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A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO

A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO
Autor: Nuno A. G. Bandeira

Tradutor

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O CREPÚSCULO DA ORDEM DO TEMPLO E A FUNDAÇÃO DA ORDEM DE CRISTO (1307-1319)

 Execução na fogueira do Grão Mestre Jacques de Molay (Março de 1314) na ilha da Cité parisiense, representada esquematicamente na iluminura. Mestre de Vergílio, “Chroniques de France ou de St Denis », BL Royal MS 20 C vii, f. 48r.

Um dos temas mais complicados de abordar quando se fala da Idade Média é indubitavelmente a Ordem do Templo. No caso português, para além das teorias da conspiração habituais sobre os Templários, há ainda toda uma construção da memória à volta da Ordem, desde as teorias francamente peregrinas de uma esotérica “Nação Templária” até aos equívocos frequentes sobre esta instituição e o seu fim. É precisamente a dissolução dos Templários que vamos abordar hoje.
CRISE, BOATOS E ACUSAÇÕES
As Ordens Militares passaram tempos difíceis em finais da Idade Média. Apesar de estarem economicamente bem estabelecidas, tinham perdido a sua função militar na Terra Santa e portanto precisavam de reinventar o seu papel, agravado no caso templário pela sua ligação inequívoca à defesa dos peregrinos e dos Lugares Santos. Neste contexto, por razões obscuras e ainda controversas, a corte francesa caiu numa teoria da conspiração: os cavaleiros do Templo faziam rituais de profanação da cruz e negação de Cristo aquando da tomada dos votos, para além de alegações de crenças hereges (adoração de ídolos), sodomia e simonia, i.e., a venda de cargos e objectos sagrados. Especulou-se que Filipe IV considerasse a Ordem uma ameaça ao seu poder ou quisesse apoderar-se das suas finanças, e é bem possível que considerações económicas relacionadas com as propriedades do Templo fossem um factor importante nesta questão. Contudo, não há provas directas disto e é bem provável que o rei francês acreditasse mesmo na culpabilidade dos Templários como resultado da sua piedade, independentemente da alegada manipulação de oficiais seus como Guillaume de Nogaret.
PRISÃO E DISSOLUÇÃO DA ORDEM DO TEMPLO
Fosse por que motivo fosse, o rei francês mandou prender os Templários franceses a 14 de Setembro, incluindo o seu Grão-Mestre Jacques de Molay, e a ordem real acabou executada em massa a 13 de Outubro. Rapidamente a confusão se espalhou pela Cristandade com as notícias das confissões dos Templários (obtidas sob tortura). O Papa Clemente V foi forçado a agir pelo desenrolar dos acontecimentos e, embora achasse que Filipe IV tivesse usurpado a sua autoridade, ordenou não só uma inquirição dos rendimentos e acções dos Templários como também a prisão dos freires na bula “Pastoralis praeeminentiae” a 22 de Novembro desse ano. O processo foi-se arrastando ao longo dos anos seguintes, com vários julgamentos regionais por toda a Cristandade, incluindo um processo muito arrastado em França, que acabou por se complicar devido à retracção de muitas das confissões originalmente feitas pelos cavaleiros. Finalmente, e depois de muitas pressões político-militares junto de Clemente V, a monarquia francesa viria a triunfar em toda a linha: o fim da Ordem foi decretada por Clemente V aquando do Concílio de Vienne em 22 de Março de 1312 pela bula “Vox in excelso”, com a transferência das suas propriedades para a Ordem do Hospital (excepto nos reinos hispânicos). Contudo, ao contrário do caso francês, os resultados dos processos em 1307-1314 por toda a Europa foram altamente variáveis, acabando os Templários por ser ilibados na maior parte da Cristandade.

Filipe IV de França e a sua família. BNF, Ms. Latin 8504.

Filipe IV de França e o Papa Clemente V enfrentam os Templários no Concílio de Vienne. Iluminura do século XV pelo Mestre de Boucicaut (fl. 1400-1430), na Biblioteca Nacional de França.


O FIM DOS TEMPLÁRIOS EM PORTUGAL
Com este resumo muitíssimo breve do processo dos Templários ao nível da Cristandade, olhemos para o caso português pelas suas particularidades, começando pela questão das propriedades. Ao saberem das notícias sobre o processo templário, várias autoridades eclesiásticas tentaram apossar-se do património desta Ordem – foi o caso do bispo da Guarda com Idanha-a-Velha e Salvaterra em 1307 ou do prior de Santa Cruz de Coimbra já em 1308. Porém, estes projectos foram gorados pela iniciativa régia, que rapidamente assumiu a iniciativa apesar de o Papa ter nomeado o arcebispo de Braga e o bispo do Porto como administradores dos bens dos Templários. Após sequestrar as terras contestadas pelos eclesiásticos supramencionados, a Coroa passou à ofensiva a 27 de Novembro de 1309 e confiscou Pombal, Ega, Redinha e Soure após uma comissão ter decidido em favor da causa régia, de forma parcial de acordo com os freires. Em 1310, foram realizadas inquirições nas terras contestadas pelo bispo da Guarda, que passaram formalmente a senhorio régio; o mesmo se sucedeu em 1312 com os bens em Aguieira e Moreira. Em 1314, por fim, faziam-se inquirições em Castelo Branco, Montalvão, Nisa e Soure.

Castelo de Pombal.

Estas Inquirições não foram de maneira nenhuma “investigações” no sentido de que o resultado estava determinado à partida como manifestação da autoridade régia: não só se queria provar que a origem dos bens consistia em doações outorgadas desde o tempo de D. Teresa e Afonso Henriques, como a Coroa quis demonstrar que a Ordem do Templo tinha sido sempre dependente da monarquia em todos os aspectos, desde a escolha dos seus Mestres até aos rendimentos e jurisdições dos senhorios Templários - uma acusação francamente em choque com a autonomia tradicional do Templo enquanto instituição de cariz internacional, dependente apenas do Papa. Para provar tais teses, o rei de Portugal parece ter obtido a colaboração de alguns antigos monges transformados em funcionários régios e terá mesmo intimidado outros, mais recalcitrantes, para obter o resultado que queria, como a Professora Paula Pinto Costa sugere com base numa leitura atenta destas Inquirições. Do mesmo modo, encontramos sinais de “bullying” em possíveis transferências forçadas de terras a membros da casa real: o conde D. Pedro de Barcelos recebeu terras do freire João Soares antes de 1314, enquanto a herdade de Montagraço foi vendida pelo Mestre do Templo em Portugal, Vasco Fernandes, a D. Dinis, que a doou ao seu filho bastardo João Afonso a 25 de Setembro de 1313.

Castelo de Soure.

Independentemente deste aperto régio sobre os freires, vê-se por outro lado como o rei de Portugal não tinha interesse em processar e condenar os Templários pela sua suposta heresia. Neste aspecto, o reino incorporava-se num bloco anglo-hispânico, em que os julgamentos eram relativamente relutantes na sua execução e não produziam provas de culpabilidade dos monges-guerreiros. Apesar de a bula papal “Callidi serpentis vigil”, de 30 de Dezembro de 1308, pressionar D. Dinis a prender os Templários, o rei português evitou ceder a Clemente V. Para além disso, sabemos que já a 4 de Fevereiro o Mestre da Ordem em Portugal, Vasco Fernandes, e os Comendadores se encontravam junto do Sumo Pontífice a defenderem-se das acusações levantadas em França. Quanto ao julgamento dos freires portugueses como um todo, sabe-se que, depois de um concílio em Salamanca ainda em 1307, foram reconhecidos como inocentes em 1310, em conjunto com os seus congéneres castelhanos e aragoneses, num novo concílio, apesar de a decisão final ser remetida para o Papa. Embora Clemente V empreendesse esforços para pressionar os monarcas hispânicos a torturar e encontrar à viva força a culpa dos Cavaleiros do Templo, na Península não havia maneira de levar os intentos franceses ou papais avante. Entretanto, os Templários continuavam a administrar os bens que ainda não tinham sido confiscados pela Coroa e a receber inclusive doações pelo menos até 1311, enquanto pelo menos parte da hierarquia da Ordem, incluindo Vasco Fernandes e alguns comendadores, voltou a Portugal e até tinha liberdade de movimentos.

Castelo de Almourol.

Ou seja, longe de um protector inabalável e salvador dos Templários, D. Dinis não foi muito diferente da maior parte dos monarcas do seu tempo na sua atitude face à Ordem em desgraça. E isto explica por que a ideia de que Portugal tivesse sido uma espécie de refúgio para os monges fugidos de França ou que tenha recebido tesouros da Ordem, cuja base documental é nula, não passa de uma fantasia promovida por alguns personagens com interesse em lucrar com a fábula dos Templários...
Portanto, estamos em presença de um monarca muito menos preocupado com proteger a Ordem do Templo e mais interessado em apropriar-se do seu património e aproveitar a ocasião para promover a sua política de “nacionalização”, que defendia junto da Santa Sé. Isto é corroborado pela correspondência mantida em 1310 com o seu genro Fernando IV de Leão e Castela, pelo qual acordavam contestar a transferência para a Ordem do Hospital das terras dos monges e defender a incorporação das terras nas suas coroas, esquema ao qual se juntou Jaime II de Aragão em 1311. Infelizmente para D. Dinis, não lhe chegou a aprovação da Santa Sé para essa anexação de terras, embora os seus eclesiásticos conseguissem um estatuto especial para o destino do património Templário no Concílio de Vienne. O processo acabou parado pela Sede Vacante de 1314-1316 que sucedeu à morte de Clemente V.

Mapa das propriedades dos Templários e a sua evolução com o tempo, nos séculos XII-XIII. Retirado da tese de Maria Cristina Fernandes citada na bibliografia (p. 77).

Lista das comendas da Ordem do Templo em Portugal, em finais do século XIII, de acordo com Maria Cristina Fernandes (p. 116).

CRIAÇÃO DA ORDEM DE CRISTO
Passamos por fim ao destino do património e membros Ordem do Templo em Portugal: o quadro começou a mudar a partir de 1317, no sentido de uma resolução. Por um lado, tinha sido eleito um novo Papa em 1316; por outro, Jaime II de Aragão conseguira a anuência papal para a criação da Ordem de Montesa em 1317. Não podendo de maneira nenhuma incorporar o património templário por falta de reconhecimento papal, depressa D. Dinis seguiu o cunhado aragonês e também pretendeu criar uma ordem local, mas com uma particularidade muito própria: a sua integração numa estratégia de defesa marítima do reino coordenada com o Almirantado-mor do reino, institucionalizado na mesma altura e concedido ao genovês Manuel Pessanha, depois de Nuno Fernandes Cogominho ter sido removido do cargo em 1315/1316 por apoiar o infante D. Afonso nas suas primeiras desavenças com o pai (já se cheirava a guerra civil que atingiria os anos finais de D. Dinis...). Esse mesmo genovês foi defensor junto de João XXII da criação da “nova cavalaria”, apresentada ao Papa em 1318 e finalmente oficializada após complexas negociações a 14 de Março de 1319 pela bula “Ad ea ex quibus” como a Ordem de Cristo.
Aqui verifica-se uma curiosa ambiguidade: enquanto a chancelaria régia falava quer numa “nova milícia” quer numa “reforma” da Ordem do Templo (o que indica também uma realidade local bem mais fluida), o Papado era inequívoco na existência de uma nova Ordem sem ligação jurídica aos Templários e com uma vigilância apertada da sua ortodoxia. Daí vinham seguramente as estipulações sobre o uso da Regra de Calatrava e da designação de Gil Martins, um anterior Mestre de Avis, como o primeiro Mestre da Ordem de Cristo. Para além da óbvia “herança” material do Templo, a bula também estipulava que a sede da Ordem de Cristo fosse Castro Marim: esta cláusula indica claramente que a “nova milícia” tinha como objectivo travar combates navais de modo a lutar contra a pirataria do Norte de África, de acordo com os planos régios.

Castelo de Castro Marim, onde se instalou a primeira sede da Ordem de Cristo.

No final do ano, D. Dinis acabou por devolver primeiro a posse das terras e mais tarde as suas rendas, acabando finalmente com o assunto, embora ainda a Ordem precisasse de alguns anos para assentar e abandonar os projectos dionisinos. A sede da Ordem passou depois para Tomar. Alguns Templários entraram na Ordem de Cristo: mais uma vez, cite-se o caso de Vasco Fernandes, integrado como comendador na nova milícia pelo Papa João XXII, ou ainda veja-se o exemplo do ex-comendador Gil Fernandes Barreto, também monge da Ordem de Cristo em 1324. Outros membros da Ordem foram transferidos para outras instituições monásticas e alguns continuaram a denominar-se como cavaleiros do Templo mesmo na década de 1320, num processo tudo menos linear no que se refere ao destino destes homens.

Representação de D. Dinis na cabeceira do seu túmulo em Odivelas. Imagem retirada da tese de doutoramento de Giulia Rossi Vairo.

De qualquer forma, verificamos que este processo de dissolução ou “reforma”, dependendo da perspectiva documental, foi um processo completamente normal no contexto da Cristandade Latina coeva. Com uma única diferença face ao cenário da maioria dos reinos europeus, como Castela, onde os Hospitalários acabaram por apropriar-se das terras e direitos do Templo: a criação de uma nova milícia como compromisso entre Rei e Papa. Ou seja, este é um belo exemplo de como as políticas de “nacionalização” dionisinas, tal como definidas por José Mattoso, foram implementadas no relativo às Ordens Militares de forma “ad hoc”, respondendo a uma série de circunstâncias conjunturais e limitações do poder régio nas relações com o Papado em Avinhão. Ou seja: no fim de contas, D. Dinis não fez tudo quanto quis...

Pergaminho de Chinon, um manuscrito descoberto em 2001 pelo qual Clemente V absolveu secretamente a Ordem do Templo (1308). Arquivo Secreto do Vaticano, Archivum Arcis Armarium D 218.

Cópia da bula "Ad ea ex quibus", datada de 14 de Março de 1319, conservada na Torre do Tombo. Gavetas, Gav. 7, mç. 5, n.º 2. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4633920

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Bibliografia:
Barber, Malcolm (1994). “The New Knighthood. A History of the Order of the Temple”. Cambridge University Press, pp. 280-313.
Costa, Paula Pinto (2019). “Templários em Portugal: Homens de Religião e de Guerra”. Editora Manuscrito, 1ª edição, Barcarena, págs. 234-254.
Fernandes, Maria Cristina Ribeiro de Sousa (2009). “A Ordem do Templo em Portugal (das origens à extinção)”. Dissertação de Doutoramento apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto no âmbito do Curso Integrado de Estudos Pós-Graduados em História Medieval e do Renascimento, pp. 225-228.
Gomes, Saul António (2011). “A extinção da Ordem do Templo em Portugal”. In Revista de História da Sociedade e da Cultura, 11, pp. 75-116.
Mattoso, José (1997). “A política de nacionalização”. In “História de Portugal”, vol. II, “A Monarquia Feudal, 1096-1480”. Editorial
Estampa, Lisboa, p. 132-133.
Newman, Sharan (2007). “The Real History Behind the Templars”. Penguin Group, New York, pp. 225-349.
Sottomayor-Pizarro, José Augusto de (2007). “D. Dinis – Um Génio da Política”. Temas & Debates, 2ª edição, pp. 213-214.
Vairo, Giulia Rossi (2013). “O genovês Micer Manuel Pessanha, Almirante d'El-Rei D. Dinis”. Medievalista [Online], 13 | 2013, posto online no dia 19 fevereiro 2014, consultado no dia 12 outubro 2018. URL : http://journals.openedition.org/medievalista/577 ; DOI : 10.4000/medievalista.577
Vairo, Giulia Rossi (2017). “A extinção da Ordem do Templo e a criação da Ordem de Cristo à luz das fontes arquivísticas”. In Cadernos de Estudos Leirienses, 14, pp. 35-75.

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