A 14 de Agosto de 1385, há 630 anos, deu-se a Batalha de Aljubarrota!
Apesar das sucessivas derrotas militares, como em Lisboa e nos
Atoleiros, o rei de Castela não desistiria do direito à coroa de
Portugal, que entendia advir-lhe ius uxoris pelo casamento.
Estava por essa altura o país fragmentado em três facções que reclamavam
a legitimidade à sucessão de D. Fernando I. De um lado estava o partido
legitimista, fiel a Castela, que defendia a causa da Infanta D.
Beatriz, mulher do rei de Castela, a quem consideravam a única herdeira
legítima do Rei de cujus, e entendiam vigorar plenamente o Tratado de Salvaterra de Magos,
uma escritura antenupcial que defendia, como se viu acima, a união dos
dois reinos ibéricos, e ainda a regência da Rainha-viúva D. Leonor
Telles, consorte do rei decesso.
O Tratado de Salvaterra de Magos, de 1383, que previa, de acordo com o
Visconde de Santarém, in Corpo Diplomático Português, tomo 523, que “…As
sucessões dos Reinos de Portugal e de Castela que se façam por esta
guisa… que falecendo o dito rei de Portugal [D. Fernando I] e havendo
filho varão nascido … que a herança dos ditos Reinos de Portugal e
Algarve seja do dito filho do Rei de Portugal livre, e desembargada. E
morrendo o dito Rei [D. Fernando I] … não deixando filho varão …
deixando filho que morresse sem filhos legítimos ou outros descendentes
fosse de toda extinta, que a herança dos ditos Reinos fique livre e
desembargada à dita Infanta D. Beatriz sua filha… e os naturais farão
homenagem ao dito Rei de Castela [D. João I] casando com a dita Infanta
que o receberá por Rei depois da morte da dita Infanta ficando os
sucessores do dito Reino de Portugal extintos: filhos, netos e
sucessores de linha directa… Após o casamento com a Infanta… que o dito
Rei de Castela se chame Rei de Portugal como marido da dita Infanta
depois da morte do dito Rei de Portugal… assim que a linha directa deste
fosse toda extinta. Falecendo a dita Infanta D. Beatriz sem haver
filhos… os descendentes da linha directa… e não havendo el-Rei de
Portugal outro filho ou filha… e em falecendo em este caso o dito Rei de
Portugal e a dita Infanta, ou descendentes deles pela guisa que dito é,
que nesse caso os ditos Reinos de Portugal fiquem ao dito Rei de
Portugal e por esta mesma maneira suceda o dito Rei de Portugal nos
Reinos de Castela falecendo o dito Rei… e a Infanta sua irmã sem
sucessores legítimos em linha directa.” Outro partido era o
legitimista-nacionalista, a quem repugnava a ideia da perda da
independência nacional – o que excluía D. Beatriz – e que era
constituído pelos irmãos de D. Inês de Castro, D. Álvaro Pires de Castro
e D. Fernando de Castro, e que defendiam a legitimidade da pretensão
dos seus sobrinhos, o Infante D. João e o Infante D. Diniz, filhos do
Rei D. Pedro I e D. Inês, e que portanto eram meios-irmãos do finado
el-rei D. Fernando, e que o rei Cru, havia legitimado por casamento
clandestino. O terceiro partido, estritamente nacionalista, pugnava por
um Rei português e colocava a supremacia e independência nacional acima
de qualquer legitimidade, o que excluía a Infanta D. Beatriz, rainha de
Castela e os filhos de D. Inês de Castro que viviam em Castela e,
inclusive, já haviam combatido por esse Reino, figadal inimigo de
Portugal. Para estes últimos partidários, nos quais se incluíam o
fervoroso D. Nuno Álvares Pereira, não restava então outra solução do
que esquecer as habituais regras de sucessão e considerar o trono vago,
como forma de salvaguardar a soberania nacional, elegendo como Rex Portucalensis
D. João, Mestre de Avis, ainda que filho bastardo de D. Pedro. O
exercício de retórica dialéctica de convencer o escol de Portugal ali
reunido coube a João das Regras, que demonstrou que quer D. Beatriz quer
os Infantes não eram filhos legítimos, a primeira porque o casamento
entre D. Fernando e D. Leonor Telles de Menezes era inválido uma vez que
o 1.º casamento da rainha não havia sido dissolvido legalmente, e que
quanto ao filhos de Pedro e Inês o rei e os seus cortesãos havia
prestado falsas declarações no que ao concerne ao casamento secreto de
D. Pedro e D. Inês, embuste com a qual pretendeu legitimar os filhos.
Todos quanto ali reunidos renderam-se ao exercício de oratória empolada
de João das Regras e D. João foi eleito e proclamado Rei de Portugal,
não por “direito próprio”, mas por eleição unânime e instado
pelos três Estados o que de acordo pela Lei medieval correspondia a um
sinal da vontade Divina. D. João I consolidou definitivamente a sua
posição e a de Portugal ao ser proclamado Rei de Portugal, pelas Cortes
reunidas em Coimbra. Opondo-se a tal resolução, D. João I, de Castela,
responde invadindo Portugal, pela Beira-Alta, em Junho de 1385, e desta
vez à frente da totalidade do seu exército e auxiliado por um forte
contingente de cavalaria francesa. Quando as notícias da invasão
chegaram, João I encontrava-se em Tomar na companhia de D. Nuno Álvares
Pereira, o condestável do reino, e do seu exército, e mais uma vez, o
chicote de Portugal, D. Nuno Álvares Pereira resolve tomar rédeas à
situação e sitia as cidades que entretanto se converteram fiéis a
Castela. Avança e a decisão tomada foi a de enfrentar os castelhanos
antes que pudessem levantar novo cerco a Lisboa. Com os aliados
ingleses, o exército português interceptou os invasores perto de Leiria.
Dada a lentidão com que os castelhanos avançavam, D. Nuno Álvares
Pereira teve tempo para escolher o terreno favorável para a batalha e a
14 de Agosto de 1385 tem a oportunidade de exibir toda a sua mestria e
génio militar em Batalha.
A opção para a Batalha recaiu sobre uma pequena colina de topo plano
rodeada por ribeiros, no Campo de São Jorge, Calvaria de Cima, nas
imediações da vila de Aljubarrota, entre Leiria e Alcobaça. Contudo o
exército Português não se apresentou ao Castelhano nesse sítio,
inicialmente formou as suas linhas noutra vertente da colina, tendo
depois, já em presença das hostes castelhanas mudado para o sítio
predefinido, isto provocou bastante confusão nas tropas de Castela.
Assim pelas dez horas da manhã do dia 14 de Agosto, o exército português
e os aliados ingleses comandados por El-Rei de Portugal D. João I e o
Condestável do Reino tomaram a sua posição na vertente norte desta
colina, de frente para a estrada por onde o exército castelhano e seus
aliados franceses liderados por D. Juan I de Castela e Leão, eram
esperados.
A disposição portuguesa era a seguinte: infantaria no centro da
linha, uma vanguarda de besteiros com os 200 archeiros ingleses, 2 alas
nos flancos, com mais besteiros, cavalaria e infantaria. Na retaguarda,
aguardavam os reforços e a cavalaria comandados por D. João I de
Portugal em pessoa. Desta posição altamente defensiva, os portugueses
observaram a chegada do exército castelhano protegidos pela vertente da
colina. A vanguarda do exército de Castela chegou ao teatro da batalha
pela hora do almoço, sob o sol escaldante de Agosto. Ao ver a posição
defensiva ocupada por aquilo que considerava os rebeldes, o Rei
de Castela tomou a esperada decisão de evitar o combate nestes termos.
Lentamente, devido aos 30.000 soldados que constituíam o seu efectivo, o
exército castelhano começou a contornar a colina pela estrada a
nascente. A vertente sul da colina tinha um desnível mais suave e era
por aí que, como D. Nuno Álvares previra, pretendiam atacar. O exército
português inverteu então a sua disposição e dirigiu-se à vertente sul da
colina, onde o terreno tinha sido preparado previamente. Uma vez que
era muito menos numeroso e tinha um percurso mais pequeno pela frente, o
contingente português atingiu a sua posição final muito antes do
exército castelhano se ter posicionado. D. Nuno Álvares Pereira havia
ordenado a construção de um conjunto de paliçadas e outras defesas em
frente à linha de infantaria, protegendo esta e os besteiros. Este tipo
de táctica defensiva, muito típica das legiões romanas, ressurgia na
Europa nessa altura. Pelas seis da tarde, os castelhanos ainda não
completamente instalados decidem, precipitadamente, ou temendo ter de
combater de noite, começar o ataque. É discutível se de facto houve a
tão famosa táctica do “quadrado” ou se simplesmente esta é uma visão
imaginativa de Fernão Lopes de umas alas reforçadas. No entanto
tradicionalmente foi assim que a Batalha acabou por seguir para a
história. O ataque começou com uma carga da cavalaria francesa a toda a
brida e em força, de forma a romper a linha de infantaria adversária.
Contudo as linhas defensivas portuguesas repeliram o ataque. A pequena
largura do campo de batalha, que dificultava a manobra da cavalaria, as
paliçadas (feitas com troncos erguidos na vertical separados entre si
apenas pela distancia necessária à passagem de um homem, o que não
permitia a passagem de cavalos) e a chuva de virotes lançada pelos
besteiros (auxiliados por 2 centenas de arqueiros ingleses) fizeram com
que, muito antes de entrar em contacto com a infantaria portuguesa, já a
cavalaria se encontrar desorganizada e confusa. As baixas da cavalaria
foram pesadas e o efeito do ataque nulo. Ainda não perfilada no terreno,
a retaguarda castelhana demorou a prestar auxílio e, em consequência,
os cavaleiros que não morreram foram feitos prisioneiros pelos
portugueses. Depois deste revés, a restante e mais substancial parte do
exército castelhano atacou entraram em confronto com a infantaria
portuguesa: “Castyla! Sant’iago!” ao que os portugueses replicaram bradando “Portugal! São Jorge!”.
A linha castelhana era bastante extensa, pelo elevado número de
soldados. Ao avançar em direcção aos portugueses, os castelhanos foram
forçados a apertar-se (o que desorganizou as suas fileiras) de modo a
caber no espaço situado entre os ribeiros. Enquanto os castelhanos se
desorganizavam, os portugueses predispuseram as suas forças dividindo a
vanguarda de D. Nuno em dois sectores, de modo a enfrentar a nova ameaça
e onde se destacou com especial bravura a famosa Ala dos Namorados.
Gonçalo Annes de Villas-Boas, Morgado de Castelo de Vide, foi o
primeiro português a ferir um castelhano, que se bem o prometera melhor o
fez.
Mas, vendo que o pior da investida castelhana ainda estava para
chegar, o Rei de Portugal ordenou a retirada dos besteiros e archeiros
ingleses e o avanço da retaguarda através do espaço aberto na linha da
frente. Desorganizados, sem espaço de manobra e finalmente esmagados
entre os flancos portugueses e a retaguarda avançada, os castelhanos
pouco puderam fazer senão morrer.
Ao entardecer a batalha estava já perdida para Castela.
Precipitadamente, D. João de Castela ordenou uma retirada geral sem
organizar uma cobertura. Os castelhanos debandaram então
desordenadamente do campo de batalha. A cavalaria Portuguesa lançou-se
então em perseguição dos fugitivos, dizimando-os sem piedade. Alguns
fugitivos procuraram esconder-se nas redondezas, apenas para acabarem
mortos às mãos do povo. Surge aqui um mito português em torno da
batalha: uma mulher, de seu nome Brites de Almeida, recordada como a
Padeira de Aljubarrota, iludiu, emboscou e matou, pelas próprias mãos,
alguns castelhanos em fuga. A história é por certo uma lenda da época!
De qualquer forma, pouco depois, D. Nuno Álvares Pereira ordenou a
suspensão da perseguição e deu trégua às tropas fugitivas. Ao amanhecer
do dia seguinte, a catástrofe sofrida pelos castelhanos ficou bem à
vista: os cadáveres eram tantos que chegaram para barrar o curso dos
ribeiros que flanqueavam a colina e o barulho ensurdecedor do crocitar
dos corvos contribuía para o cenário de terror. Para além de soldados de
infantaria, morreram também muitos nobres castelhanos, o que causou
luto em Castela.
A Batalha de Aljubarrota representa uma das raras grandes batalhas
campais da Idade Média entre dois exércitos régios e um dos
acontecimentos mais decisivos da História de Portugal. No campo militar
significou a inovação de uma táctica, onde os homens de armas apeados
foram capazes de vencer a poderosa cavalaria medieval. No campo
diplomático, permitiu a aliança entre Portugal e a Inglaterra, que
perdura até aos dias de hoje, pois no ano seguinte foi assinado o Tratado de Windsor,
aliança consolidada em 1387 pelo casamento de D. João I com a Princesa
Inglesa Dona Filipa de Lencastre (Lady Phillippa Plantageneta of
Lancaster), filha de John Gant, Duque de Lancaster, e neta do então
monarca inglês Eduardo III, de cujo consórcio matrimonial nasceria a Ínclita Geração.
No aspecto político, resolveu a disputa que dividia o Reino de Portugal
do Reino de Leão e Castela, permitindo a afirmação de Portugal como
Reino Independente.
A mais importante edificação do Reinado de Dom João I foi o Mosteiro
de Santa Maria da Vitória, mais conhecido por Mosteiro da Batalha que o
Rei mandou edificar como agradecimento pela vitória na Batalha de
Aljubarrota, e onde aliás jaz, na Capela do Fundador, o Rei da Boa Memória.
É com o início da Dinastia de Avis que, de facto, a sociedade
portuguesa sofre a sua maior metamorfose. Para começar a língua
portuguesa toma a sua característica e inconfundível fisionomia que é
enriquecida com os neologismos que advém do contacto com as obras
clássicas, pois com o Renascimento vem a ideia de tomar a Antiguidade
Clássica como modelo.
A educação que Dom João I recebeu como Grão-mestre da Ordem de Aviz
transformou-o num Rei invulgarmente culto para a época e o seu gosto
pelo saber passou-o para a sua Ínclita Geração.
A Vitória tornou, também possível o início de uma das épocas mais
grandiosas da História de Portugal: a Epopeia dos Descobrimentos. Esta
descoberta geográfica do Mundo empreendida pelos portugueses é reflexo
do paradigma do Renascimento na medida que o humanismo não se trata
apenas de um ideal de cultura, mas um ideal de pensamento de confiança
no Homem. Com os Descobrimentos, Portugal participa na primeira linha da
construção de um admirável Mundo Novo.
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
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