Após sessenta anos de jugo castelhano, Portugal estava exaurido pelo
imposto, com a economia de rastos, sem a outrora Marinha de causar
admiração, despovoado pela mobilização de recrutas para combater as
guerras de Filipe III e do Conde-Duque de Olivares e, por isso, uma
outra vez os Três Estados estavam unidos no mesmo desiderato: a
Restauração da Independência!
Crescia a crença do Sebastianismo a que ajudavam as visões feitas
profecias do sapateiro Bandarra; elevado a áugure! Tudo confluía para a
necessidade e possibilidade de um novo Rei Português. Para Coroar o
Reino com sangue portucalense quem melhor do que o trineto de Dom Manuel
I, o Venturoso: Dom João II de Bragança, Duque de Bragança, Conde-Duque
de Barcelos, Duque de Guimarães e Marquês de Vila Viçosa.
Como ficara decidido na famosa reunião que agregara os célebres
Conjurados, o encontro entre Pedro de Mendoça Furtado e Dom João II de
Bragança acontece na segunda quinzena de Outubro, e o Duque é instigado a
assumir o seu dever de defesa da autonomia portuguesa, assumindo o
Ceptro e a Coroa de Portugal: segundo o direito consuetudinário do País,
Dom João II de Bragança era o candidato natural e legítimo, pois era
filho varão primogénito do 7.º Duque de Bragança, D. Teodósio II, filho
de D. João I de Bragança e da Infanta Dona Catarina, Duquesa de
Bragança, e tal como Filipe I, neta d’ El-Rei Dom Manuel I de Portugal.
Dom João II de Bragança mostra-se de acordo, mas reserva uma resposta
definitiva para depois de umas consultas com o Marquês de Ferreira, o
Conde de Vimioso, o secretário António Paes Viegas e a própria Duquesa
de Bragança, D. Luísa de Gusmão. Todos se mostrando favoráveis, Dom João
II de Bragança decide apoiar incondicionalmente o coup!
A 10 de Novembro, o Duque entrega a João Pinto Ribeiro duas cartas
com instruções: uma para D. Miguel de Almeida e outra para Pedro de
Mendoça Furtado, que as recebem em 21 desse mês.
Era necessário apoio do Povo e também do Clero, ora os novos impostos
lançados sem a autorização das Cortes empobrecia a população, e isso,
também, se repercutia nos donativos à Igreja. Assim, a restauração seria
do interesse dos Três-Estados. Faltava escolher o dia certo.
Somavam-se hesitações quanto ao dia perfeito para o golpe da
Restauração, mas a 30 de Novembro, Dom João II de Bragança confirma a
data do dia seguinte para a revolta:
‘A sua vida, sendo necessária, havia de ser a primeira que se desse pela liberdade da Pátria’, disse.
Foi, então, agendada a revolução para o 1.º de Dezembro.
Aproximava-se o Natal do ano de 1640 e a maioria dos castelhanos
partira para Espanha. Na capital portuguesa, ficaram a Duquesa de
Mântua, a espanhola que, desde 1634, ocupava o cargo de Vice-rei de
Portugal, e o seu Secretário de Estado, o português Miguel de
Vasconcellos e Brito. Margarida de Sabóia, Duquesa consorte de Mântua,
era filha de Carlos Emanuel I, Duque de Sabóia e da Infanta Catarina
Micaela de Espanha o que fazia dela neta materna de Felipe II – Felipe
III de Espanha, o Rei-planeta – e prima direita de Felipe III – IV de
Espanha. Esse parentesco fazia da Duquesa de Mântua um importante membro
da família imperial dos Áustria ou Habsburgos, e por meio de uma
aliança matrimonial casou com o futuro duque Francisco IV de Mântua e de
Montferrat.
Para esta nomeação na qual exerceu as funções de vice-rei de
Portugal, em dependência do Rei de Espanha, valeram-lhe as relações de
parentesco real, mas, pela sua importância, devem ser reconhecidos os
esforços de Diogo Soares, do Conselho de Portugal na capital espanhola,
valido do Conde-Duque de Olivares e parente de Miguel de Vasconcellos
que, em 1635, foi nomeado Secretário de Estado de Portugal,
encarregando-se do governo do Reino.
O dia 1 de Dezembro desse ano de 1640, não fora o facto da ânsia de
liberdade ir fazer eclodir, por fim, a revolta na capital, em tudo se
assemelhava a um normal dia de Outono, pois a cidade de Lisboa acordara
para o rame-rame habitual: os coches a rolarem com as senhoras da
nobreza que se dirigiam para a missa, os operários das diversas guildas a
desempenharem os seus mesteres, as tabernas com os habitués. Mas
sentia-se o odor a mistério e a conspiração no ar! E os avisados, de
quando em vez, desligavam-se da rotina dos seus afazeres e olhavam em
volta procurando desenvolvimentos.
Assomam então no Paço da Ribeira, como que surgidos de uma bruma que
nem existia, os 40 Conjurados, entre eles, D. Antão de Almada – Conde de
Almada e de Abranches -, D. Miguel de Almeida – o de maior idade -,
Francisco de Mello e seu irmão Jorge de Mello. Também, além de outros,
António Saldanha, Pedro de Mendoça Furtado, Fernão Telles de Menezes, D.
Manrique da Silva, Bernardim de Távora, João Pinto Ribeiro, entre
outros. Às 9h15m certas, invadiram o palácio da Duquesa e dominaram-lhe,
facilmente a Guarda Alemã. Entretanto, vários nobres corriam por Lisboa
a levantar povo, outros juntavam-se por passa a palavra e
assim o Povo, o Terceiro Estado, vindo de todos os lados aglomera-se
numa grande massa seguindo o Crucifixo do Padre Nicolau de Mais, e,
desemboca em serpente no Terreiro do Paço onde ficou a aguardar o sinal
de que a revolução tinha sido bem sucedida, que seria a fidalguia
defenestrar Miguel Vasconcellos.
Tornando-se odiado pelo povo por, sendo português, trair a sua Pátria
e colaborar com a Duquesa, representante real, servindo assim por
interposta pessoa um Príncipe estrangeiro, Miguel Vasconcellos e Brito
seria a primeira, única e justa vítima. Após, penetrarem no Paço, os
patrióticos conspiradores procuraram pelo servil insidioso, mas do
secretário de estado nem sinal. E por mais voltas que dessem, não
encontravam Miguel de Vasconcellos. Já tinham percorrido os salões, os
gabinetes de trabalho, os aposentos do ministro, e nenhum sinal da
criatura.
Ora acontece que Miguel de Vasconcellos, espantadiço, quando se
apercebeu que não podia fugir, encolhera-se num armário fechado por
dentro, com uma arma em riste. Mas o tamanho do armário era diminuto e o
fugitivo, ao tentar posição mais confortável, remexeu-se lá dentro, o
que respigou a papelada lá guardada e, finalmente, denunciou-se. Foi
quanto bastou para os Conjurados patriotas rebentarem a porta e o
crivarem de balas. Era hora de dar o sinal ao Povo atirando o traidor
pela janela fora!
Então, os Conjurados proclamaram Rei Dom João II de Bragança que seria o IV de Portugal, aos clamores de:
‘Liberdade! Liberdade! Viva El-Rei Dom João IV!’
Depois de D. Miguel de Almeida gritar à janela do Paço Real, ‘o Duque de Bragança é o nosso legítimo Rei!’, ocorreu, então, a célebre defenestração!
Sendo arremessado pela janela, o corpo de Miguel de Vasconcellos de
Brito caiu, ressupino, no meio de uma multidão enfurecida que acicatou
sobre o cadáver todo o ódio acumulado por 60 anos de ocupação, cometendo
verdadeiras atrocidades. Depois de ofendido pela turba justiceira, o
destroço – que outrora constituiu um corpo – foi deixado in loco
na marca da queda para ser desgastado e corroído pelos cães – sinal da
mais genuína profanação e destino merecido dos traidores da Pátria!
A Duquesa de Mântua, abandonada pela guarnição alemã e castelhana,
tentou, em vão, aplacar os ânimos do povo amotinado na Praça. Terá sido
neste transe que, diante dos Conjurados, tentando assomar à janela do
Paço para pedir a lealdade do povo, D. Carlos de Noronha, um dos líderes
da sublevação, lhe terá remetido a frase: ‘Se Vossa Alteza não quiser sair por aquela porta, terá que sair pela janela…’.
Temendo o mesmo destino, o de ser defenestrada como Miguel de
Vasconcellos e Brito, isolada e sem apoios locais, a Duquesa assinou uma
ordem de neutralidade para Don Luiz Del Campo, comandante-chefe das tropas castelhanas em Lisboa, que assim o fez aceitando o coup
dos Conjurados ao que foi seguido, também, pelos navios de guerra
fundeados no porto da outra vez Capital do Reino de Portugal. Deposta, a
Duquesa foi aprisionada nos seus aposentos.
Eram 9h30m do 1.º de Dezembro de 1640 e a Revolução, que pôs fim ao
domínio castelhano de seis décadas, durou um curtíssimo quarto de hora.
Foi imediatamente apoiada por muitas comunidades urbanas e concelhos
rurais em todo o País.
A 6 de Dezembro, D. João II, Duque de Bragança, desembarcaria na Casa
da Índia e, como um César vitorioso, entraria triunfante, em Lisboa,
perante a ovação e os Vivas! de todos, para ser Coroado e Aclamado pelos Três Estados, El-Rei Dom João IV de Portugal!
Viv’á Restauração! Viva El-Rei de Portugal!
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
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