«Nada do que pertence à pátria lhes é estranho:
admiram decerto Afonso Henriques, mas não ficam para todo o sempre
petrificados nessa admiração: vão por entre o povo, educando-o e
melhorando-o, procurando-lhe mais trabalho e organizando-lhe mais
instrução, promovendo sem descanso os dois bens supremos — Ciência e
Justiça.
Põem a pátria acima do interesse, da ambição da gloríola; e
se têm por vezes um fanatismo estreito, a sua mesma paixão diviniza-os.
Tudo o que é seu o dão à pátria: sacrificam-lhe vida, trabalho, saúde,
força. Dão-lhe sobretudo o que as nações necessitam mais, e o que só as
faz grandes: dão-lhe a verdade.» Eça de Queiroz
O sentimento patriótico , apesar do seu óbvio impacto no sec XIX, não
era por todos bem compreendido.Por falta de preparação e adaptação às
ideias novas, que dominavam a Europa civilizada mas também pelo
ascendente de grupos de interesse que utilizando a imprensa e a regra
democrática de acesso ao Poder pretendiam subverter aos seus interesses
pessoais a Nação, a Coroa e o Povo.
A sua importância no séc XX português é óbvia .Teve forte influência
na criação de condições para a implantação da República como para a
fazer render aos desmandos do exército ,primeiro, e a ideologias
politicas de grupo à posteriori. Já D. Pedro V se queixava do perigo
que era a persistência da reacção miguelista e as consequências que isso
poderia ter no futuro como semente para outros “absolutismos” mais
perigosos e alheios à realidade portuguesa. Para a compreendermos a
origem transcrevo algumas palavras de Eça de Queirós, dirigida a Manuel
Joaquim Pinheiro Chagas, um dos membros da Comissão do Centenário,
naquele mesmo ano de 1880 onde destaca a permanência (que é actual) de
dois tipos de patriotismo: o patriotismo que constrói o futuro com base
no presente e o patriotismo que vê no futuro um retorno ao passado.
Esta dualidade ,que é coerente com a estrutura parlamentar e com o
preconceito político de “esquerda” e “direita” obriga a reflectir sobre o
papel que o Monarca tem (ou que poderia ter tido caso não tivesse
Portugal enveredado por ilusões ideológicas) enquanto mediador das
forças vivas do presente ,em detrimento de uma personificação de um
passado glorioso uma promessa de retorno ao passado.
É possível que os portugueses vejam na República um sentimento
patriótico mais moderno, uma promessa garantida de futuro pela revolução
pela voz do povo na sua ambição e esforço naturais.Mas essa não tem
sido a realidade nas várias revoluções e nas várias republicas que
ocorreram no séc XX. Nenhum cofre subsistiu ,até hoje, no fim da estrela
da Aurora…apenas mais miséria, endividamento e corrupção
É possível que os portugueses vejam na Monarquia :um sentimento
patriótico desactualizado, um retorno a um Portugal passado (glorioso
para alguns monárquicos e decadente para a maioria dos
republicanos,certamente pitoresco para a maioria), uma promessa ou uma
ameaça consoante os casos, mas essa não é a realidade e muito tem contribuído para isso a acção do actual chefe da Casa Real quando realça
a importância do trabalho presente, quando promove a reunião das forças
activas (partidárias ou cívicas) para aplicação dos seus esforços em
torno de um Portugal mais justo, quando promove o Pais em todas as
deslocações que faz quando passa 3 décadas a destacar os aspectos
positivos do País em detrimento dos óbvios aspectos menos positivos e
esse esforço tem ressonância nas forças políticas nacionais.
A Monarquia, sentimento patriótico original, pode parecer um objecto
digno de Museu um passado petrificado e obsoleto, até pode ser essa a
parte mais apelativa para muitos ou visível em muitos países.Podemos até
afirmar que a Monarquia vende e é boa para o turismo, mas estaremos
sempre a esquecer o óbvio, o que a Monarquia oferece:
Aquilo que fomos, aquilo que somos e o que podemos ser, em suma a verdade
«O seu plano de ser patriota, caro Chagas, era Sublime e
fecundo. Sabe qual foi o seu erro? Que em lugar de apoiar o seu
patriotismo nas forças vivas da nação, inspirando-se delas, para as
ajudar a dirigir, você foi apoiá-lo sobre o pó dos heróis mortos,
tornando-o assim desde logo seco.
O seu patriotismo, em vez de ser de utilidade pública, era apenas de curiosidade arqueológica.
O seu patriotismo, em vez de ser de utilidade pública, era apenas de curiosidade arqueológica.
Você não estivera tirando da História uma forte lição moral;
recortara lá simplesmente pitorescos casos de guerra e de armada. Não
trazia um programa para o movimento social das gerações futuras -apenas
uma recapitulação sonora de façanhas vetustas. Esperava-se um revelador
de verdades, apareceu um cronista de mosteiro.
Por isso o público exclamou: -Eis um belo brigadeiro! E não foi bastante
severo. Deveria talvez ter dito: – Eis um bonito Sebastianista!
É que há duas espécies de patriotismo, meu caro Chagas.
Há em primeiro lugar o nobre patriotismo dos patriotas: esses amam a
pátria, não dedicando-Ihe estrofes, mas com a serenidade grave e
profunda dos corações fortes. Respeitam a tradição, mas o seu esforço
vai todo para a nação viva, a que em torno deles trabalha, produz, pensa
e sofre: e, deixando para trás as glórias que ganhámos nas Molucas,
ocupam-se da pátria contemporânea, cujo coração bate ao mesmo tempo que o
seu, procurando perceber-lhe as aspirações, dirigir-lhe as forças,
torná-la mais livre, mais forte, mais culta, mais sábia, mais próspera, e
por todas estas nobres qualidades elevá-la entre as nações. Nada do que
pertence à pátria lhes é estranho: admiram decerto Afonso Henriques,
mas não ficam para todo o sempre petrificados nessa admiração: vão por
entre o povo, educando-o e melhorando-o, procurando-lhe mais trabalho e
organizando-lhe mais instrução, promovendo sem descanso os dois bens
supremos — Ciência e Justiça.
Põem a pátria acima do interesse, da ambição da gloríola; e se têm
por vezes um fanatismo estreito, a sua mesma paixão diviniza-os. Tudo o
que é seu o dão à pátria: sacrificam-lhe vida, trabalho, saúde, força.
Dão-lhe sobretudo o que as nações necessitam mais, e o que só as faz
grandes: dão-lhe a verdade. A verdade em tudo, em história, em arte, em
política, nos costumes. Não a adulam, não a iludem: não lhe dizem que
ela é grande por que tomou Calicute, dizem-lhe que é pequena por que não
tem escolas. Gritam-lhe sem cessar a verdade rude e brutal. Gritam-lhe: —
«Tu és pobre, trabalha; tu és ignorante, estuda; tu és fraca, arma-te! E
quando tiveres trabalhado, estudado, quando te tiveres armado, eu, se
for necessário, saberei morrer contigo!»
Eis o nobre patriotismo dos patriotas.
O outro patriotismo é diferente: para quem o sente, a pátria não é a
multidão que em torno dele palpita na luta da vida moderna — mas a outra
pátria, a que há trezentos anos embarcou para a índia, ao repicar dos
sinos, entre a bênção dos frades, a ir arrasar aldeias de mouros e a
traficar em pimenta. Essa, a sua maneira de amar a pátria é tomar a lira
e dar-lhe lânguidas serenadas. Essa sobe à tribuna do parlamento ou ao
artigo de fundo, e de lá exclama, com os olhos em alvo e o lábio em
luxúria: oh pátria! oh filha! Ai querida! oh pequena! que linda que és! —
exactamente como tinha dito na véspera, num restaurante, a uma andaluza
barata. Esse, cousa pavorosa! não ama a pátria, namora-a; não lhe dá
obras, impinge-lhe odes. Esse, quando a Pátria se aproxima dele, com as
mãos vazias, pedindo-lhe que coloque nelas o instrumento do seu
renascimento — põe lá (ironia magana!) o quê ? os louros de Ceuta!
Quando o povo lhe pede mais pão e mais justiça, responde-lhe, torcendo o
bigode: — Deixa lá… Tu tomaste Cochim».Eçaa de Queiroz
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