Cartaz do Amigo Amândio de Sousa Vieira
Faz hoje (4 de Março de 2013) 888 anos que a Vila de Ponte teve carta de foral concedida pela Rainha D. Teresa, que foi «...mãe de Reis e avó de impérios... »...e... «de Ponte a bem dizer mãe e madrinha...», pelo que o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao despontar da nacionalidade.
O Município de Ponte de Lima como lhe compete assinala a data, no entanto a comemoração desta efeméride que faz com Ponte de Lima seja anterior à própria existência de Portugal como país livre e independente, merecia muito mais, para além de incompreensivelmente não ser feriado municipal...
Um pouco de história...
Entre 1096 e 1187 surge o período áureo do municipalismo português que principia com a outorga do foral de Guimarães e finda com a concessão do foral de Bragança; pelo meio está o foral de Ponte de Lima.
Das actuais localidades que presentemente são vilas e sede de concelho (uma vez que algumas deixaram de ser sede de concelho e passaram a freguesias e outras apesar continuarem como sede de concelho foram elevadas à categoria de cidade), a ordem de antiguidade da outorga de forais dentro do território nacional será a seguinte: Sátão com foral concedido pelos Condes D. Henrique e D. Teresa no mês de Maio de 1111; Soure em Junho de 1111, Montemor-o-velho em Maio de 1112, Arganil a 25 de Dezembro 1114, e Sernancelhe 26 de Outubro de 1124.
Há ainda o caso do foral de S. João da Pesqueira, outorgado entre os anos 1055 e 1065 por Fernando II de Leão, inserido no contexto das campanhas de reconquista [1057-1058] que o levaram até Coimbra, e que é assim o mais antigo foral concedido dentro do actual território português.
Eram as necessidades públicas de povoamento, defesa, cultura da terra mas também de administração do território, que determinavam a outorga dos forais. A povoação individualizava-se, ganhava personalidade e, para garantia e defesa dos direitos comuns, carecia de órgãos próprios: a assembleia dos vizinhos e os magistrados. De modo que o foral arrastava consigo, mesmo que o não estabelecesse expressamente, a formação do concelho.
O foral é uma das principais fontes de direito interno: é um documento escrito (carta) outorgado unilateralmente pelo rei ou por entidade senhorial – nobre, eclesiástico, etc. – que pudesse dispor de certa área de terra em benefício de um grupo de pessoas; é considerado um pacto inviolável por qualquer das partes, embora desse documento não constasse a aceitação dos destinatários; o seu objecto principal é conceder a uma colectividade de indivíduos presentes e futuros o domínio da área que eles irão povoar, cultivar e defender como homens livres, sendo essa concessão da terra – normalmente em plena propriedade – efectuada com encargos e a título perpétuo e hereditário.
Nesta carta fixava-se o regime das relações dos membros da comunidade entre si mas especialmente os encargos ou obrigações que a colectividade (e os seus membros) tinha para com o concedente, evitando o arbítrio ou o abuso nas exigências e garantiam-se igualmente direitos, em geral sob a forma de privilégios, que tornavam atraente a fixação na povoação considerada. Tal regulamentação de direitos e obrigações individualizava essa colectividade e dela resultava uma comunhão de interesses, a necessidade de os membros da colectividade se concertarem acerca do cumprimento das obrigações colectivas e da fruição e defesa dos direitos e privilégios assim como levava à reunião da assembleia dos interessados (concilium) e à criação através dela de magistrados encarregados de reger a comunidade.
Todavia o foral não contém todo o Direito municipal pois parte dele era consuetudinário.
E o foral da vila de Ponte?
Em 1121 D. Urraca concentra os seus exércitos em Tui e invade Portugal, tendo necessariamente de passar pela pontedo Lima, que, na época, abria o território de Portucale, seguindo a estrada para Braga e Guimarães.
Estes acontecimentos vieram mostrar a D.
Teresa quão necessário era a fortificação do vale do Lima e importante
manter o seu domínio, tanto mais que em todo o curso deste rio não
existia então outra ponte. Por outro lado a criação de um município
nesta área permitiria, não apenas desequilibrar a influência religiosa
compostelana em território português - já que a freguesia da Correlhã
(Villa Cornelliana) havia sido doada à Igreja de Santiago em 915 e era,
nesse tempo, o posto mais avançado da política hegemónica do arcebispo
de Santiago de Compostela – retirando-lhe parte dos moradores, atraídos
para a Vila de Ponte pelos privilégios concedidos mas também levantar
uma nova fortificação no Norte do Minho, inquietando e devastando Leão e
lutando contra o seu rei. A 4 de Março de 1125 é outorgado foral
originário a Ponte de Lima. E originário por ter sido o primeiro foral
concedido já que Ponte de Lima recebeu, no ano de 1217, do rei D. Afonso
II um foral que veio confirmar (e daí a designação de foral
confirmativo) aquele – o outorgado por D. Teresa: «Ego Alfonsus II Dei
gratia Portugalensis rex una cum uxore mea Regina domna Vrraca et fílíís
nostris ínfantíbus domno Sancio et domno Alfonso et domna Alionor
concedo et confirmo fírmíter uniuersis populatoribus de Ponte istud
forum et istam cartam quam eis dedit auia mea regina domna Tharasia…»
(Eu Afonso II, por graça de Deus Rei de Portugal, juntamente com minha
mulher, a Rainha D. Urraca e nossos filhos Infantes D. Sancho e D.
Afonso e D. Leonor, concedo e confirmo firmemente a todos os povoadores
de Ponte este foro e esta carta que lhe deu a minha avó a Rainha D.
Teresa ...).
Mas D. Teresa não terá criado, ex
novo, a vila de Ponte de Lima. Já existiria, junto à ponte romana, uma
povoação e a rainha transferiu, para a outra margem do rio, a sede do
concelho calculando que se fosse aproveitada a linha de defesa natural
que o Lima representava e levantada uma muralha em redor da vila,
defronte da ponte, sustar-se-iam, com mais eficácia, eventuais invasões
de Leão e Castela.
Porque a principal razão do foral era a
mudança da vila para nova povoação a fazer, as disposições daquele
diploma restringem-se, praticamente, ao estabelecimento de imunidades
perante a justiça; à concessão de alguns privilégios, tendentes a
promover a afluência ao local de moradores, que aqui, em virtude do
couto, ficam protegidos contra violências, deveria ser cobrada portagem e
passagem; às obrigações inerentes ao exercício de certas profissões
(por exemplo os mesteres); aos logradouros ou terrenos municipais
(maninhos, condados, caça, pesca, cortes...) e ainda ao regime e
organização de certos aspectos da vida e da administração local, o que
prova que tais regras eram conhecidas e estavam em vigor...
Tinha, pois, Ponte de Lima o estatuto de
couto que se traduzia na autonomia municipal, e, por conseguinte, na
existência de órgãos de justiça e de administração civil próprios e
ainda num estatuto especial em relação às tarefas militares. Mas o
coutar como forma de combater a vindicta privada e estabelecer
uma paz especial para certo lugar significava também, por via de regra, a
proibição da perseguição e morte dos inimigos nos locais privilegiados e
a punição mais rigorosa dos crimes que aí se cometessem e implicava, do
mesmo modo, o direito de asilo: os criminosos de outra terra que se
refugiassem na vila de Ponte ficavam protegidos pelo Direito local e aí
não podiam ser perseguidos pelos seus inimigos, sob pena de os
perseguidores serem severamente punidos.
Foi portanto de necessidades
estratégicas, predominantemente de cariz militar, que resultou a
fundação da actual vila, surgida por graça da Rainha D. Teresa ao
pretender transformar o local numa praça fortificada e estabelecer assim
uma povoação forte entre o noroeste do Condado Portucalense e a Galiza
ocidental.
Mas Ponte de Lima era, de igual modo, um
centro económico de certo relevo mercê da ligação que estabelecia entre
Santiago de Compostela, principal pólo de circulação monetária e
mercantil da Hispânia Setentrional, Braga e Porto, facilitando não só a
intensa actividade mercantil como a peregrinação jacobeia, então um
êxito. Por isso o foral de Ponte de Lima tem ainda outra importante
dimensão: ele atesta que a vila, para além de ser uma povoação de
características militares e agrícolas, tem igualmente um cariz
comercial, sendo a sua feira a mais antiga, documentada, em todo o
território português.
A realização de feiras – que tinham uma
importante função de intercâmbio económico e cultural – e o
desenvolvimento do comércio exigia segurança e impunha uma organização
especial das feiras traduzida numa série de regras e estatutos relativos
ao seu funcionamento: para além da protecção assegurada pelo senhor
territorial a todos os que frequentavam as feiras, as transacções eram
fiscalizadas e estabelecia-se uma paz especial.
A paz da feira proibia, durante a sua
realização, qualquer disputa, vingança ou acto de hostilidade assim como
protegia quem concorresse a essas reuniões mercantis (incluindo
estrangeiros) não só no local onde elas se efectuavam, mas também na
viagem de ida e de volta, fixando-se penas severas como castigo em caso
de transgressão, tal como vem documentado no foral de Ponte de Lima onde
se prescreve o pagamento de 60 soldos pelo infractor.
O foral da vila de Ponte, tal como todos
os actos solenes, deveria ser de grande formato e com aspecto cuidado
na caligrafia e na redacção. Foi redigido por um notário «Pedro»
e confirmado pelos membros da família real – o filho e o marido da
rainha D. Teresa, respectivamente D. Afonso Henriques e D. Fernão de
Trava – e da cúria régia – Conde Gomes Nunes, Paio Vasques, mordomo,
Sisnando Ramires, governador da Riba Lima por mandado da Rainha, muitos
outros homens bons e Paio, Arcebispo de Braga – o que demonstra que,
pelo menos em princípio, o monarca estava limitado nas suas resoluções
que atingissem os direitos ou o património da coroa pelo consentimento
dos seus familiares e dos bispos e barões do Reino.
Acrescente-se que o compromisso tomado
por D. Teresa foi igualmente corroborado por D. Afonso Henriques, seu
sucessor – o que normalmente acontecia para que o novo monarca não
pudesse alegar ignorância e se comprometesse por si próprio a respeitar
os foros ou direitos contidos no diploma -, assinando ambos, por sua
própria mão, a carta de foral, o que ocorria mediante a aposição, no
final, do seu signum, geralmente uma cruz.
É ainda no foral da vila de Ponte de
Lima que, pela primeira vez, D. Afonso Henriques aparece com o título de
rei - e não após 1140 com a batalha de Ourique - com a particularidade
de o mesmo ser dado por sua mãe – a rainha D. Teresa.
«...Porque foi belíssima D. Teresa nasceu belíssima, para sempre, a Vila de Ponte.»
(1)
Elaborado com base no trabalho que publiquei no ano 2002 em Ponte de
Lima intitulado “D. Teresa e a Vila de Ponte, Alguns subsídios
biográficos e históricos”.
publicado por José Aníbal Marinho Gomes em Risco Contínuo
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