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A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO

A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO
Autor: Nuno A. G. Bandeira

Tradutor

domingo, 20 de novembro de 2016

D. JOÃO V É QUASE UM REI-SACERDOTE, POR INTERMÉDIO DO PATRIARCA

D. Manuel Clemente é o 17.º cardeal-patriarca de Lisboa. Nasceu em Torres Vedras em Julho de 1948 e é licenciado em História e em Teologia e doutorado em Teologia Histórica. Foi nomeado patriarca em 2013 e criado cardeal pelo Papa Francisco em 2015
| ORLANDO ALMEIDA / GLOBAL IMAGENS

O patriarca de Lisboa foi um título criado por bula de Clemente XI faz hoje 300 anos. É mérito de D. João V, que graças ao ouro do Brasil pôde montar a armada que várias vezes foi em socorro do Papa contra os turcos. Mas também reconhece o papel das Descobertas na propagação do catolicismo. Entrevista ao actual cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.

À volta da criação do Patriarcado de Lisboa, a 7 de Novembro de 1716, de que comemoramos hoje os 300 anos, temos D. João V a ajudar o Papa contra os turcos, temos também D. João V a enviar uma grande embaixada a Roma. O Portugal do início do século XVIII era muito, muito importante para a cristandade?

Era muito importante, porque não nos podemos esquecer de que não se confinava aqui, ao território europeu. Era muito importante porque se projectava no Atlântico Sul, sobretudo no Brasil, embora tivesse também presença na costa africana e no Oriente. E, além daquilo que era o território politicamente ligado a Portugal, havia o chamado Padroado do Oriente que eram territórios cuja evangelização estava confiada, por papas do século XV, aos Reis de Portugal; e que eles iam exercendo conforme dispusessem ou não de missionários e também vencessem uma certa concorrência que outras iniciativas missionárias partidas da Europa desenvolviam. E isto leva-nos à famosa embaixada de D. João V. Essa embaixada já tinha chegado a Roma, chefiada pelo marquês de Fontes, para resolver problemas precisamente ligados ao Padroado do Oriente, mas também, digamos, para a nobilitação da capela real aqui do Paço da Ribeira. Com tudo isto, há o problema do avanço turco pelo Mediterrâneo, sobretudo no Adriático, e que punha em causa a sobrevivência da república de Veneza. E o Papa Clemente XI pede aos príncipes cristãos para ajudarem a aliviar aquele cerco turco. Acontece que boa parte não estava disponível. Havia as sequelas ainda da Guerra da Sucessão de Espanha.

Ou seja, as grandes potências católicas, como a Espanha, a França e a Áustria, falharam.

Não corresponderam. Correspondeu D. João V. E, efectivamente, uma armada portuguesa aliviou essa pressão turca no Adriático e isso foi decisivo para que, enfim, em 1716 as coisas se resolvessem depressa.

Sendo que essas batalhas foram prévias à célebre Batalha de Matapão. Essa já é depois do patriarcado, mas ficou mais famosa na história porquê?

Ficou porque foi decisiva para estancar de vez no mar o avanço turco, do Império Otomano. Porque, como nós sabemos, ele continuou na parte continental da Europa ainda durante bastante tempo.

A forma como D. João V envia a frota para o cabo Matapão é já uma obrigação moral por ter ganho o patriarcado?

Vinha na sequência da sua política de presença no Mediterrâneo para deter o avanço marítimo do Império Otomano. Mas não posso dizer que seja, enfim, como que um prémio por aquilo que recebeu, até porque ele vai receber mais benesses para Lisboa ao longo dos anos seguintes. Depois conseguirá que o patriarca de Lisboa também seja cardeal. Enfim! Tudo aquilo era política de corte no sentido de prestigiar Lisboa e, por isso, também todas aquelas atribuições honoríficas e litúrgicas ou paralitúrgicas e ornamentais que ele consegue para a sua capela real transformada em basílica patriarcal - um título que na Igreja latina só Veneza é que partilha com Lisboa.

Por exemplo, quando um patriarca de Lisboa entra num conclave papal tem um estatuto diferente dos outros cardeais?

Não. Não. Mas entre os que são bispos, neste momento, apenas há um que é cardeal, que é o de Lisboa, porque o actual patriarca de Veneza não é cardeal. Mas, enfim, se estivéssemos a ir, precederíamos, nos assentos, os que não são patriarcas. Entre os bispos, claro.

Os patriarcas têm precedência?

Atribuída. Mas é puramente honorífico, não é? [Ri-se]

Mas é uma grande honra.

[Ri-se]. Não, é uma lembrança de outras coisas. E aquilo que nós lembramos mais - e isso, sim - agora, neste tricentenário, é que quando o Papa Clemente XI, na sua bula de 7 de Novembro de 1716, eleva a capela real a basílica patriarcal e passa a haver esta qualificação patriarcal atribuída a Lisboa, lembra como motivo o empenho dos Reis de Portugal na propagação da fé.

Porquê termos de chegar ao século XVIII para haver este reconhecimento quando desde as Descobertas que Portugal é o país que mais faz para trazer novos cristãos?

Sim, mas é preciso ver que também houve muita participação de espanhóis, houve muita participação de franceses e de italianos, até porque muitos iam para os domínios portugueses, do padroado português, através de Portugal. Agora, D. João V tem esta vontade porque ele era, realmente e à sua maneira, muito piedoso. E durante todo o seu reinado fez tudo e mais alguma coisa com o muito também de que dispunha, do Brasil e de outras partes...

Sim, mas também era muito rico.

Era, mas podia gastar de outra maneira, não é verdade? Nesse sentido, de igrejas, de grandes edifícios religiosos - enfim, Mafra é o mais emblemático de tudo isso -, mas também a patriarcal. Porque a Igreja Patriarcal, que ficava ao lado do Paço da Ribeira, mais ou menos onde hoje fica a Câmara Municipal de Lisboa, era uma coisa esplendorosa.

Foi destruída pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755?

Sim. O terramoto foi tremendo porque deitou abaixo os três grandes monumentos do empenho dos Reis de Bragança, sobretudo de D. João V, na religião: a patriarcal; o próprio paço, o Paço da Ribeira e todas as obras de arte que lá tinha; e a Ópera do Tejo, que seria, enfim, a ópera mais esplendorosa de que hoje a Europa disporia. Tudo aquilo ruiu e, de alguma maneira, eram três emblemas conjuntos, porque o rei - até pela figura do patriarca, que era também o seu capelão - quase tinha um alter ego eclesiástico, não é? Reparamos que a grande construção que sobra do tempo de D. João V, que é Mafra, tanto é um convento como é um palácio. É quase um rei-sacerdote [ri-se], por intermédio do seu capelão, que é o patriarca.

Deixe-me só voltar um pouco aos Descobrimentos. Quem visita, por exemplo, a Índia encontra hoje perto de 30 milhões de cristãos. E eles chamam-se Dias, Souza, Mascarenhas, Fernandes. É impossível fazer a história da Igreja Católica sem a associar a Portugal?

A sua projecção global a partir do século XV, sem dúvida nenhuma, está profundamente ligada à presença portuguesa no mundo. Porque aquilo que o próprio Camões, depois quando escreve Os Lusíadas, vai dizer, que "foram dilatando a fé, o império", era assim também que eles o sentiam, realmente. Porque para um português do século XVI - agora recuando dois séculos em relação a D. João V -, o ser português e ser católico era praticamente a mesma coisa. Até porque desde o final do século XV só podia haver católicos em Portugal, não é? Mas não era apenas por essa restrição jurídica, era também por sentimento.

O grande legado de Portugal, em termos de Igreja Católica no Oriente, é hoje o quê? Os cristãos da Índia, Timor - um país maioritariamente católico -, também um pouco o cristianismo no Japão?

Além disso, figuras que foram para o Oriente. Concretamente um, que, não sendo português de nascimento considerava-se português de coração, Francisco Xavier. São Francisco Xavier que, em meados do século XVI, parte daqui para Goa e depois irá até ao Japão e até à costa da China. E muitos outros com ele: João de Brito, no século XVII, na Índia. Ainda hoje, quem for à Índia, a Oriyur, onde foi o local do seu martírio, verá como hoje é lá extremamente venerada a memória de João de Brito.

Em Janeiro de 2015, quando o Papa foi ao Sri Lanka, também fez um santo luso-indiano.

Ah, José Vaz. É indiano, de Goa, e foi o grande restaurador da cristandade no Ceilão, como então se dizia. Porque quando os portugueses lá estavam, no século XVI e até ao princípio do século XVII, há um avanço grande do cristianismo. Só que essa é uma daquelas zonas que passarão para o domínio holandês no tempo dos Filipes. E os holandeses eram protestantes, calvinistas, e perseguiram o catolicismo.

E é curioso que há uma minoria cristã, chamada os burghers, no Sri Lanka, que são uma mistura de portugueses com holandeses. Acabaram por se juntar os seus descendentes.

Pois, mas é uma minoria, como diz. O que faz o padre José Vaz é recuperar o catolicismo no Sri Lanka, que era completamente proibido e estava, enfim, escondido nalgumas famílias. E ele consegue, de uma maneira notável, magnífica, revitalizar todo aquele catolicismo que estava debaixo, digamos, das cinzas, quase, no Sri Lanka.

A Igreja, que agora já tem uma maioria de cardeais de fora da Europa, já reflecte esta diversidade que veio das Descobertas?

Cada vez mais. Basta dizer: eu sou bispo há 17 anos e de cada vez que vou a Roma - portanto, só há três pontificados, João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco - vejo o mundo mais variado em tudo quanto seja serviços centrais da Igreja, participação nas comemorações, colégio dos cardeais.

Francisco vir agora a Fátima, ao centenário, sendo o primeiro Papa fora do Velho Mundo, tem também um simbolismo especial?

Não por vir do Velho Mundo, mas por ser o Papa, sim, com certeza. Já não é o primeiro que cá vem: já cá esteve Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI. Portanto, é um quarto. E não estou a dizer que já se torna visita habitual, mas é sempre muito bem-vindo e reforça um ponto muito importante da mensagem de Fátima e dos testemunhos dos pastorinhos - da Jacinta em particular, mas também dos outros dois - que era a ligação ao Papa. É muito interessante como aquelas crianças da serra de Aire, em 1917, já sentiam tanto a importância de rezar pelo Papa, de pedir para que tudo corresse bem com ele. É muito interessante! E então nesta terceira parte do chamado segredo, que foi revelado da última vez que cá veio o Papa João Paulo II, a irmã Lúcia, enfim, que escreveu depois o documento, já liga tudo muito ao Papa, que vai percorrendo um percurso cada vez mais complicado, mais difícil, até que depois seria mesmo morto. E o Papa João Paulo II, quando foi o assassinato, que não foi assassinato, resolveu a questão assim, pronto: era para ser mas não foi, porque a Senhora desviou a bala.

É curioso como a fé e a diplomacia voltam a juntar-se quando o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa convidou há dias na cimeira em Brasília os líderes dos países da CPLP a virem a Fátima no centenário, já no próximo ano.

Em todos os países da CPLP a presença de Fátima, o catolicismo com este fortíssimo tom mariano, é real, é patente. Basta lá ir, não é? Portanto, está muito bem. Aliás, até há uma coincidência curiosa: é que tanto são os 100 anos de Fátima como é também a comemoração tricentenária da Aparecida, daquela pequenina imagem da Nossa Senhora da Conceição que apareceu perto de São Paulo. E assim como em Fátima há um monumento da Senhora da Aparecida, que lá está agora, também na Aparecida há um monumento - e vi-o ainda em Setembro, muito bonito, muito digno - à Senhora de Fátima. É a mesma Senhora, mas dos dois lados do Atlântico.

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