O Príncipe Real D. Luís Filipe em visita a Angola, com o Governador Henrique Paiva Couceiro (Luanda 1907)
Henrique Mitchell de Paiva Couceiro GCI (Lisboa, 30 de dezembro de 1861 - Lisboa, 11 de fevereiro de 1944) foi um militar, administrador colonial e político português que se notabilizou nas campanhas de ocupação colonial em Angola e Moçambique e como inspirador das chamadas incursões monárquicas contra a Primeira República Portuguesa em 1911, 1912 e 1919. Presidiu ao governo da chamada Monarquia do Norte, de 19 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 1919, na qual colaboraram activamente os mais notáveis integralistas lusitanos. A sua dedicação à causa monárquica e a sua proximidade aos princípios do Integralismo Lusitano, conduziu-o por diversas vezes ao exílio, antes e depois da instituição do regime do Estado Novo em Portugal.
Henrique Mitchell de Paiva Couceiro nasceu em Lisboa, filho do general José Joaquim de Paiva Cabral Couceiro, notável oficial de engenharia do Exército Português, e de Helena Isabel Teresa Mitchell, uma protestante irlandesa convertida ao catolicismo, que depois de educada num colégio de freiras em França, viera residir em Portugal como mestra das filhas do visconde do Torrão.
Depois de concluir os seus estudos preparatórios em Lisboa, assentou praça a 14 de janeiro de 1879, com 17 anos de idade, como voluntário no Regimento de Cavalaria Lanceiros de El-Rei (o Regimento de Cavalaria n.º 2), no qual serviu até ao ano de 1880. Neste último ano foi transferido para o Regimento de Artilharia n.º 1, como aspirante, frequentando o curso preparatório da arma de artilharia na Escola Politécnica de Lisboa. Ingressou então na Escola do Exército, onde frequentou o curso de Artilharia de 1881 a 1884
A 9 de janeiro de 1884 foi promovido a segundo-tenente de artilharia, servindo no velho Regimento de Artilharia 1, em Campolide.
No Regimento de Artilharia n.º 1 fez parte de um grupo de jovens tenentes que cultivavam as chamadas artes militares, dedicando-se à esgrima e à equitação,
desenvolvendo uma carreira militar que não mereceu reparos ou
particular destaque. No seguimento dessa carreira, foi promovido a
primeiro-tenente em 27 de janeiro de 1886. Foi novamente promovido a 4 de julho de 1889, desta feita ao posto de capitão,
oferecendo-se então para realizar, como voluntário, uma comissão de
serviço nas colónias ultramarinas, onde então se desenvolvia um esforço
de efectiva ocupação do território, consequência da Conferência de Berlim sobre a partição da África entre as potências coloniais europeias. Foi enviado para Angola, desembarcando em Luanda a 1 de setembro de 1889.
Campanhas em Angola
Chegado a Angola foi logo nomeado comandante do Esquadrão Irregular de Cavalaria da Humpata, um grupo de caçadores a cavalo, sediado na vila de Humpata, que fora criado por Artur de Paiva para combater os bandos de salteadores (designados por guerras) que então assolavam o planalto de Moçâmedes.
Não permaneceu muito tempo nesse cargo, aparentemente pouco agradado
com os métodos e a indisciplina dos seus subordinados, apenas tendo
participado numa acção destinada a recuperar gado roubado, em que
utilizou exclusivamente soldados e voluntários portugueses, não
recorrendo à usual ajuda de mercenários bóeres.
Com o alargamento do esforço de ocupação do interior de Angola e das
tentativas de dar sustentação à reclamação portuguesa de soberania sobre
a região entre Angola e Moçambique, o famoso mapa cor-de-rosa, foram desencadeadas diversas campanhas de exploração e avassalamento dos povos do interior de Angola. A resistência não se fez esperar e foi iniciada uma vasta campanha militar, designada por Campanha de Pacificação de Angola (1889-1891), na qual Paiva Couceiro se empenhou energicamente.
Sabedor do conhecimento pormenorizado que o velho comerciante e explorador António Francisco da Silva Porto tinha do sertão, enquanto permaneceu no Bié acampou nas proximidades da embala de Belmonte, a aldeia fundada por Silva Porto nas margens do rio Kuito e
onde aquele famoso sertanejo residia. Aquela aldeia foi o núcleo da
vila e cidade de Silva Porto dos tempos coloniais portugueses e da hoje
cidade de Kuito.
A presença da força militar comandada por Paiva Couceiro, com 40 moçambicanos armados com espingardas de repetição Snider-Enfield,
gera grande tensão com as tribos do Bié, inquietas face à presença de
tropas portuguesa no seu território, o que levou o soba Dunduma (o Trovão)
a exigir a imediata partida das tropas. Face ao incumprimento da
promessa de que as tropas estavam apenas de passagem, que lhe fora feita
anteriormente por Silva Porto, aquele soba põe término às relações
pacíficas de há muito existentes entre os autóctones e Silva Porto, a
quem injuria puxando-lhe as barbas e dizendo-lhe que as não merecia, e
exige a retirada imediata de Paiva Couceiro, o que este terminantemente
recusa.
Num
ambiente de pessimismo resultante do ultimato britânico, Silva Porto,
ferido na sua honra e dignidade após o fracasso da tentativa de mediação
com Dunduma, amortalhou-se na bandeira portuguesa e fez-se explodir com
alguns barris de pólvora.
Após a morte de Silva Porto, Paiva Couceiro instala-se brevemente na embala de Belmonte, mas acossado pelas forças do soba do Bié, foi obrigado a retirar-se para o reino vizinho do Bailundo, onde depois de permanecer alguns dias isolado, recebeu ordem do governador-geral Guilherme de Brito Capelo para descer o rio Cubango até Mucusso, uma viagem de 2 600 km por terras desconhecidas.
O objectivo era o avassalamento dos sobas da região, antes que os britânicos o fizessem, e a determinação da navegabilidade do rio. Iniciada no Bailundo a 30 de abril de 1890, a viagem foi épica, dela resultando, para além da feitura dos vassalos que
lhe fora determinada (ao todo 16 sobas), um relatório riquíssimo em
pormenores etnográficos e geográficos, nalguns casos marcando o primeiro
contacto europeu com os povos e terras visitados. Terminada a missão em
30 de julho, dia em que atingiu, finalmente, a embala do soba do Mucusso. Resolveu então descer o rio Cubango de canoa até às ilhas de Gomar, a 65 quilómetros dali, e regressar ao longo do rio até ao Forte
Princesa Amélia, no Bié, onde chegou a14 de outubro, depois de cinco
meses e meio no mato, em permanente risco de perder a vida e em
condições insuportáveis para qualquer europeu. Por este desempenho
excepcional receberia a 18 de dezembro de 1890 o grau de cavaleiro da Ordem da Torre e Espada.
Regressado ao Bié, participou, com as forças de Artur de Paiva, na expedição punitiva que terminou na prisão e deposição do soba Dunduma (ou N’Dunduma) que o ameaçara seis meses antes e na completa subjugação do reino do Bié. Estava vingado o insulto que lhe fora feito e a morte de Silva Porto.
Terminada aquela operação, ainda foi encarregado de ir avassalar os povos da região da Garanganja e explorar os depósitos de sal-gema existentes na margem esquerda do rio
Cuanza. Com a sua usual minúcia, Paiva Couceiro descreveu no seu
relatório os 453 quilómetros que andou em doze dias, os dois caminhos
para a Garanganja que reconheceu e os quatro sobas que avassalou, bem como as salinas que cuidadosamente visitou.
Terminada mais esta operação, voltou a Belmonte, no Cuito, onde se recolheu doente com febres. A 17 de Fevereiro de 1891, o Ministério da Marinha e Ultramar deu por terminada a sua comissão de serviço ultramarino e ordenou o seu regresso a Portugal.
Coberto de glória e fama nacional, pela acção militar notável que conduziu em Humpata e pela sua extraordinária viagem de exploração, agraciado com o grau de cavaleiro da Ordem
da Torre e Espada, foi recebido em Lisboa com rasgados elogios ao seu
desempenho nas campanhas de Angola e elevado a grande-oficial da Ordem
da Torre e Espada, por decreto de 29 de maio de 1891.
Em homenagem aos grandes serviços prestados, e antes de voltar à
Metrópole depois de passar um mês no hospital, doente, recebeu da parte
do povo da região de Belmonte-Cuito-Benguela uma réplica do colar de
cavaleiro da Ordem da Torre e Espada em ouro, cravejado de diamantes.
Esta magnífica condecoração, aliás como todas as outras, desapareceram
quando a sua casa em Lisboa foi saqueada durante a revolta de 14 de maio de 1915.
Campanhas em Moçambique
Quando em outubro de 1894 os povos tsonga do sul de Moçambique se rebelaram e atacaram Lourenço Marques, o governo presidido pelo regenerador Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro, nomeou o antigo ministro progressista António Enes para
o cargo de comissário régio em Moçambique, com a missão de esmagar a
revolta dos povos autóctones e reafirmar a soberania portuguesa sobre a
região, então ameaçada pelos britânicos, liderados por Cecil Rhodes, que consideravam os portugueses incapazes de manter a posse do território moçambicano.
Provavelmente devido à sua fama africanista granjeada em Angola, Paiva
Couceiro foi convidado e aceitou o convite para o cargo de ajudante de
campo do comissário régio em Moçambique. A expedição parte de Lisboa a 8 de dezembro de 1894 e desembarcou em Lourenço Marques a 18 de janeiro de 1895.
A situação encontrada não podia ser pior, pois a esmagadora maioria dos
régulos da região estava contra os portugueses, estando estes
encurralados em Lourenço Marques, incapazes de controlar as imediações
da cidade, onde mesmo a ilha Xefina fora ocupada pelos insurgentes.
António Enes, estratega arguto, desencadeou um conjunto de campanhas militares, elegendo como principal adversário Gungunhana, o rei dos vátuas e imperador de Gaza, de facto suserano da generalidade das tribos do sul de Moçambique. Nestas campanhas, Paiva Couceiro teve acção notável, particularmente nos combates de Marracuene e Magul, travado a 2 de novembro contra as forças angunes de Gungunhana, sendo ferido neste combate.
No combate de Marracuene, travado a 2 de fevereiro de 1895,
Paiva Couceiro ganhou grande destaque, particularmente ao liderar as
tropas que repeliram as forças inimigas que tinham penetrado o quadrado
defensivo português, uma manobra considerada de extrema dificuldade e
que exigia enorme coragem. Em agosto de 1895 foi feito cavaleiro da Ordem de São Bento de Avis, como prémio pelo seu desempenho em Marracuene.
Regressado
a Lourenço Marques, em Março daquele ano Paiva Couceiro voltou a
demonstrar a sua coragem e a sua vontade de manter intacta a honra do
seu País: vestido à paisana, procurou pessoalmente três correspondentes
de jornais ingleses, dois ingleses e um americano, que hostilizavam
Portugal na imprensa de Londres. Sovou o 1°, um gigante, no seu
estabelecimento; a luta estendeu-se até á rua onde Paiva Couceiro deixou
o seu inimigo knock-out.
O segundo estava no hotel e levou uma sova sem resistir. O terceiro
estava a tomar o aperitivo com amigos; pediu-lhe que se levantasse e
perguntou-lhe se era ele que escrevia para o jornal que Couceiro trazia
na mão. O jornalista respondeu "yes" e Paiva Couceiro esmurrou-o com o
seu punho e o jornal á mistura. O anel de sinete que usava na sua mão
esquerda foi partido na escaramuça e, mais tarde, foi oferecido ao Museu
da Fortaleza (Lourenço Marques) por seu filho D. Miguel
António do Carmo de Noronha de Paiva Couceiro. Mais uma vez, Henrique
de Paiva Couceiro utilizou os seus punhos; de armas serviu-se sobretudo
da sua espada, como no combate de Marracuene, quando ajudou a fechar o
quadrado que tinha sido rompido pelos inimigos. Por este incidente foi
repreendido pelo seu Chefe, o Comissário António Ennes, que mais tarde
escreveu: repreendi-o sim, mas com vontade de o beijar!
No desenrolar das operações subsequentes, Paiva Couceiro voltou a destacar-se no combate de Magul, travado a 8 de setembro de
1895, onde se portou com grande denodo, num acto do qual o comissário
régio António Ennes reconheceu a grande importância ao dizer: "Há-de
ver-se que a vitória de Magul perdeu o Gungunhana; a derrota perderia,
provavelmente, o distrito de Lourenço Marques. Se não fora Paiva
Couceiro, provavelmente, lamentaríamos ainda hoje tamanha desgraça." -
in "Portugal em África", março de 1944, p. 76
Demonstrando
extraordinária coragem física, Paiva Couceiro ficou célebre,
nomeadamente, na luta contra as forças de Gungunhana. Pelos seus feitos
militares, foi alvo de diversas condecorações e homenagens,
particularmente após o aprisionamento de Gungunhana e a sua extradição
para Portugal.
Concluídas as operações de pacificação e preso e deportado o imperador Gungunhana, Paiva Couceiro embarcou em Lourenço Marques a 18 de dezembro de 1895, com destino a Lisboa.
Chegado a Lisboa, em Fevereiro de 1896 foi proclamado Benemérito da Pátria, por decisão unânime das Cortes, como reconhecimento pela apreensão de Gungunhana, e feito comendador da Torre e Espada, com uma pensão anual de 500$000 réis,
que de resto nunca recebeu durante a república. Foi o primeiro e
provavelmente o único oficial Português a ser agraciado, até hoje, com
três graus da Torre e Espada. Mas as honrarias não se ficaram por ali:
foi nomeado ajudante-de-campo honorário do rei D. Carlos I de Portugal e
seu oficial às ordens, passando a integrar a Casa Militar do Rei, e em
Março recebeu a medalha de ouro de valor militar e a Medalha de Prata
Rainha D. Amélia, por ter combatido na campanha de Moçambique. Era
oficialmente um herói e um benemérito da Pátria.
Vida pessoal
Nesse mesmo ano de 1896 casou com Júlia Maria de Noronha, filha e única herdeira do 3.º conde
de Parati, tendo como padrinho do casamento o próprio rei D. Carlos I.
Estava completo o seu percurso de ascensão social: era um dos mais
prestigiados militares do tempo, ligado agora à principal nobreza e à
Casa Real, da qual os condes de Parati, e em especial D. Isabel
de Sousa Botelho, a condessa sua sogra, eram íntimos. O casal manteria
um estrito catolicismo, tendo a esposa exercido toda a vida o cargo de
presidente da Associação Reparadora das Marias dos Sacrários Calvários e,
das três filhas do casal, uma, Madre Paiva Couceiro, de seu nome
completo Helena Francisca Maria do Carmo de Noronha de Paiva Couceiro,
foi freira Doroteia e Madre Superior do Colégio das Doroteias em
Benguela; outra, Maria do Carmo de Noronha de Paiva Couceiro, fundadora
das Filhas de Maria na Índia, nunca foi freira mas dedicou toda a sua
vida a obras religiosas e sociais. A sua memória foi recentemente
homenageada pela Roshni Nilaya Alumni Association. A mais velha, Isabel
Maria do Carmo de Noronha de Paiva Couceiro, casou com António Carlos
Sacramento Calainho de Azevedo que, então Alferes, foi o primeiro
porta-bandeira a hastear a bandeira da Monarquia na implantação da
Monarquia do Norte em 1919.
Governador de Angola
Tendo falecido no dia 1 de maio daquele ano (1907) o governador-geral de Angola, Eduardo
Augusto Ferreira da Costa, aparentemente por sugestão do rei D. Carlos
I, o novo Ministro da Marinha e Ultramar, o seu camarada africanista
Aires de Ornelas, convida Paiva Couceiro para o lugar de governador-geral de Angola. Este aceita e a 24 de Maio de 1907 é nomeado governador-geral interino, já que a sua patente de capitão não permite a nomeação definitiva. Chegou a Luanda a 17 de junho, iniciando de imediato as suas funções.
O facto de ter sido apoiante de João Franco em
boa parte explica ter sido nomeado para o cargo, que obviamente era
necessariamente da confiança política do chefe do Governo. Ainda assim,
apesar do governo de João Franco ter caído em Fevereiro de 1908, vítima
do regicídio que vitimou D. Carlos, Paiva Couceiro manteve-se no cargo
até 22 de julho de 1909, realizando um vasto plano de obras de fomento. Comandou pessoalmente as campanhas militares de pacificação das regiões de Cuamato e dos Dembos,
expondo-se, como era seu timbre aos inerentes riscos. A sua demissão
foi o resultado dos crescentes desentendimentos com o governo de Lisboa,
em particular com o presidente do ministério, o regenerador Venceslau
de Lima. Foi uma demissão por motu proprio, mas claramente motivada pela frustração causada pela falta de autonomia governativa e de meios.
Os
seus objectivos políticos eram claros: (1) ocupar, explorar e guarnecer
todo o território até às mais remotas fronteiras para garantir a
segurança de pessoas e bens e prevenir qualquer tentativa de
interferência externa; (2) promover o desenvolvimento económico da
colónia, criando comunicações rápidas e baratas, fixando colonos
portugueses, forçando o indigenato ao trabalho e reduzindo o peso do
proteccionismo e dos monopólios metropolitanos; e (3) conseguir para o
governo provincial um mínimo de autonomia que lhe permitisse agir
rapidamente sem ficar dependente do demorado despacho do governo
central.
Embora
a execução do programa tenha sido difícil, no período de dois anos em
que governou Angola houve um progresso sensível, o que foi reconhecido
por Norton de Matos muitos anos depois e confirmado pelos estudos de historiadores contemporâneos, entre os quais René Pélissier.
República
Em
1910, aquando da instauração da República, Paiva Couceiro contava-se
entre os defensores da causa monárquica. É considerado como o último
defensor da Monarquia, um dos poucos que, nesse dia 5 de Outubro, se
bateram pelo Trono Secular; com a sua artilharia instalada no Torel, foi
o único oficial que fez fogo sobre o acampamento Republicano da Rotunda
e o Parque Eduardo VII. Sentindo-se abandonado pelo resto das tropas
Monárquicas, e depois de bombardear a Rotunda, marchou para Sintra a fim
de se juntar ao Rei. Aí veio a saber que o Rei partira para Mafra;
Paiva Couceiro aproximava-se de Mafra quando foi informado que o Rei D.
Manuel II tinha embarcado na Ericeira. Por decisão superior, e perante
tal situação, recolheu com as suas tropas ao quartel numa altura em que
os Republicanos consideravam a luta perdida. A maioria das unidades
militares não tinham aderido à revolta, por isso mesmo o almirante
Cândido dos Reis, certo da derrota do seu movimento, suicidara-se; se
Henrique Paiva Couceiro tivesse sido informado deste acontecimento e da
debandada dos Republicanos, teria possivelmente desobedecido aos seus
superiores e tomado a iniciativa de continuar o combate até à vitória -
que estava quase assegurada - das tropas Monárquicas. Aliás a
implantação da República foi festejada com muito pouca convicção; as
fotos da Praça do Município, aquando da tomada de posse do Directório
Republicano e publicadas na imprensa, fazem crer que a Praça estava a
apinhar de gente. Na realidade, como se pode verificar noutras fotos,
foram poucas dezenas de pessoas que lá estiveram para festejar.
Apesar
de ser conhecido como Monárquico irredutível, logo no dia 6 de Outubro,
Paiva Couceiro era procurado por um enviado do Governo Provisório que
queria saber o que viria a ser a sua atitude perante o novo regime
implantado pela balbúrdia sanguinolenta da Rotunda.Na sua longa
entrevista a Joaquim Leitão, Paiva Couceiro conta que respondeu
textualmente, a esse enviado: "Reconheço
as instituições que o Povo reconhecer. Mas se a opinião do Povo não for
unânime, isto é, se o Norte não concordar com o Sul, estarei até ao fim
ao lado dos fiéis à tradição. E se acaso se desse uma intervenção
estrangeira para sustentar a Monarquia, então passar-me-ia para o lado
da República". Sempre o mesmo português de antes quebrar que torcer.
Primeiro que tudo, fiel à Pátria e só por isso fiel ao Rei e à
Monarquia, diz Óscar Pacheco no seu artigo. E Paiva Couceiro continua a
contar ao seu entrevistador: "Depois
pedi a minha demissão de oficial. E pedi-a porque, depois de tantos
anos de sacrifícios e de trabalhos à sombra das cores azul e branca e
dos castelos e quinas da nossa bandeira não me acho com forças para
abandonar o símbolo onde me habituei a ler escrita a história do meu
País. Fazer com que um símbolo tenha raízes na alma de um povo e inspire
respeito a todo o Mundo, é trabalho de muitas gerações. E eu, pela
minha parte, acho-me velho para principiar agora o esforço novo que os
louros de uma bandeira nova implicam".
Depois
da sua "Proposta ao Governo Provisório", de 18 de Março de 1911, e das
eleições de 28 de Maio de 1911, que Paiva Couceiro não reconheceu
(manifesto de 31 de Maio de 1911), subiu as escadas do Ministério da
Guerra e demitiu-se, entregando a sua espada e dizendo "Entrego a minha
demissão e saio do País para conspirar. Prendam-me se quiserem". Ninguém
lhe respondeu, voltou as costas e deixou o Ministério sem que alguém
ousasse prendê-lo.
Incursões monárquicas e pacificação dos dois ramos dos Braganças
Comandou a incursão monárquica de 1911; a 4 de outubro de 1911 as suas tropas entram em Portugal por Cova de Lua, Espinhosela e Vinhais, onde foi hasteada na varanda da Câmara Municipal a bandeira azul e branca, e tomam Chaves. Três dias mais tarde, derrotadas pelas forças republicanas, as tropas de Paiva Couceiro retiram-se para a Galiza.
Em
dezembro de 1911 participa nas reuniões que trataram da "questão
dinástica" entre D. Manuel II e seu primo D. Miguel e que veio a ter o
seu epílogo no Pacto de Dover cujo projecto redige em Londres a 30 de Dezembro de 1911. No seu livro de notas, Paiva Couceiro escreve: "E
pôde assim finalmente fixar-se para 30 de Janeiro (1912) a data do
encontro das Reaes Pessoas em Dover e o respectivo protocolo. Vindo de
facto a realizar-se n'essa data e logar, uma entrevista a sós, entre
El-Rei D. Manuel e seu primo D. Miguel de Bragança, n'uma sala do "Lord
Warden Hotel", - onde compareceram também o Visconde de Assêca que
acompanhava D. Manuel, o Visconde de São João da Pesqueira que
acompanhava D. Miguel, e Paiva Couceiro na qualidade de Chefe dos
Combatentes, acompanhado por Francisco Pombal. E as assignaturas de
El-Rei D. Manuel e do Senhor D. Miguel de Bragança, - consagraram
momentaneamente o "Pacto de Dover".
A de 6 de julho de 1912 comanda nova incursão, a 2a incursão monárquica, em que as suas tropas são de novo derrotadas, também em Chaves, a 8 de Julho desse ano.
Durante as Incursões, com as tropas acantonadas na Galiza, havia desafios, como em Portugal, nas esfolhadas. Uma voz desgarrava:
Portuguezes vesti lucto,
Um lucto bem denegrido;
Se Paiva Couceiro não vem,
Portugal está perdido
E outra respondia:
Paiva Couceiro,
Mais uma vez;
Mostra o que vale,
O sangue português
in Couceiro o Capitão Phantasma, Joaquim Leitão, Edição do Autor, Porto 1914, p. 106
Pouco antes da 2a incursão, a 17 de Junho de 1912, foi julgado à revelia pelo Tribunal do Segundo Distrito do Porto:
"No
mesmo dia em que o Governo se apresenta às Câmaras (17 de Junho), no
Tribunal do Segundo Distrito do Porto eram julgados vários dos
incursionistas de Vinhais: padres Domingos Pires, José Maria Fernandes,
Abílio Ferreira, Firmino Augusto Martins, Manuel Lopes, David Lopes, o
capitão Jorge Camacho, o conde de Mangualde, capitão Remédios da
Fonseca, capitão-médico José Augusto Vilas Boas, tenente Figueira,
capitão Henrique de Paiva Couceiro. O julgamento realizou-se à revelia,
sendo Paiva Couceiro condenado a seis anos de prisão maior celular ou
dez anos de degredo e "esta pena relativamente suave foi dada em atenção
aos serviços prestados à Pátria". Os restantes foram condenados a seis
anos de prisão celular seguidos de dez anos de degredo, ou na
alternativa de vinte anos.
Mais
tarde, em 1915, de volta ao País após o seu primeiro exílio, foi
convidado para Governador de Angola, pelo ainda recente Governo
Republicano, representado por Araújo de Sá, Oliveira Jericote e outro,
que o procuraram na sua casa de Oeiras. Paiva Couceiro recusou servir o
novo regime e instalou-se em Espanha onde preparou a restauração da
Monarquia, movimento que ficou conhecido por Monarquia do Norte.
Em 1919 proclamou a Monarquia
do Norte, de curta duração, da qual foi o Presidente da Junta
Governativa do Reino. Neste período foi activamente apoiado pelos
líderes integralistas, entre os quais Luís de Almeida Braga (seu secretário) e António Sardinha. Na tentativa de Monsanto, em Lisboa, foi apoiado por Pequito Rebelo e
Hipólito Raposo. Por este papel determinante nas incursões feitas pelos
monárquicos e pela sua fidelidade à causa ficou conhecido entre os seus
apoiantes por O Paladino.
Em 1919, após o assassinato de Sidónio
Pais, Paiva Couceiro vê a sua grande oportunidade de lutar pela
restauração do regime em que acreditava. Assim, volta a organizar uma
incursão dos monárquicos exilados, consegue subverter as instituições da
parte do território português que ia do Minho à linha do Vouga, e, em
nome do rei D. Manuel II de Portugal, exilado na Grã-Bretanha, e
estrategicamente, restaura a Carta Constitucional de 1826.
A
13 de Fevereiro, após o insucesso da Monarquia do Norte, ausentou-se de
novo para Madrid. Embora continuasse a viver no estrangeiro, é mais uma
vez condenado, assim como António Solari Alegro, pelo Tribunal Militar
Especial, reunido a 3 de Dezembro de 1920, a 25 anos de degredo (in
"Diário do Minho", Braga 4 de dezembro de 1920). Abrangido por nova "Amnistia", decretada em Janeiro de 1924, volta ao País mas é de novo exilado pelo salazarismo a
16 de setembro de 1935, por seis meses, por ter criticado publicamente a
política colonial do regime. Volta para Lisboa, vindo de Tui onde estivera exilado, a 13 de Janeiro de 1937.
Em 1937, depois de voltar a criticar violentamente a política colonial do regime do Estado Novo numa
famosa carta dirigida ao Presidente do Conselho de Ministros, Dr.
Oliveira Salazar, a 31 de outubro de 1937, foi preso pela "Policia de
Defesa Social e Politica" durante 6 dias a 13 de Novembro desse ano,
condenado a dois anos de exílio e forçado a retirar-se da vida política,
sendo enviado, apesar dos seus 76 anos, para Granadilla de Abona, colónia espanhola de Santa Cruz de Tenerife, nas Canárias. Em 1939, António de Oliveira Salazar permitiu o seu regresso a Portugal, onde acabou por viver os últimos anos da sua vida.
É
curioso constatar que a carta que o Dr. Fernando Pacheco de Amorim
escreveu a Salazar, 32 anos mais tarde, em plena guerra colonial, não
teve as mesmas consequências para o ilustre antigo Presidente da Liga
Popular Monárquica...
Dedicou-se à escrita, tendo publicado uma extensa obra dedicada essencialmente às questões coloniais e à temática do ressurgimento nacional, com um cunho nacionalista que o aproxima do integralismo lusitano.
Condecorações
Ao longo da sua carreira recebeu numerosos louvores e múltiplas condecorações, entre as quais:
Grande oficial da Ordem Militar da Torre e Espada (29 de Maio de 1891)
Comendador da Ordem Militar da Torre e Espada (1896)
Medalha de prata Rainha D. Amélia - Expedição a Moçambique (1896)