A Carbonária foi uma organização terrorista secreta e armada, oriunda
de Itália, e que se instalou em Portugal em 1822, liderada por Luz de
Almeida a partir de 1898, que alistava grupos de civis que treinava nas
técnicas de combate urbano e anarquista e procedia ao recrutamento de
fidelidades nos quartéis entre os soldados e os sargentos. Apoiada pelo
próprio grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, lançou-se mesmo em
atentados bombistas como os do anarquista João Borges. Era paralela da
Maçonaria, embora sem vínculo orgânico à Maçonaria Portuguesa, não
obstante utilizava algumas lojas do então Grande Oriente Lusitano Unido
para aquartelar os seus órgãos superiores, os seus membros eram na
maioria também maçons, e colaborou oficialmente com esta Obediência para
a tentativa de revolução republicana falhada de 28 de Janeiro de 1908 –
conspiração urdida pelos republicanos, pela Carbonária e pelos
dissidentes progressistas -, para o Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908,
e, para a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910. A
Carbonária era uma organização política, mas de cariz armado, uma
espécie de brigada de artilharia, inimiga da Monarquia, do clero e das
congregações religiosas. A Carbonária impunha aos seus filiados que ‘possuíssem ocultamente uma arma com os competentes cartuchos’.
O órgão supremo da Carbonária Portuguesa era a Venda Jovem-Portugal,
tão secreta que os seus membros não se conheciam uns aos outros e que
apenas se reunia em caso de deliberações importantes. O seu Presidente
honorário era o Grão-Mestre eleito na Venda Jovem-Portugal e mais quatro Bons Primos
nomeados e escolhidos por este de entre os membros da Carbonária
Portuguesa. Este era o órgão de gestão da Carbonária Portuguesa e o seu
pólo dinamizador principal.
Na Carbonária havia quatro graus: Rachador, Aspirante, Mestre e Mestre Sublime. Os filiados tratavam-se por Primos e por Tu,
havendo entre eles sinais de reconhecimento e palavras especiais, e,
nas sessões apresentavam-se sempre todos de capuz geralmente negro ou
com a cara encarvoiçada, para dificultar a exposição dos chefes, mas os
quais, todavia, conheciam os seus homens. O estandarte carbonário era
vermelho e verde e nele estava representado um Estrela de Cinco Pontas,
que encima o Globo Terrestre e três pontinhos, dispostos em forma
triangular com o vértice na parte inferior.
Do lado político das conspirações formou-se ainda um comité
revolucionário composto pelos dissidentes do Partido Progressista,
Visconde da Ribeira Brava e Alpoim, e, os republicanos Afonso Costa e
Alexandre Braga, entre outros e que era conhecido pelo Grupo dos 18. Prepararam então a revolução.
Tudo servia de desculpa para denegrir o governo e o Rei: a maior das
crises políticas, que El-Rei Dom Carlos I enfrentou foi, logo no início
do seu reinado, o Ultimato britânico de 1890 usado pelos republicanos
para inflamar a insatisfação popular e acicatar o ódio à Família Real
Portuguesa. O Reino Unido apresentou a Portugal o Ultimato britânico de
1890, que intimava o desígnio expansionista de Portugal, concretizado no
Mapa Cor-de-Rosa a desocupar os territórios compreendidos entre Angola e
Moçambique num curto espaço de tempo, caso contrário seria declarada a
guerra entre os dois países. Assim se perderam importantes áreas e a
propaganda republicana aproveitou o momento de grande alvoroço nacional
para responsabilizar a Coroa pelos reveses no Ultramar. Em 31 Janeiro de
1891, no Porto deu-se mesmo um golpe republicano, mas que foi debelado.
O que a propaganda republicana não divulgava, pois não lhes
interessava, foi o papel do Rei que soube inverter a conjuntura e, fruto
do seu exímio dom diplomático instalou Portugal no centro da diplomacia
europeia da primeira década do século XX; a questão dos adiantamentos, isto é, das supostas dívidas
da Casa Real ao Estado; a greve académica de Coimbra em Março de 1907,
com o falso pretexto da reprovação de um candidato a Doutoramento em
Direito; que João Franco governava em ditadura – ora acontece que depois
de quebrado o apoio dos progressistas, passou a governar à turca, mas
tratou-se de uma ditadura apenas administrativa, pois era impossível
governar com o Parlamento que não funcionava; havia forte especulação de
que Dom Carlos I intervinha muito na governação, ora, por causa da
inoperância das instituições, designadamente o parlamento enredado no
quiproquó do rotativismo, o Rei era, na prática, obrigado a exercer o
poder real por vezes de forma significativa, embora sujeito pela
Constituição a actuar no conselho do Gabinete – ou isso ou o País parava
enredado no jogo rotativista! D. Carlos, foi até menos intervencionista
que o regente D. Pedro, depois de 1834, ou que D. Maria II e Dom Pedro
V.
De resto, os inimigos da Coroa, menos que uma ditadura, temiam a
hipótese de uma nova forma de reinar, capaz de confirmar um caminho novo
para o regime, limpo de toda a ferrugem que encardia a engrenagem da
máquina.
Aliás, tudo parecia resolver-se, até porque o partido de João Franco
alcança os acordos indispensáveis com os círculos eleitorais de maneira a
garantir a desejada maioria, e são marcadas eleições para o parlamento,
o que poria fim à ditadura administrativa e permitiria regressar a um
cenário de normalidade e equilíbrio parlamentares.
A Família Real encontrava-se em Vila Viçosa desde 6 de Janeiro, no
Paço Ducal dos Braganças, e que era tanto do gosto do Rei que apreciava o
bucolismo e a vida simples e rural. Só Dom Manuel, após uma curta
estadia, apressara a sua vinda para Lisboa com o objectivo de se
preparar para os exames da Escola Naval.
Dia 28 de Janeiro de 1908 foi a data escolhida pelo comité
revolucionário para a revolução pelas armas, mas um inconfidência de um
dos conspiradores fez chegar a notícia da sublevação às autoridades que
actuaram de imediato: António José de Almeida, Luz de Almeida, João
Chagas, França Borges, João Pinto dos Santos e Álvaro Poppe foram presos
imediatamente. Afastados estes, a chefia e orientação do coup
recaiu sobre Afonso Costa, mas com a rápida intervenção das forças da
ordem comandadas pelo general Malaquias de Lemos, acabou detido
juntamente com Egas Moniz e o Visconde da Ribeira Brava de armas na mão,
no Elevador da Biblioteca, de onde contavam chegar à Câmara Municipal
para proclamar a república. José Maria de Alpoim conseguiu fugir para
Espanha. As tropas por agora mantiveram-se fiéis ao regime e Machado dos
Santos não conseguiu sublevar o quartel da Marinha em Alcântara, nem
Cândido dos Reis apoderar-se do cruzador São Miguel.
João Franco extrapola e decide usar mão-de-ferro preparando um
decreto-lei de excepção vaticinando o exílio para o estrangeiro ou a
expulsão para as colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem
pronunciados em tribunal por atentado à ordem pública e segurança do
Estado. El-Rei hesitou, mas reflectindo, após insistência de Franco
anui: ‘Cada vez temos mais necessidade acabar com agitação. Aprovo resolução tomada’.
Dom Carlos assina o Decreto de 31 de Janeiro que prevê a deportação dos
que atentassem contra a segurança do Estado. O Monarca terá, então,
dito: ’assino a minha sentença de morte!’. Mesmo assim decide regressar a Lisboa no dia seguinte, para não pensarem que o Rei se escondia.
Quem não parara de se movimentar na sombra era a Carbonária que, com a
conivência do mencionado comité revolucionário, urdia um atentado para
assassinar a Família Real desde 1907, data em que, numa deslocação a
Paris, um grupo de republicanos decidira numa reunião com
revolucionários anarquistas franceses assassinar o presidente do
Conselho e o Monarca português! Houve depois vários encontros para
preparar o atentado, sendo o último na madrugada desse dia 1 de
Fevereiro de 1908, nos Olivais, onde uns primos da Carbonária,
simultaneamente membros de uma loja maçónica não regularizada, decidem
avançar com a impiedade. Decidem assassinar, primeiro o Rei Dom Carlos
I, depois o Príncipe Real Dom Luís Filipe, depois o Infante Dom Manuel
e, finalmente, a Rainha Dona Amélia.
O REGICÍDIO
A Família Real deixou Vila Viçosa às 11h00 de 1 de Fevereiro de 1908 e
Dom Carlos I, Dona Amélia e Dom Luís Filipe viajaram de comboio até ao
Barreiro onde apanharam o vapor Dom Luís.
Estava uma tarde linda, solarenga e vestida de azul, Dom Manuel, o
Infante Dom Afonso, os conselheiros que compunham o governo e vários
dignitários e áulicos da Corte, esperavam no cais fluvial de Lisboa o
vapor que trazia a Família Real. Dom Carlos I, Dona Amélia e Dom Luís
Filipe desembarcam às 17h10m no Terreiro do Paço. Dona Amélia é oblatada
com um ramo de flores por uma rapariguinha, Dom Carlos desce de seguida
e combina com João Franco reunião no Paço. Trocam-se rapapés vagarosos
entre Dom Carlos e o Ministro da Guerra Vasconcellos Porto, e Dom Luís
Filipe, o último a descer, vai entretendo boa parte dos 80 elementos que
os esperavam, até que o Conde de Figueiró faz saber que as carruagens
estavam prontas – pois, ao contrário da insistência do estribeiro-menor
Coronel Alfredo Albuquerque, El-Rei decidira que seguiria num laudau de
capota descida, prescindindo, dos automóveis. Sobem a carruagem aberta
que os levaria às Necessidades. De acordo com o Protocolo, Dona Amélia
subiu primeiro e ocupou o lugar à esquerda de frente, Dom Carlos o da
direita, Dom Manuel de costas à esquerda e Dom Luís Filipe defronte ao
Rei.
O cortejo saiu da estação e evoluía em marcha lenta com a carruagem
real à frente e sem grandes medidas de segurança, com uns batedores a
cavalo tomando a dianteira e o oficial às ordens a cavalo a ladear o
Rei. O laudau seguia, um pouco destacado da comitiva, já nas arcadas à
esquerda e quando, quase a dobrar para a Rua do Arsenal, nas arcadas do
Ministério da Fazenda, ouve-se um tiro e um grito de ordem: ‘A Eles!!!’ Era a Carbonária!!!!!!
O Duque de Beja, o Infante Dom Manuel, olha perscrutante e repara num
indivíduo de densas barbas negras e de varino, no passeio: era o Manuel
Buiça! O facínora de olhar vítreo abre o capote e retira uma carabina,
atira as faldas do varino para os ombros e corre numa fúria homicida a
aproximar-se da carruagem; já na rua ajoelha-se à forma de atirador –
com um joelho no chão e a coronha da Winchester 1873, encostada ao
ombro! Manuel dos Reis Silva Buiça, professor primário, fixou o olhar
duro e frio no Rei e disparou usando como alvo a gola vermelha do capote
do pequeno uniforme de Marechal-General do Exército que o Rei
envergava! A poderosa bala de calibre 44 acerta em cheio no Rei Dom
Carlos, atravessando-lhe o corpo, fracturando a coluna vertebral e
saindo pelo maxilar inferior, o Rei faz um esgar, mas abate-se de
seguida, morto. Buiça continua a fuzilar El-Rei, o que faz o Príncipe
Real, já recuperado do espanto sacar do Colt e disparar 3 tiros na
direcção dos cinco terroristas – parece que atingiu José Nunes; Alfredo
Costa surge por trás do Rei e dispara-Lhe sobre a nuca, depois coloca o
pé direito no apoio de subida do landau e eleva-se ficando ao nível da
Família Real, disparando sobre o corpo inerte e tombado de costas do
Monarca português. Dom Luís Filipe dispara sobre o terrorista, mas os
solavancos fazem-no errar o alvo. Enquanto isso, a Rainha Dona Amélia
aos gritos de ‘Infames!’, armada do ramo de flores ofertado à
chegada pela criança, flagelava corajosamente o Costa, mas em vão, pois
Alfredo Luís Costa vira-se para o Príncipe Real e dispara-lhe em cheio
no esterno, mas não mortalmente. O Príncipe Real não nega a sua varonia e
corajoso descarrega os restantes 4 tiros no Costa que cai morto da
carruagem. Ao ver isso, o Buiça que continuava a espingardearia
atingindo Dom Manuel no braço direito, vira-se para Dom Luís Filipe e
dispara sobre o já jovem Rei, que não reinaria, pois é atingido em cheio
na face esquerda com uma bala que atravessa a cabeça e que sai pela
nuca, matando-o. Estava consumado o magnicídio!
O tenente Francisco Figueira trespassou, então, o Buiça com a espada e
pôs-lhe um fim. Ainda restavam três terroristas, mas graças à acção do
Marquês de Lavradio e do Visconde de Asseca que se colocam a servir de
escudo e do sangue-frio do cocheiro Bento Caparica, que mesmo ferido, à
brida toda dispara os ginetes em direcção ao Arsenal, os intentos
assassinos dos carbonários não conseguem completar o plano gizado e Dom
Manuel e Dona Amélia sobrevivem. Os outros carbonários, acabaram,
também, às mãos do sabre ou da pistola da guarda.
Uma mulher do povo exclama: ‘- Mataram agora o Rei!’
‘Mataram o Rei! Mataram o Príncipe Real!’, eram 17h20m, a terrível notícia espalha-se pela capital. Estava consumada a tragédia do Regicídio!
João Franco e Vasconcellos Porto, corriam a pé atrás da carruagem real!
A Monarquia estava ferida de morte pelos golpes desta tragédia!
‘O meu Pai… o meu Irmão!!!!’
O Rei morreu… duas vezes!!! Dom Manuel era o novo Rei, obrigava-o o
dever do trono e destino dos Reis… reinar sobre a morte de quem lhe deu
vida!
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
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