Este
assunto é muito sério e requer o maior cuidado para evitar qualquer má
interpretação! A delicadeza deste assunto, deve-se ao facto de se correr
o risco de um confronto de defensores de determinados principios, no
que toca à Chefia de Estado Real e como esta tem que ser tratada.
Para uns, entende-se que um Rei ou uma
Rainha reinantes devem estar no Trono, aconteça o que acontecer, até ao
fim das suas vidas e, por isso, não devem, nem podem ser
responsabilizados por nada.
Para outros, entende-se que um Rei ou uma
Rainha que juram uma Constituição, estão sujeitos à Lei, como qualquer
outro Cidadão e por isso mesmo devem, se for necessário serem alvo de um
Real Impeachment.
Antes de mais, vamos ao conceito de Impeachment: Impedimento.
Processo que se instaura contra as altas autoridades do governo com o
fim de as destituir do cargo por denúncia de infração grave dos deveres
funcionais; que retira do cargo algo ou alguém que age de maneira
imprópria ao que rege a lei ou estabelecimento em que actua; É o
processo regulado por uma Constituição, que conduz ao afastamento do
cargo de uma autoridade eleita. Um exemplo de Impeachment que toda a
gente se deve recordar, foi com o Presidente Nixon no contexto do caso
Watergate!
Num Estado de Direito Democrático, em que
a forma de governo é a Monarquia Parlamentar, os Reis juram cumprir e
fazer cumprir uma Constituição, mas também eles estão sujeitos à Lei.
Aliás, como se vê pelo exemplo do Reino de Espanha, recentemente, a
Infanta Cristina de Espanha vai ter que responder em Tribunal! O próprio
Rei Juan Carlos I, aliás, na Mensagem de Natal de 2011, disse-o
claramente: “Em Espanha, a Lei é igual para todos!”, significa portanto,
mesmo sendo Rei ou membro de uma Família Real; ainda por mais,
acrescento, mesmo sendo membro da Realeza, pois estando esta no topo da
Hierarquia do Estado, numa Monarquia, tem a obrigação moral de dar e ser
o Exemplo.
Em Portugal, a nossa História, curiosamente apresenta-nos dois casos muito interessantes:
Em 1247, Dom Sancho II foi excomungado
pelo Papa e a Nobreza Portuguesa chamou para o Governo do Reino, o
Infante Dom Afonso, irmão do Monarca, Conde de Bolonha, para ser Regente
do Reino, num contexto de Guerra Civil que durou precisamente 1 ano.
Dom Afonso só seria aclamado Rei de Portugal, quando o seu irmão
deposto, faleceu em Toledo em 1248. De algum modo, pode-se dizer que Dom
Sancho II foi o primeiro caso de Impeachment em Portugal, dado que o reinado do próprio provocou danos muito graves na Administração do Reino.
Um outro caso foi de Dom Afonso VI, que
por incapacidade de gerar descendência e sofrer de demência, apesar das
principais vitórias da Guerra da Restauração terem sido no seu reinado,
daí lhe ter sido atribuído o cognome de “O Vitorioso”, a verdade é que
foi incapaz de ser um bom governante, numa contexto em que Portugal mais
precisava do seu Rei. Assim, grande parte da Nobreza Portuguesa
entendeu forçar Dom Afonso VI a entregar o Governo do Reino a seu Irmão
Dom Pedro e colocar o Rei sob prisão, primeiro nos Açores e
posteriormente no Paço Real de Sintra onde faleceu em 1683; ano este em
que só a partir deste momento Dom Pedro II foi aclamado Rei. Por estes
motivos, pode-se dizer, de algum modo, que o caso de Dom Afonso VI foi o
segundo caso de “Impeachment” em Portugal. É importante, também ter em
consideração que neste caso, houve um Processo Judicial em curso, em que
se chegou à conclusão de o Rei era infértil, além de ser incapaz de
governar o Reino. Aconselho aliás o visionamento do filme “O Processo do Rei”.
Estes dois momentos históricos são algo
único, se olharmos para as outras Monarquias Europeias. Não conheço
outra Monarquia na Europa que tenha deposto o seu Rei e substituído por
outro desta forma! Muitas vezes os Monarcas incapazes eram assassinados,
ou havia guerras civis que podiam substituí-los no Trono. Pelo que a
Monarquia Portuguesa, neste aspecto, era um regime muito avançado no seu
tempo!
Mas estes dois exemplos que aqui expus,
tiveram contextos históricos muito próprios. Naquele tempo, o Trono era
dado como garantido ao Monarca. Este sabia que iria reinar até morrer,
vivesse mutos ou poucos anos.
Actualmente, em Democracia, e com uma
Sociedade mais informada, os regimes políticos são e devem ser sempre
fiscalizados das mais variadas formas, pois assim determina-se a
transparência na política, desde a Chefia do Estado até ao próprio
exercício do voto que determina a escolha dos representantes dos
Cidadãos.
Assim entende-se que o Parlamento deva
ser fiscalizado pelos Cidadãos, pois estes devem saber em quem depositam
a sua confiança, através do voto em eleições, através dos círculos
uninominais. Assim, o Parlamento deve fiscalizar o Governo, assim os
Tribunais devem fiscalizar os restantes Orgãos de Soberania com vista ao
Cumprimento da Lei.
E o Rei? O Rei, num
Estado de Direito de Democrático, não está, não pode estar imune. O Rei
não está acima da Lei. O Rei não é intocável. O Rei é um Ser Humano com
elevadas responsabilidades e tem que dar o exemplo, pois é isso que a
Nação espera dele; que cumpra e faça cumprir a Constituição!
Então e se o Rei não cumprir a Constituição? Um Rei que não cumpra a Constituição tem que ser alvo de Real Impeachment ou Real
Impugnação, porque estaria a colocar em causa o prestígio da sua função
de Chefe de Estado, as Instituições do Estado, e se se provar, que
obviamente não é digno da confiança da Nação, deve ser substituído pelo
parente mais próximo dentro da Linha de Sucessão, ou então caberia ao
Parlamento, a realização de uma consulta popular sobre a continuidade ou
não da Monarquia.
Em todo o caso, há algo quanto à consulta
popular que tem que ser dito: se actualmente os monárquicos lutam pelo
direito à consulta popular sobre a continuação ou não da República, é
expectável, em Democracia, que o direito à consulta popular sobre o
regime democrático, se for o monárquico, também deva ser alvo de
consulta. Em Democracia, a voz pertence à Nação!
Conclusão:
Todo e qualquer Estado de Direito
Democrático tem as suas regras de funcionamento, e quem é eleito para
exercer um cargo político deve saber que à partida está sujeito a regras
muito próprias e além disso, não deveria estar imune. O mesmo se passa
com um Rei! Um Rei na Chefia de Estado não está acima da Constituição,
já que jura cumprir e fazer cumprir a mesma. Um Rei tem que dar e ser um
exemplo a seguir! Se um Rei fosse intocável, acontecesse o que
acontecesse, seria o descrédito das Instituições Fundamentais, seria o
mau exemplo dado à sociedade, com graves consequências. Assim, esta
garantia de transparência em TODOS os Orgãos de Soberania, desde
Parlamento, Tribunais, Governo e Chefia de Estado Real, permite fazer
com que os Cidadãos ganhem plena confiança nos seus legítimos
representantes e com isso ganha o Estado de Direito Democrático, e até
em última consequência, é todo o País que ganha credibilidade além
fronteiras!
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