Texto de Paulo Ferreira da Cunha sobre a possibilidade de
alteração da Constituição em direcção a um regime monárquico.Convém
ressalvar que em todo o texto o autor remete a fonte de legalidade da
Constituição para o espectro partidário, o que em suma pode-se
considerar como uma forma branda de Ditadura normativa onde os
constituintes tentam intemporalizar aquilo que nasceu para ser temoral, a
visão positivista do legislador que vê no enquadramento normativo uma
evolução racional linear independente da vontade popular.O destino dos
regimes definitivos ou “predestinados” advém da vontade popular, única
fonte de legalidade.
Não deixa, contudo, de deixar sub-entendido uma aversão à “legalidade
revolucionária” (aversão consensual na jurisprudência portuguesa) ou a
processos de ruptura Legal contextualizando que uma alteração deve ser
sempre processada dentro dos moldes estabelecidos, raciocínio que
lógicamente confina a hipotese restauracionista para uma impossibilidade
matemática.
«Seria possível um consenso das forças políticas portuguesas para
alterar o art.° 288.°, que, além dos pontos concretos intocáveis da
Constituição, implica a proibição geral e total de mudar de Constituição
dentro da ordem, da legalidade, do regime instituído?
De forma alguma tal nos parece possível. A chave do problema é, de
momento, o Partido Socialista, que sempre tem sido um defensores da
Constituição, que (na versão presente, mas mesmo muito na original) a
ele e ao PPD/PSD fundamentalmente se deve. Mas imaginem-se as reacções
do PCP e do Bloco de Esquerda perante uma tentativa de mudança de
Constituição rasgando os limites da presente. Todos os partidos
do arco parlamentar têm interesse em manter o regime, e uma ruptura
desse género não se sabe ao que poderia levar, além de a
pertença à União Europeia ser um garante contra aventureirismos
anti-democráticos e anti-constitucionais, como seria o caso. Só o CDS
votou contra a Constituição, e depois com ela foi convivendo, apesar de
críticas pontuais, que nunca puseram em causa o regime. Durante mais de
30 anos, apenas grupos de extrema direita ou para ela caminhando se
manifestaram radicalmente contra a Constituição (sendo de presumir que
grupos de extrema esquerda sejam também desafectos a ela, mas estes não
se preocupam com reivindicações juridistas, que consideram certamente
“burguesas” -pelo que desta inimizade constitucional se não ouve falar).
Não cremos, assim, que a grande autoridade moral de grandes
pais-fundadores da Constituição felizmente vivos e a memória de outros,
possa permitir que um programa social e democrático se desvincule da
defesa da actual Constituição.
Só um grande desconhecimento das virtualidades auto-regeneradoras deste texto tão aberto e tão generoso poderia levar a atravessar o
Rubicão de uma ruptura. Apesar dos proverbiais “brandos costumes” dos
Portugueses, uma ruptura constitucional poderia ser o princípio da
guerra civil que se evitou em 1975 (e 1976 …), precisamente com o
compromisso constitucional. Por certo não uma guerra civil clássica,
obviamente. Para quê mudar o fato que nos está bem, e que, em alguns
aspectos, nem sequer foi usado suficientemente (como nos direitos
sociais)?
À pergunta “poderá haver uma nova Constituição?” devemos responder, pois, sim e não.
Sim, porque a História não pára, e é impossível à normatividade
suster a evolução: benéfica ou nociva. E pode, de facto, mas não de
direito, fazer-se inconstitucionalmente e artificialmente uma nova
Constituição ainda durante o “prazo de validade” histórico desta: prazo
esse que é indeterminado.
Não, porque a nossa ordem jurídica, a normalidade institucional, o
normal funcionamento das instituições democráticas que o presidente da
República deve defender e por que deve velar, não permite mudar de
Constituição. Apenas rever a presente, nos seus estritos termos.
Mudar de Constituição seria mudar de regime. Mudar de “República”,
como alguns aspiraram e apregoam… E para isso é preciso, sempre, uma
revolução ou uma contra-revolução – recordemos. Por vezes, há formas
eufemísticas de o dizer, e mesmo de o fazer. Mas a ideia é sempre a
mesma: uma mudança substancial no estado das coisas, nos modos de
governar, na relação entre quem manda e quem não detém o poder, nos
direitos dos cidadãos, e no projecto nacional.
Uma Constituição não é como uma moda, que muda por pressão social
volúvel para ter de mudar, para ser in, chie ou moderno, etc. Seria bom
que olhássemos para a longevidade de algumas constituições e mesmo de
algumas leis (como os nossos dois sucessivos códigos civis), como
exemplos, e nos lembrássemos que, num tempo democrático, como o nosso,
em que as revoluções se tornam, pela força das coisas, raras, (já o
projectizava Tocqueville) também as mudanças radicais dos pactos ou
contratos sociais por isso mesmo terão de ser excepcionais. E que todas
as mudanças, a fazerem-se, têm de sei para aperfeiçoar o modelo, não
para o contrariar. Muito menos para o subverter ou lhe dar fim.»
Constituição & Política, Paulo Ferreira da Cunha
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