Nós somos livres e o nosso Rei é livre. - Proclamação nas Cortes de Lamego em 1143
«Assim instituídas, as Cortes, se não foram o fundamento da liberdade municipal, base da única liberdade verdadeira que, em nosso entender, tem existido no mundo, e talvez a única possível, foram por certo desde essa época uma grande manifestação dela e, até certo ponto, uma garantia da sua conservação.»
Alexandre Herculano
Toda a vida medieval portuguesa era um emaranhado de contratos, regalias, corporações, corpos e municípios que tentavam engrenar o poder do Rei com as liberdades de cada comunidade, fosse ela local (município), de corpo social (clero, nobreza, povo) ou de ofício (corporação), e este tecido de vida social não deixava espaços vazios nem para os vagabundos que segundo a Lei das Sesmarias já D. Fernando compelia «à batalha da produção».
(...) Pode dizer-se que o homem medieval era um homem sempre integrado. Não havia marginais, nem desocupados, nem desempregados. Esta integração, obra e serviço do Rei, foi a textura fecunda donde nasceram as nações. E se aos nossos olhos modernos apresenta laivos desagradáveis de sujeição, ela foi naquele tempo a única condição de liberdade dentro de uma segurança possível. Mantinha os homens relacionados uns com os outros, em contratos livremente aceites de parte a parte e no jogo dos interesses e direitos, do clero, da nobreza e do povo, o Rei equilibrava-se a si próprio, anulando abusos deste corpo, fazendo prevalecer os direitos deste município ou daquele, protegendo este nobre seu partidário ou aqueles burgueses de quem precisava auxílio. E equilibrando-se a si próprio, trazia em harmonia a nação que se ia consciencializando como unidade.
Feitas as nações, os preceitos idealistas nascidos da Revolução Francesa sacudiram estas inclementes cadeias de privilégios e contratos, pois há muito que o poder real se abstinha de reunir as Cortes, isto é, deixara de lado como supérfluo o conselho dos corpos da nação e assumira a responsabilidade absoluta do seu cargo.
E assim a Revolução instalou o homem na sua dignidade de homem só, à moda de Jean Jacques Rousseau, mas ao mesmo tempo que libertava as gentes para a igualdade de uma só lei, deixava que a fraternidade fosse engolida rapidamente pela plutocracia, o poder do dinheiro, que já se vinha opondo ao poder da linhagem ou da terra e encontrava assim caminho aberto.
E os homens libertos de correntes, de contratos e de obrigações, puderam finalmente ficar apenas como mão-de-obra diante do capital. No dealbar da era industrial foi o liberalismo, filho da Revolução Francesa, que inventou o proletário.
Retirado de "Da Comuna ao Sindicato e do Sindicato à Comuna", de Teresa Maria Martins de Carvalho
Publicado por Guilherme Koehler no Grupo “A Monarquia Sem Tabus” (Nem correntes, Nem mordaças)
«Assim instituídas, as Cortes, se não foram o fundamento da liberdade municipal, base da única liberdade verdadeira que, em nosso entender, tem existido no mundo, e talvez a única possível, foram por certo desde essa época uma grande manifestação dela e, até certo ponto, uma garantia da sua conservação.»
Alexandre Herculano
Toda a vida medieval portuguesa era um emaranhado de contratos, regalias, corporações, corpos e municípios que tentavam engrenar o poder do Rei com as liberdades de cada comunidade, fosse ela local (município), de corpo social (clero, nobreza, povo) ou de ofício (corporação), e este tecido de vida social não deixava espaços vazios nem para os vagabundos que segundo a Lei das Sesmarias já D. Fernando compelia «à batalha da produção».
(...) Pode dizer-se que o homem medieval era um homem sempre integrado. Não havia marginais, nem desocupados, nem desempregados. Esta integração, obra e serviço do Rei, foi a textura fecunda donde nasceram as nações. E se aos nossos olhos modernos apresenta laivos desagradáveis de sujeição, ela foi naquele tempo a única condição de liberdade dentro de uma segurança possível. Mantinha os homens relacionados uns com os outros, em contratos livremente aceites de parte a parte e no jogo dos interesses e direitos, do clero, da nobreza e do povo, o Rei equilibrava-se a si próprio, anulando abusos deste corpo, fazendo prevalecer os direitos deste município ou daquele, protegendo este nobre seu partidário ou aqueles burgueses de quem precisava auxílio. E equilibrando-se a si próprio, trazia em harmonia a nação que se ia consciencializando como unidade.
Feitas as nações, os preceitos idealistas nascidos da Revolução Francesa sacudiram estas inclementes cadeias de privilégios e contratos, pois há muito que o poder real se abstinha de reunir as Cortes, isto é, deixara de lado como supérfluo o conselho dos corpos da nação e assumira a responsabilidade absoluta do seu cargo.
E assim a Revolução instalou o homem na sua dignidade de homem só, à moda de Jean Jacques Rousseau, mas ao mesmo tempo que libertava as gentes para a igualdade de uma só lei, deixava que a fraternidade fosse engolida rapidamente pela plutocracia, o poder do dinheiro, que já se vinha opondo ao poder da linhagem ou da terra e encontrava assim caminho aberto.
E os homens libertos de correntes, de contratos e de obrigações, puderam finalmente ficar apenas como mão-de-obra diante do capital. No dealbar da era industrial foi o liberalismo, filho da Revolução Francesa, que inventou o proletário.
Retirado de "Da Comuna ao Sindicato e do Sindicato à Comuna", de Teresa Maria Martins de Carvalho
Publicado por Guilherme Koehler no Grupo “A Monarquia Sem Tabus” (Nem correntes, Nem mordaças)
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