Estreia do jornalismo na ficção com um romance de descoberta do
último Rei de Portugal: "Todos sabem o seu nome mas é o que menos
conhecemos"
Os Últimos Dias do Rei é o terceiro livro que Nuno Galopim assina em dois anos. Depois de Os Marcianos Somos Nós (Gradiva,
2015) e da biografia dos The Gift, o novo título marca a estreia do
jornalista na ficção, a partir da vida de D. Manuel II, monarca sem
trono, que, após a implantação da República, se instala nos arredores de
Londres, em Fulwell Park, onde morre em 1932, aos 43 anos, sem ter
voltado a Portugal. Assume os destinos de Portugal com apenas 18 anos, e
sem esperar, após o assassinato do pai, o Rei D. Carlos, e do herdeiro
ao trono, Luís Filipe, em 1908. Dois anos depois o regime cai
definitivamente. É por aí que o autor começa a narrativa. Para o final, e
porque é um apaixonado pelos "e ses..." da ficção histórica, permite-se
traçar cenários.
O que é real e o que é ficção em Os Últimos Dias do Rei?
Tudo o que é relacionado com a vida de D. Manuel é factual e resultou de
meses de leitura e muita recolha de dados, cruzando várias fontes, para
obter o maior número possível de pontos de vista. O que é ficção é a
criação de pontos de ligação entre a história de D. Manuel: a história
de 2016, que é o motor de todas as descobertas, e o jornalista de 1932
que acompanha [o Rei] nos seus últimos tempos de vida. É através desta
relação entre duas personagens fictícias que descobrimos D. Manuel II.
Acho que todos os portugueses sabem o seu nome porque foi o último rei
de Portugal, mas na verdade é aquele de quem nós, como colectivo, menos
conhecemos.
O que descobriu sobre D. Manuel?
Antes mesmo de o Estado português ter tomado posição na I Guerra
Mundial, ele ofereceu os seus préstimos ao rei de Inglaterra, tomou
partido no esforço de guerra pelos Aliados e trabalhou com hospitais até
ao final do conflito. Foi uma figura importante no estabelecimento de
novas formas de tratar um certo tipo de ferimentos, ligados sobretudo à
ortopedia, pensando não só o tratamento em si, mas a colocação desses
feridos no mercado laboral finda a guerra, o que fez dele uma figura
muito querida da associação de ortopedistas ingleses. Sabia que era um
amante do desporto, mas não fazia ideia que ele tinha estado na final
feminina de Wimbledon em 1932, pouco antes da sua morte.
Porque decidiu escrever ficção?
Não decidi, foi o Francisco Camacho [editor da Esfera dos Livros] que me
desafiou! Ele perguntou--me muito simplesmente: por que não fazes uma
ficção? E eu respondi: sou jornalista, só escrevo sobre coisas factuais,
não sei inventar histórias. Ele insistiu. Como não me podem lançar
desafios, disse que sim... e procurei encontrar pontes entre o trabalho
de um jornalista na sua relação com a realidade de uma forma
desapaixonada, correcta, informativa e formativa, e depois o lado do
ficcionista que encontra uma trama para lá encaixar estas várias
histórias.
Em vez de existir um alter ego, existem dois: o jornalista de 1932 e o estudante de cinema de 2016.
Dividi-me em duas figuras, um jovem recém-formado em cinema que está a
viver em Londres, e um jornalista que nos anos 30 entrevista D. Manuel
II.
Visitou os locais do livro?
Foi muito importante ir aos espaços: visitar o Palácio das Necessidades e
ver onde era o quarto de D. Manuel II, onde era o quarto do irmão,
reparar que havia umas escadinhas que levavam ao quarto da rainha, no
andar de cima. E, além disso, ir a Londres, não só à loja da Maggs
Brothers, que hoje já não está no mesmo espaço do que nos tempos de D.
Manuel, mas perceber o que é a loja e sentir o ar daqueles livros. E ir
até à casa dele. A mulher dele, Augusta Vitória, vendeu a propriedade
algum tempo depois da morte do rei. Essa zona foi loteada. As ruas
chamam-se D. Manoel Road, Augusta Road, Portugal Gardens... E é pela
toponímia que sabemos que a memória do rei está ali, na igreja onde ele
ia, e que tem fotografias dele e uma placa a lembrá-lo, está na loja
onde há um livro sobre D. Manuel II, mas cada vez mais essa memória está
a dissipar-se. O tempo erode essas memórias e cabe aos livros fixá-las.
Fonte: DN
Publicado por: Monarquia Portuguesa
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