A sobrevivência Monárquica
Miami, Estados Unidos, maio/201
«O mediático casamento de William e Kate evidenciou as peculiaridades
da monarquia e suas especiais características no Reino Unido. A
“instituição” (plenamente identificada na trama jurídica) monárquica
constitucional de agora resiste em um punhado de países europeus nada
desprezáveis: Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Bélgica, Reino Unido e
Espanha. Também são monárquicos os principados de Liechtenstein, Mônaco
e Andorra (na realidade uma diarquia, exercida, curiosamente, pelo
presidente francês e pelo bispo da vizinha catalã Seo d’Urgell), e o
ducado de Luxemburgo. Contudo, somente em alguns sinais fundamentais
(hereditários, detentores da chefia do Estado) se assemelham aos seus
reais ancestrais.
Na atualidade, é um ente sujeito à ordem constitucional como todas as
demais unidades do Estado moderno. A soberania é uma propriedade do
povo. Representado por um parlamento de diversa configuração e um
governo, exerce o poder popular. Desde o desaparecimento do “Estado sou
eu”, o monarca europeu já não governa, apenas “reina”.
Em outros continentes são detectadas variedades que somente têm em
comum com a monarquia europeia atual o fato de serem geralmente
hereditárias e terem o monopólio da chefia do Estado. Em contraste com
um presidente não executivo de república europeia, não devem seu posto
às eleições. Também as monarquias do Levante, África e Ásia se
diferenciam das europeias em que efetivamente governam com mão dura,
além de reinar. Esta qualidade agora é questionada no Marrocos, na
Jordânia e nas monarquias árabes. Seu autoritário paternalismo, graças à
distribuição de parte da riqueza oriunda do petróleo, pode se converter
em seu pior inimigo.
A explicação está em que em sua lenta transformação reciclou um sinal
do poder político: o chamado “poder brando”. Este feliz rótulo, devido
ao especialista político de Harvard, Joseph Nye, foi reclamado como base
da influência de certos países e certas organizações desprovidas do
impressionante poder executivo de ordem militar, econômica ou
territorial. Este poder brando se traduz em simbolismo efetivo,
detectado pelo povo, e geralmente respeitado pelo poder “duro”.
A peculiaridade da monarquia britânica e a fascinação que exerce em
numerosos países (especialmente nos Estados Unidos) se devem à
sobrevivência do prestígio e da influência do sistema político
britânico, como modelo de civilidade e efetividade. Mas a chave, não
apenas na Grã-Bretanha, é a necessidade de aferrar-se a ícones próprios e
tradições familiares com que se proteger da força bruta e
desnacionalizadora da globalização. Em um mar de livre comércio
desenfreado, imigração descontrolada e um multilinguismo de Babel, a
instituição que emana de Buckingham é uma tábua de salvação à qual o
povo britânico se apega com desespero.
Isto explica o perdão britânico, generoso e desmedido. Também é
admirável a longevidade da rainha Elizabeth, que não se entende como não
morreu de ataque do coração por causa das travessuras de seus filhos,
congêneres e “partners”. Nos cinco anos seguintes ao annus horribilis de
1992, seus três filhos casados se divorciaram e o castelo de Windisor
sofreu um incêndio. Daí que entusiasticamente os britânicos querem dar
uma segunda oportunidade à monarquia. Sente-se uma nostalgia pela
mística do experimento de Charles e Diana. Desejam apagar o pesadelo
contínuo da conduta da família: infidelidade, corrupção, ligeireza. É
dado um passo a mais na eliminação da endogamia que antes carcomia as
monarquias europeias. De Diana a Camila e Kate se reforçou o toque
plebeu aplicado aos complexos membros do clã Windsor.
Resta pendente nesta nova página da realeza britânica o dilema da
reforma do sistema sucessório que privilegia os filhos homens. Embora já
esteja na agenda do governo, se complica porque tal mudança deve ser
ratificada constitucionalmente por cada um dos países da Commonwealth,
dos quais a Rainha também é chefe de Estado.
Outro assunto mais urgente e polêmico é o de uma sucessão direta por
William, alternativa que somente pode ser efetiva por uma decisão da
rainha, ou o reinado por um dia de Charles (e sua posterior renúncia) ou
ainda sua morte. Nada a estranhar por preferir deixá-lo, no momento,
nas mãos da providência. Mais grave é o assunto da identidade religiosa
do monarca que deve ser chefe da Igreja Anglicana. A conversão ao
catolicismo faria perder o trono. Esta discriminação vai explicitamente
contra a legislação da União Europeia.
Tem futuro a monarquia britânica? Depende deles. No momento as
estatísticas e as pesquisas lhe são favoráveis: 75% dos britânicos se
declaram pela continuidade. Por outro lado, pelo menos o protocolo serve
para alguma coisa: para recordar normas básicas de urbanidade. Tão
esquecidas hoje, simplesmente codificam elementares códigos de conduta,
assistência pontual, conceder prioridade à idade, gentileza com as
mulheres e respeito pelos mais velhos, cuidando da linguagem e usando
palavras quase desaparecidas como “senhor’ ou “senhora”. É alguma coisa.
Envolverde/IPS»
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami (jroy@Miami.edu).
(IPS)
Fonte: omantodorei
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