A propósito de uma entrevista concedida por Filipe Ribeiro de Menezes à
SIC Notícias, o historiador confirmou as minhas primeiras impressões
acerca de um livro recentemente publicado e para o qual prestou a sua
colaboração no que se refere à participação portuguesa na I Guerra
Mundial (Impérios em Guerra, 1911-1923, Dom Quixote). Estava a obra exposta numa estante da Bulhosa do Oeiras Park (Park
ou Parque?) e curiosamente, ao seu lado apresentava-se uma outra cuja
capa talvez seja um perfeito contraponto: o livro evocador do "Soldado
Milhões".
O
tema Grande Guerra consiste num daqueles incontornáveis buracos negros
da nossa história, buraco esse capaz de sugar qualquer abordagem
desapaixonada acerca dos factos e respectivas interpretações. Trata-se
de uma matéria susceptível de plena integração no combate político e as
ainda recentes e pífias comemorações do Centenário da República, foram
demonstrativas do quão longe estamos do encarar da história como ela
realmente foi. A I Guerra Mundial salpica a República, daí o tabu que
desde logo se construiu, evitando-se o quadro geral dos acontecimentos e
cingindo-se toda a atenção a casos isolados justificando a existência
de uma meia dúzia de monumentos ao combatente e mais importante, as
decisões e actos que levaram a Alemanha a declarar guerra a Portugal.
Filipe
Ribeiro de Menezes pareceu ciente desta dificuldade de publicamente
contrariar superstições e manipulações tecidas em torno do Portugal que
foi formalmente beligerante a partir de 1916. O próprio entrevistador
SIC-N estava claramente influenciado pela historiografia oficialista e o
escasso tempo concedido para a exposição da obra e o seu objecto de
estudo, implicaram uma resenha que apenas aguçou a vontade de melhor
conhecer este trabalho.
Aníbal Augusto Milhais, o "Soldado Milhões"
Ainda
temos bem presentes todas as estorietas que desde a escola primária
foram incutidas numa população habituada a velhas glórias de capa e
espada, glórias essas muito mais verdadeiras que outras apenas ocorridas
na imaginação fértil de publicistas e demagogos que as usaram em
proveito ou justificação da sua permanência no poder centralizado no
Terreiro do Paço. Se vinte e quatro anos mais tarde Mussolini diria
necessitar de "uns milhares de mortos para se sentar à mesa das
negociações da paz como vencedor", em Portugal houve quem tivesse
cultivado a mesma esperança em relação à contenda que defrontava os
Impérios Centrais com a Entente. O prinicipal problema a considerar, consistia na desagradável evidência de nem os ingleses serem os abexins que o exército do Duce encontrou
no Corno de África, nem os alemães louras réplicas dos vátuas que
Mouzinho venceu. A entrada na guerra teve como sustento a esperança
fundada no querer é poder e as publicações da época estavam
cheias de evocações a Nun'Álvares, aos cercos de Diu, Colombo e Malaca, à
Guerra da Restauração e outros episódios edificantes da nossa história
militar. Por outras palavras, os portugueses de agora - do início do
século XX -, não podiam ser diferentes daqueles outros que se bateram na
Índia, no sertão brasileiro ou nas então ainda recentes campanhas de
ocupação pós-Ultimatum. Contou-se como sempre, com o improviso
que tão bem nos tinha servido em algumas ocasiões difíceis da nossa
história. Tentar explicar a Afonso Costa e aos seus, o que significava
uma guerra europeia com o seu complicado cortejo de dificuldades
inerentes ao treino, fardamento e equipamento moderno e apropriado a
cada teatro de operações, logística, retaguarda industrial, organização
da sociedade civil em todos os sectores, transportes, serviços de saúde,
coordenação inter-armas e com os aliados, era coisa impossível e
Portugal bem cara pagou a aventura. Quanto à I Guerra Mundial, as
megalomanias propagandeadas pela gente do poder vigente ou pela
normalmente desnorteada Ilustração Portuguesa - apenas um exemplo entre uma miríade de outros -,
seriam calorosamente adoptadas pelos seus sucessores da II República.
Nada mudou no discurso oficial e nos programas didácticos. O combate do
Augusto de Castilho, o soldado Milhais - o Milhões - arrastado
até à ribalta da fama nos anos 20 e o sempre trombeteado Milagre de
Tancos, confortaram os espíritos e procuraram esquecer vergonhas e
abusos, o desleixo e a escandalosa incompetência, a deserção disfarçada
"de licença de férias" e não nos esqueçamos, o absurdo papel
desempenhado pelos militares na política partidária. A verdade é que os
inimigos políticos do regime de Costa, Camacho, Bernardino e A.J.
Almeida - os militares e os civis que lhes suceriam em 1926 -, faziam
parte da mesma geração, não querendo por isso indirectamente
deslustrar-se pela previsível conotação imposta por aquele velho e
conhecido princípio de também serem eles "homens do seu tempo",
precisamente daquele tempo de baderna, desorganização e facilitismo.
Têm os autores o pleno conhecimento acerca de um conflito que de facto
se iniciou logo no alvorecer do século. Se a guerra ítalo-turca de 1911
não chegar para demonstrar esse progressivo resvalar para o conflito
global, também podemos então mencionar as gravíssimas contendas
ocorridas no flanco sul dos Balcãs, opondo gregos, búlgaros e sérvios.
Sem a participação de qualquer uma das grandes potências europeias -
Alemanha, Rússia, Áustria-Hungria, Reino Unido e França -, a guerra
balcânica serviu sobretudo para o delinear dos alinhamentos na grande
guerra que as chancelarias julgavam inevitável. Os tratados
estabelecidos nas duas derradeiras décadas do século XIX, não
significaram uma perfeita correspondência às alianças que se verificavam
a meio da Grande Guerra, pois as irredentistas Itália e Roménia,
acabaram por coligar-se à Entente, enquanto a Bulgária, tão
próxima dos russos, fez causa comum com as potências centrais, entre as
quais figurava o Império Otomano, o seu secular inimigo.
A questão britânica pode ser explicada não apenas pela tradicional
política do equilíbrio dos poderes continentais na Europa, mas também - e
principalmente - pela ameaça que a Alemanha passou a representar como
perigosa concorrente industrial e naval. A partir do momento em que o
governo imperial decidiu a construção de uma grande Frota de Alto Mar,
teve em contrapartida a animosidade inglesa, obtendo a França a
segurança que até ao momento lhe faltara: um essencial suporte naval -
a Royal Navy - ao programa de cerco terrestre dos
Impérios Centrais. A guerra europeia seria também económica e teria na
logística um factor essencial à vitória de qualquer uma das alianças.
O longo período de paz entre as grandes potências que vingou entre 1871 e
o início da segunda década do século XX, serviu sobretudo para a
construção da esperada revanche francesa. A própria visita de
Loubet a Lisboa, pode ser inserida nessa política de angariação de
potenciais aliados contra a Alemanha e disso mesmo tomaram nota
insuspeitas figuras como a rainha D. Amélia, falando-se abertamente na
capacidade portuguesa de mobilização de efectivos destinados a
combaterem numa guerra europeia. Paris foi incansável no preparar de uma
coligação e de um exército capaz de vingar Sedan, o desfile dos hulanos
prussianos Campos Elísios abaixo, a proclamação do II Reich na Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes e sobretudo, o arrebatar das províncias da Alsácia e da Lorena.
O caso português deve ser encarado sob o prisma de etapas por vezes
contraditórias entre si. Se atendermos à situação da diplomacia e
respectivo alinhamento nacional nos primeiros anos do século XX, teremos
então a clara evidência de Portugal se encontrar então plenamente
integrado - embora informalmente - no esquema da Entente Cordialeencetada
pelo pragmático Eduardo VII. As privilegiadas relações estabelecidas
por D. Carlos I ao longo do seu reinado, pareciam garantir o status quo imperial
português ainda ameaçado por uma longa guerra colonial de consolidação
da soberania nos recentemente reconhecidos territórios em África - o hinterland angolano
e moçambicano. Há que reconhecer a realidade de uma certa pertença de
todo o espaço imperial português à esfera de influência britânica e de
forma um tanto abusiva, poderemos até considerar o facto de Portugal ter
sido, de facto, um sub-Império da Commonwealth britânica. Na
difícil relação com Estados de primeira linha, a situação portuguesa não
era assim tão exótica ou embaraçosa, sendo tacitamente aceite pelas
chancelarias europeias e sem que isso representasse qualquer tipo de
vergonhosa submissão. Embora o país tivesse algum espaço para
negociações com outras potências que não a Inglaterra, os essenciais
interesses quanto à preservação do património ultramarino e a própria
segurança e integridade territorial da Metrópole, dependiam da
prossecução da aliança tradicional. Era esta a flagrante realidade e os
governos de Lisboa durante muito tempo - após os acordos decorrentes do Ultimatum -
puderam contar com a contemporização britânica, também temerosa do
sempre problemático caso sul-africano. Tal como a Bélgica, Portugal
significava a existência de possessões lusas que serviam de
Estados-tampão em regiões vitais à segurança do império britânico, ao
mesmo tempo que subtraíam importantes recursos materiais aos principais
rivais dos ingleses, os alemães e em menor grau, os franceses..
O Regicídio terá sido um dos pontos de viragem da política de Londres
relativa ao espaço português. Observadores estrangeiros das cerimónias
fúnebres do rei e do príncipe herdeiro, acreditavam que naqueles dois
ataúdes também iam a toque de finados, as colónias portuguesas. A coroa
britânica encarou o assassinato de D. Carlos como um agravo directo,
conhecendo perfeitamente o tipo de propaganda veiculada pelos autores
morais e materiais do crime, ou seja, os republicanos do PRP e
organizações satélites (Dissidentes, a Maçonaria e Carbonária). Durante
décadas foi a opinião pública portuguesa envenenada por uma campanha sem
tréguas contra a Grã-Bretanha, campanha essa que chegaria a influenciar
o imprevidente Barros Gomes, ministro dos Negócios Estrangeiros -
procurando alianças pontuais com a França e Alemanha - da Monarquia
Constitucional. A verdade é que na hipótese do movimento do 31 de
Janeiro ter triunfado, bem diferente poderia teria sido o resultado do Ultimatum,
pois Portugal não contaria com uma certa benevolência à qual não foi
estranha a intervenção da rainha Vitória. Os ingleses sabiam quem eram e
o que durante anos proclamaram as cabeças do PRP, subitamente alçadas
ao poder através de um violento golpe sedicioso que profundamente
desagradou as chancelarias europeias. Nem mesmo o rápido volte face
empreendido pelos governos da República podia fazer esquecer o passado
bem recente. Pior ainda, os republicanos acabaram por fornecer aos
diplomatas britânicos, o argumento da "não confiança" que lhes permitia
negociar abertamente com os seus colegas alemães. Em plena época de
expansão industrial, comercial e colonial, os ingleses eram a principal
potência mundial e nem sequer a França, mesmo
que aliada à Rússia, tinha o necessário poder para os enfrentar. Quanto
ao reconhecimento do novo regime, sabe-se que Londres pediu a Paris
para tomar a dianteira, mostrando assim as claras reticências quanto à
nova situação estabelecida após o golpe subversivo de 3-5 de Outubro de
1910.
A posição da República era difícil, senão desesperada. Conhecem-se as
negociações estabelecidas entre Londres e Berlim acerca da partilha das
colónias portuguesas da África austral, talvez a derradeira tentativa
britânica de encontrar um modus vivendicom a expansionista Alemanha do Kaiser Guilherme
II. Atendendo à situação interna portuguesa e à imprevisível evolução
da mesma, a Londres pode ter parecido aconselhável o encetar de
negociações que pelo menos salvassem o essencial da segurança do império
britânico naquela parte do mundo onde os alemães pareciam decididos a
obter um quinhão relevante e mais valioso que o semidesértico Sudoeste
Africano e o insuficiente Tanganica. A Alemanha era uma potência
colonial de segunda ordem e nenhuma das suas possessões tinha a
potencial importância económica e estratégica de Angola e Moçambique.
Todos os crimes, golpes de mão e flagrante inépcia que os governos de
Lisboa não conseguiam ocultar, mais convenciam uma boa parte dos
políticos britânicos da necessidade de uma modificação da forma como o
Reino Unido encarava a sua aliança com Portugal e nem mesmo os protestos
de fidelidade manifestados pelos sucessivos governos republicanos,
conseguiram convencer homens como Eduard Grey e Winston Churchill - que
se relacionavam com D. Manuel II, já exilado em Londres - e muitos
outros nomes de relevo da política, finança, economia, cultura e
imprensa. Não será muito arriscado afirmar-se que o magnicídio de
Sarajevo terá contribuído para a não realização do plano de divisão do
nosso património ultramarino, até então completamente à mercê da
resolução dos diferendos anglo-alemães. Na sua Legação londrina, o
representante do governo do Kaiser, o príncipe Lichnowsky,
julgava já praticamente consumada essa partilha que também contribuiria
para a resolução de algumas rivalidades entre a Alemanha e o Reino
Unido. A Portugal bem serviu a consciência que os ingleses tinham acerca
do pesar dos riscos que essa partilha implicava e mesmo nas vésperas do
estalar do conflito, talvez já encarassem a soberania portuguesa sobre
todo o espaço moçambicano, como o menor dos males, simultaneamente
contrariando alemães e sul-africanos.
É ainda hoje muito comum justificar-se a participação nacional na Grande
Guerra, com a necessidade da defesa do Ultramar. Parece evidente o
alinhamento português com os Aliados, embora essa colaboração seja
passível de ser julgada de diferentes formas, estando cada uma delas
até agora dependente do alinhamento político dos interessados pela
matéria de estudo. Aos saudosos da I República, a Flandres surge como o
destino lógico, embora trágico, de uma beligerância que devia plasmar-se
no principal cenário da guerra, mesmo que tal tivesse significado um
esforço insuportável para este país devastado pelas querelas políticas,
violência pública e incapacidade administrativa de um regime fraco e
desprovido de confiança interna e externa. A história alternativa ou
virtual, parece a todos indicar uma mais conveniente fixação da
intervenção portuguesa no norte de Moçambique, aproveitando a
experiência do escol de africanistas que tinham consolidado a
soberania, submetendo gentes e fixando as fronteiras da África Oriental
Portuguesa. Muitos dos oficiais fiéis ao regime da Carta foram
expurgados das fileiras e outros tantos decidiram afastar-se das mesmas,
opondo-se à nova situação política. Entre estes, contavam-se muitos dos
que bem conheciam as colónias africanas, facto que mais tarde pesaria
tremendamente nos erros crassos cometidos quando foram enviados os
corpos expedicionários para Angola e Moçambique: desconhecimento do
terreno, do clima e das populações, uniformes desadequados e serviço
logístico miserável, desde a alimentação, até ao essencial aspecto
sanitário. Os próprios planos de batalha eram desajustados à realidade,
sendo impraticável qualquer tipo de guerra que de longe se assemelhasse à
que acontecia nas frentes da Flandres, do Trentino e Venécia, nos
Cárpatos austríacos ou na Masúria prussiana. Por muito fértil que fosse a
imaginação das autoridades de Lisboa, estas deviam ter tomado boa nota
do material humano com que contavam para o travar da primeira verdadeira
guerra moderna onde a técnica e a indústria eram decisivas. Ornelas,
Couceiro e tantos outros especialistas em combates em África, talvez
tivessem sido elementos preciosos de aconselhamento, mas eram ostensivos
inimigos do PRP e com eles estavam muitos oficiais do corpo intermédio.
O espectáculo oferecido pela tropa era horrendo, participando
activamente nos golpes e contra-golpes que se sucediam entre o Terreiro
do Paço, a Rotunda e Monsanto, não nos podendo esquecer da inimaginável
quantidade de uniformizados que se sentavam nas incandescentes bancadas
parlamentares de S. Bento. Tudo isto prenunciava o desastre que
inevitavelmente aconteceu.
A própria política interna sobrepôs-se sempre ao império da razão que
aconselhava a concentração de esforços na frente do Tanganica, algo que
nem sequer teria exigido um gigantesco volume de efectivos, mas tão só
uma força armada móvel, bem armada e assistida por serviços de
manutenção militar, fossem estes de saúde, alimentação, fardamento,
instalações adequadas, etc. Há que dizer que a República teve bastante
tempo para se preparar para uma intervenção militar deste tipo, pois a
tensão na fronteira norte de Moçambique era permanente, servindo Quionga
como aviso. Em suma, também havia que atender à evidência de os askaris do
general von Lettow-Vorbeck não serem cópias das hostes de D. Reinaldo
Gungunhana. A política de Defesa da República era outro daqueles
capítulos de um compêndio de ilusionismo, colocando sempre à disposição
da opinião pública, projectos desadequados às possibilidades nacionais.
Todos pareciam contentar-se com as aparências. A verdade é que os
republicanos desde há muito viviam obcecados com a França enquanto
modelo a copiar, tendo chegado ao ponto de logo após o golpe do 5 de
Outubro, pretenderem uma reforma dos uniformes do exército, tornando-os
idênticos aos dos franceses, exotismo que não foi adiante devido ao
incomportável preço a pagar. O mesmo poderemos dizer quanto ao
extraordinário programa naval, totalmente desfasado da realidade
financeira e do interesse nacional. Pretendiam uma frota que batesse a
espanhola, imaginando três couraçados e
uns tantos cruzadores modernos ancorados diante da estátua de D. José,
não esquecendo navios de escolta, submarinos e um grandioso complexo de
construção naval militar na zona de Cacilhas. A posse de um vasto
domínio colonial implicava antes de tudo, a organização de uma frota de
escolta que mantivesse as ligações entre a Metrópole e o Império - ilhas
adjacentes incluídas -, não esquecendo navios comerciais e de
transporte, precisamente o programa naval que nos anos trinta o novo
regime saído do golpe do 28 de Maio procurou realizar. Nada disto foi
previsto, as intenções atendiam sempre ao contentar das parangonas dos
jornais sofregamente lidos nos cafés do Rossio.
Embora muitos prefiram esquecer, sabemos o que sucedeu em todas as
frentes de combate. O improviso e adaptação no terreno que tão bem nos
serviria cinquenta anos mais tarde, manifestou-se totalmente inútil num
conflito com uma grande potência europeia. À distância de um século,
ainda é fácil cair-se na tentação da justificação da história,
recorrendo aos mesmos argumentos que apenas procuraram legitimar uma
situação política há muito desvanecida, por sinal totalmente oposta à
que hoje vivemos. É este mais um daqueles paradoxos em que a nossa inteligentsia se
esmera, sempre num anseio de justificação da sua proeminência. Por
muito surpreendente que isto possa parecer, a dicotomia amigos-inimigos
da República ainda existe, estando o sector de militantes desta estranha
causa, firmemente encafuado na sua trincheira de incertezas e de
heroísmos contabilizáveis pelos dedos de umas dezenas de mãos.
Há quem erga como pilar essencial da intervenção, a segurança das
colónias e o frustrar dos desígnios expansionistas da Espanha de Afonso
XIII, a quem um político inglês diria ..."tem V. M. dificuldade em visitar Barcelona e mesmo assim pretende anexar Lisboa?"É
indubitável a longa vigência da estratégia britânica quanto à
necessidade de manter a costa portuguesa - somada às ilhas atlânticas e
ao porto de Lisboa - como essencial área amiga e vital para as
comunicações marítimas que garantiam a segurança do Império Britânico. O
que era válido em 1808, 1834, 1870 e 1908, continuou a sê-lo em 1914 e
mais tarde, em 1939-45. A conservação da independência e do Império,
sempre foi um secular jogo de equilíbrios e de aproveitamento de
oportunidades em que os estadistas portugueses aperfeiçoaram os seus
dotes diplomáticos, também sabendo aproveitar contingências de cada
momento. Esta linha condutora da política externa já corre há mais de
sete séculos e não consta que mesmo hoje, nos "dias da globalização",
algo de muito sensível haja a modificar, apenas parecendo ser necessária
mais uma daquelas adaptações que outrora sempre conseguimos sem perder o
norte.
O Monumento aos Combatentes da Grande Guerra, Praça Mac-Mahon, Lourenço Marques (Moçambique)
Teria sido possível Portugal manter-se neutral durante a Grande Guerra,
conservando a integridade do Ultramar? Teria sido suficiente a garantia
da impenetrabilidade das nossas fronteiras do Rovuma e do Cunene,
evitando a dispersão e desorganização de forças que prejudicou para o
campo dos Aliados, a rápida resolução do problema apresentado pelo
Tanganica alemão? Como teria sido a participação de Portugal na Grande
Guerra, se em vez de Afonso Costa, Brito Camacho, Manuel de Arriaga ou
Bernardino Machado, tivéssemos podido contar com D. Carlos ou D. Luís
Filipe - logo, com a plena confiança britânica - e com um exército que
desde o início do século se encontrava numa fase de modernização e ainda
relativamente afastado das corrosivas paixões partidárias? O que teria
sucedido se em vez das ilusões de uma "Flandres em África", Portugal
tivesse podido contar com militares experientes e conhecedores daquele
teatro de operações na África Oriental, optando-se por uma guerra de
movimentos e por contingentes mais reduzidos, bem armados, abastecidos e
adaptados ao combate imposto pelo grande militar que era von
Lettow-Vorbeck? Aqui ficam interrogações que jamais terão resposta.
Nuno Castelo-Branco
Fonte: Estado Sentido
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