitá-las. Os europeus já mostraram que sabem votar de forma
responsável quando lhes interessa: deixemos que sejam eles a julgar
Silvio Berlusconi e os seus rivais.
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