Se
há uma causa fracturante, como agora se costuma apelidar qualquer
proposta aberrante em que todos, dos mais revolucionários progressistas
até aos mais reaccionários conservadores, estão de acordo, essa é,
indiscutivelmente, a eutanásia. E tão extraordinária coincidência
deve-se, por certo, à matriz cristã da cultura nacional.
Com
efeito, quem não quer uma boa morte?! Pois é isso mesmo que este
vocábulo, de origem grega, significa etimologicamente, muito embora
sejam variadas as acepções que, no léxico sociopolítico, se oferecem ao
termo, que tanto pode significar, para um crente, uma abençoada morte,
como, para um incrédulo, uma morte antecipada.
Segundo
um interessante estudo do Padre Dr. Jacinto dos Reis, “são numerosas as
imagens de Nossa Senhora da Boa Morte”, ou seja, da eutanásia,
“veneradas em muitas igrejas e capelas” do nosso país. Só “na
arquidiocese de Braga elevam-se a 24, contando-se 13 altares” – número
aziago este, mas só para os supersticiosos! – “e 9 capelas”.
O
Alentejo regista, tradicionalmente, um elevado número de suicídios, o
que talvez explique a devoção que também por lá se tem a Nossa Senhora
da eutanásia, ou seja, da boa morte. Segundo o já referido perito em
iconografia mariana, “no santuário de Nossa Senhora da Conceição, em
Vila Viçosa, distrito e arquidiocese de Évora, há um valioso e
interessante conjunto escultural, em talha dourada, formado pela imagem
jacente de Nossa Senhora, dentro dum barco que anjos levam para o porto
celeste” e que “pertenceu ao Real Convento das Chagas”. Na sede da
arquidiocese, “muito venerada é a imagem jacente do Convento do
Calvário, em Évora”.
Em
Lisboa, esta particular devoção mariana também está representada
porque, “entre as capelas que D. Nuno Álvares Pereira deixou acabadas,
no convento do Carmo, em Lisboa, uma foi a de Nossa Senhora da Boa
Morte”. O autor citado não esclarece, contudo, se a mesma ruiu com o
terremoto ou se, entretanto, tendo sido o antigo convento do Carmo
convertido num quartel da Guarda Nacional Republicana, não terá a dita
capela ‘virado’ cavalariça, picadeiro, caserna ou paiol.
Mas,
que entende por uma boa morte um cristão?! Decerto, uma transição desta
vida para a vida eterna análoga à de Maria, a qual, terminado o curso
terreno da sua existência, foi levada em corpo e alma para o céu. A
fórmula adoptada pela bula que define o dogma da Assunção de Nossa
Senhora não se pronuncia sobre a sua morte, pelo que cabe a hipótese de
que, como o seu Filho, também Maria tenha morrido e depois ressuscitado;
ou a de que tenha subido ao céu, em corpo e alma, sem ter passado pela
morte. A primeira versão é a que tem mais tradição na iconografia
cristã, onde abundam as imagens da “dormição” de Nossa Senhora, ou seja,
da sua suposta morte antes da sua Assunção. Tendo ela própria
experimentado, na sua carne, esse transe, seria por isso a melhor
advogada dos cristãos nessa aflitiva circunstância e, daí, a tão
propagada devoção a Nossa Senhora da Boa Morte.
Enquanto
os defensores da cultura da morte se propõem instaurar no nosso país a
eutanásia pagã, os crentes no evangelho da vida devem promover, mais do
que nunca, a prática da boa morte cristã. A verdadeira eutanásia é, para
um cristão, uma morte na graça de Deus e não uma agonia sem dor, embora
sejam louváveis os esforços nesse sentido, desde que não atentem contra
a vida, nem contra a dignidade humana. Para este efeito, a Igreja
oferece aos seus fiéis preciosos e eficacíssimos auxílios espirituais,
que a nenhum moribundo devem faltar. Todos os cristãos estão também
chamados a extremar a sua caridade com os seus irmãos em fim de vida,
como já fazem, com inexcedível dedicação, as missionárias da
bem-aventurada Teresa de Calcutá. Nessas circunstâncias, a morte, mesmo
que dolorosa, será sempre vivida, não na tristeza da desgraça, mas na
alegria da graça e na certeza de se estar prestes a alcançar, pela
infinita misericórdia de Deus, uma felicidade sem fim.
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