Hoje a imprensa diária brindou-nos com dois artigos de opinião sobre o republicanismo espanhol. Um no jornal Público “Uma história de reis e príncipes”
da autoria do historiador Manuel Off, com um subtítulo tendencioso
“Estavam à espera de quê: que os espanhóis assistissem sentados a uma
história de reis e príncipes?” e outro da jornalista Ana Sá Lopes, “Ofereçam um referendo a Felipe VI” no jornal i.
O Sr. Prof. Dr. Manuel Off, possui de facto um grande curriculum vitae, aliás descrito pelo próprio no referido jornal (1)(2),
mas, apesar do seu curriculum, tem uma visão primária relativamente à
monarquia, e redutora em relação à história contemporânea espanhola.
Contudo, não obstante não ser catedrático em história, sei, pela
convivência que tenho com muitos espanhóis de vários estratos sociais,
por aquilo que leio, e pelo que observo nas constantes deslocações que
faço ao país vizinho, que a maioria do povo não quer uma mudança de
regime porque isso significaria a desagregação da Espanha. Aliás, a vaga
republicana manifestou-se mais intensamente nas regiões com tendências
independentistas. Além disso como o povo está descontente com as medidas
de austeridade, que tanto lá como cá, atinge sempre os mesmos, é muito
natural que se manifeste e que proteste contra tudo o que esteja
relacionado com o poder.
A continuação destas políticas
neo-liberais, vai fazer com que cada vez mais apareçam novos partidos
políticos com ideias extremistas, de direita ou de esquerda, ou levar ao
crescimento de formações já existentes. Enquadram-se perfeitamente
nesta situação, o Podemos em Espanha (que é uma versão espanhola da alternativa bolivariana) e Frente Nacional em França ou o Syriza na Grécia.
“Monarquia ou República”, foi a pergunta
que a maioria dos jornalistas, ávidos em sensacionalismos, colocou logo
que se soube da abdicação de D. Juan Carlos I.
Sr. Prof. Dr. Manuel Off e Dr.ª Ana Sá
Lopes, sobre a questão monarquia ou república em Espanha, Belén Rodrigo,
jornalista e correspondente do jornal espanhol ABC em Portugal disse ao
Jornal Expresso do dia 2 de Junho de 2014 (este mês e não há dois ou
três séculos atrás!), que foi na república portuguesa que mais se
apercebeu das vantagens da monarquia espanhola, concluindo que: "A
figura do Presidente da República não consegue a mesma unidade que um
rei. Em Espanha há uma divisão política grande e penso que, de outra
forma, não seria possível manter a unidade do país".
No mesmo local, a “insuspeita” Pilar del
Rio diz que não faz sentido, falar nesse tipo de referendos. "Fazia
mais sentido saber se as políticas da troika se deviam aplicar porque
estão a destruir o estado social. A república é um regime mais moderno
mas não é perfeito", contrapõe. Pilar defende ainda que, com a renúncia
de Juan Carlos, "a monarquia arcaica mostrou ser capaz de renovar-se
antes dos partidos políticos que têm apenas 38 anos de vida".
Para a jornalista e tradutora e
companheira do Nobel da Literatura, José Saramago: "Filipe é sensível,
educado, uma pessoa do nosso tempo. Não impõe o que está na sua cabeça.
Tem um projeto e está a trabalhar nele. Faço votos que a sua primeira
viagem seja à Catalunha e para falar de federalismo. Federalismo e
pluralismo. Porque Espanha é um estado plural, livre, com referendos."
Também o republicano Rogelio Ponce de
León, espanhol e professor da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto refere ao mesmo jornal que a Monarquia continua a ser um factor
unificador da Espanha, que corre sérios riscos de se desagregar em
virtude do crescimento actividades independentistas das regiões
autonómicas, particularmente da Catalunha, País Basco e Galiza.
O Alcaide socialista de Zaragoza e
ex-ministro, Juan Alberto Belloch refere no Jornal ABC do dia 6 de Junho
de 2014 (este mês e não há dois ou três séculos atrás!) que: «A
monarquia parlamentar é o melhor dos modelos possíveis, (...) e que foi a
Constituição de 1978, votada por todos os espanhóis, que elegeu o
modelo de monarquia parlamentar».
Esquecem-se também Manuel Off e Ana Sá
Lopes que a Segunda República espanhola foi precedida de muito
“barulheira” e sem legitimidade popular, apesar de os republicanos terem
ganho nas eleições de 1931 algumas das grandes cidades. A II república
nunca foi legitimada pelo povo, diga-se referendada. Povo este, que
nunca participou no poder, inclusive na elaboração da constituição
republicana, ao contrário por exemplo, da actual constituição espanhola,
na qual participaram todas as forças políticas, PSOE, Partido
Comunista, UCD, etc. e foi referendada por todos os espanhóis, há pouco
mais de 30 anos.
Esta república que o Sr. Prof. Off
proclama, para além de proibir as manifestações monárquicas, vedava de
igual modo o uso de qualquer símbolo (emblemas, insígnias, etc.) que se
pudesse identificar com a monarquia. Importa ainda referir que passados
apenas poucos dias após a implantação deste novo regime, vários
conventos, colégios e centros católicos são incendiados e assaltados, e
surge a lei de Defesa da República, que regula a censura, assistindo-se
posteriormente á dissolução da Companhia de Jesus sendo confiscados
todos os seus bens. Era pois uma república das liberdades…, mas só para
aqueles que desconhecem a história.
Ao invés, a actual constituição
espanhola – a monárquica –, permite que qualquer espanhol se manifeste,
desde que exerça este direito pacificamente. Aqui está uma grande
diferença, Sr. Prof. Off entre a liberdade de expressão permitida por um
regime e por outro.
O mesmo se diga relativamente a
Portugal, El-rei D. Carlos foi várias vezes insultado e ridicularizado
na imprensa e nada aconteceu aos respectivos autores. Mas com a
implantação da república em Portugal veio a censura, era proibido
insultar as figuras do regime, que logo tratou de se proteger,
legislando sobre a matéria e procedendo inclusive ao encerramento vários
jornais. Aqui se vê o conceito de liberdade republicana!
A propósito, por que não levantam V.ªs Ex.ªs a questão do regime em Portugal? Também aqui a república nunca foi legitimada, e como
não podia deixar de ser, foi implantada à força e com sangue nas mãos
já que dois assassinos a soldo da Carbonária e emboscados, “abateram” a
tiro um legítimo Chefe de Estado e seu filho. Se defendem assim tanto a
consulta popular, porque não se insurgem contra o artigo 288.º alínea b)
da Constituição da República Portuguesa, que blindou a forma de regime?
Será que temos o direito de vincular as gerações futuras às nossas
leis? Ou esta questão só é valida para Espanha?
Porque ignoram constantemente que em Portugal há um número considerável de cidadãos que defendem a monarquia?
Mas voltemos de novo ao assunto que me
levou a escrever, citando Felipe Gonzalez, figura incontornável da
viragem democrática em Espanha, que em declarações à Cadena Ser, no dia 9
de Junho de 2014 (este mês e não há dois ou três séculos atrás!)
referiu que os socialistas não são republicanos, sempre foram
acidentalistas, rematando que:”…a forma do Estado não é importante para o
socialismo democrático, o que é importante é o desenvolvimento das
nossas políticas como uma alternativa”.
Filipe Gonzales e o Rei Don Juan Carlos
Para o ex-Primeiro-Ministro espanhol,
Felipe González, o legado que deixa o rei ao longo destes quase 40 anos
como chefe de Estado, não é só positivo, é muito positivo.
O Rei Juan Carlos I para além de ter
estado na base da construção de um estado espanhol moderno e
democrático, foi um grande embaixador do seu país, abrindo várias portas
para o investimento estrangeiro em Espanha e às empresas espanholas
fora do país.
Porque razão vem agora o Sr. Prof. Off,
(mais valia ter ficado em off neste tema) contrariar personalidades como
Gonzalez, um dos políticos mais influentes em Espanha na era
democrática e a opinião dos espanhóis acima citados, dizer que: “Tem-se
procurado impor um relato, muito mais digno da revista Hola do que de
qualquer livro de História, de uma transição democrática espanhola
livremente decidida por um rei bem-disposto, ajudado por um
primeiro-ministro moderno (Suárez), que, depois de anos de fidelidade à
ditadura (um como herdeiro do ditador, o outro como chefe do partido
único), se decidem, cumplicemente, a desmontá-la e a instaurar a
democracia.” E continua: “Mas não foi assim: Juan Carlos e
Suárez não tinham escolha. A democratização foi imposta por quem se
mobilizava na sociedade espanhola exigindo o fim da ditadura.”?
Don Juan Carlos e Santiago Carrilo
Mas
então, se assim foi, porque motivo o republicano, Santiago Carrillo,
líder do Partido Comunista Espanhol, e outros republicanos (do PSOE)
votaram favoravelmente a Constituição de 1978, onde se estatuiu que
Espanha era uma monarquia parlamentar?
Porque todos sabiam - e continuam a ter
noção disso - que num Estado perturbado por nacionalismos, o Rei é o
garante da unidade nacional e das instituições democráticas. E o Rei
teve um papel muito importante ao forçar as forças armadas a aceitarem a
democracia e as autonomias regionais, papel que foi também decisivo na
contenção do golpe de 23 de Fevereiro de 1981, comandado por Tejero
Molina.
Isto de se querer menorizar o papel do Rei na transição para a democracia em Espanha, não lembra a ninguém, e nem mesmo ao diabo, usando a famosa expressão idiomática, excepto a pessoas com “tiques” de republicanismo primário.
Após a subida ao poder de Franco, as instituições republicanas espanholas no exterior, conhecidas como República Espanhola no Exílio, continuaram a reconhecer a vigência da Constituição Republicana até 1977, altura em que se iniciou o processo político da chamada Transição Espanhol, quepermitiu a redacção de uma nova Constituição democrática, que vigora actualmente.
A certa altura refere o ilustre professor que Franco só venceria a guerra civil com o apoio de Hitler, Mussolini e Salazar, esquecendo-se de mencionar que as tropas republicanas receberam de igual modo ajuda internacional, proveniente da URSS, como tanques, bombardeiros leves, caças Polikarpov I-15 e Polikarpov I-16 e bombardeiros ligeiros Tupolev SB, e outro tipo de armamento, bem como a ajuda de Brigadas Internacionais composta de militantes de frentes socialistas e comunistas de todo o mundo, etc.
Para que não restem dúvidas sobre aquilo que penso, não apoio a guerra como forma de resolução de conflitos, que devem ser resolvidos pacificamente e com base no diálogo, e nunca através de atitudes beligerantes.
Como não podia deixar de ser, volta de novo à baila, agora pela pena da Dr.ª Ana Sá Lopes, a “festa dos elefantes” e o suposto caso de corrupção do genro do Rei, dizendo que estas duas situações foram fundamentais para a quebra dos índices de popularidade do Rei e da Monarquia.
Embora um erro não se possa desculpar com outro, no nosso país, o actual Presidente da República (embora na altura não fosse ainda Chefe de Estado), e a sua filha Patrícia não foram accionistas da Sociedade Lusa de Negócios (SLN) detentora do Banco Português de Negócios (BPN) entre 2001 e 2003, adquiridas a um euro cada, acções estas que foram depois vendidas a um preço individual de 2,4 euros, dando lugar a proveitos que a generalidade dos portugueses não teve acesso? E o seu próprio genro, Luís Montez, não esteve também envolvido em polémicos negócios? E se recuarmos ainda mais para trás, até Mário Soares, e recordarmos o que Rui Mateus escreveu em livro, que foi rapidamente retirado de mercado após a polémica que causou em 1996…
Uma coisa é constatar um facto, outra é por exemplo, retirar importância ao papel de Mário Soares na consolidação da democracia em Portugal.
Don Juan Carlos na Comunicação aos Espanhóis no dia 23 de Fevereiro de 1981
D. Juan Carlos a assinara Constituição democrática
Não se modifique, ao nosso gosto, a História e muito menos a história recente – os acontecimentos que os cidadãos, com apenas 50 anos de idade, se recordam…
Não se pretenda considerar pouco esclarecido um país, que no século XX viu ser instaurada, abruptamente a república, na década de 30 e que, no mesmo século, e no final da década de 70, optou, democraticamente, pela monarquia…
Santiago
Carrillo, Agustín Rodríguez Sahagún, Adolfo Suárez, Don Juan Carlos I,
Felipe González e Manuel Fraga, numa recepção do Rei aos líderes
políticos após o golpe de Estado.
(1) “Historiador, trabalho na
Universidade do Porto, de cujo Departamento de História e Estudos
Políticos e Internacionais sou professor associado, e sou investigador
no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
Dedico-me há mais de 20 anos ao estudo do século XX, especialmente as
ditaduras da Era do Fascismo e os processos de construção social da
memória da opressão ou das experiências da sua superação. Doutorei-me no
Instituto Universitário Europeu (Florença), estudei, trabalho e
investigo entre Portugal e Espanha, e colaboro com várias universidades e
centros de investigação europeus e americanos – mas ainda não desisti
de viver no meu país!”
(2) Também eu não desisti de viver no
meu país, nem os meus três filhos, todos maiores, com idades entre os
22 e os 29 anos de idade e dois deles já licenciados – um pela
Universidade de Coimbra e outra pela Universidade do Porto – desistiram
de viver em Portugal. E eu também não desisto de lutar por um Portugal
mais democrático, mais desenvolvido e, naturalmente, monárquico…
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