Godoy, pintado por Goya, está na origem deste episódio bélico (DR) |
A Guerra das Laranjas, episódio bélico que durou 18 dias e conduziu à ocupação de Olivença em 1801, durante a 1.ª Invasão Francesa, vai ter uma recriação teatral que está programada para o primeiro fim-de-semana de Junho de 2012. O projecto está a ser posto em marcha pelo alcaide de Olivença, Bernardino Píriz, eleito pelo Partido Popular (PP), envolve cerca de 300 figurantes, e será completado por um evento gastronómico. O autarca espanhol espera ter portugueses entre os figurantes. O presidente da vizinha Câmara de Elvas, Rondão de Almeida (PS), já disse que, se a ideia for por diante, poderá haver manifestações de protesto da parte portuguesa.
A Guerra das Laranjas - designação que surge associada a um gesto do
primeiro-ministro e chefe militar espanhol, Manuel Godoy, que enviou um ramo de
laranjeira colhido nos campos de Elvas à rainha de Espanha Maria Luísa, de quem
se dizia ser amante, para a informar de que tinha tomado Olivença - é a primeira
surtida militar no âmbito das invasões francesas. Godoy, nascido em Badajoz e
filho de mãe portuguesa, comandou a ocupação de uma dezena de localidades
portugueses junto à fronteira.
A paz é alcançada no Tratado de Badajoz, a
6 de Junho de 1801, que restitui à coroa portuguesa as praças de Juromenha,
Arronches, Portalegre, Castelo de Vide, Barbacena, Campo Maior e Ouguela, mas
não Olivença. Mais tarde, a 9 de Junho de 1815, o Congresso de Viena decide a
restituição de Olivença a Portugal, sem que as autoridades espanholas lhe dessem
cumprimento até aos dias de hoje. É mediante este passivo histórico que o
autarca de Elvas lembra: "Não interessa uma nova batalha em cima das campas dos
nossos antepassados".
"Fomentar os laços de união
O
objectivo, disse o alcaide de Olivença, num comunicado enviado à imprensa, "não
é outro que não seja fomentar os laços de união entre oliventinos e
portugueses". E define a "obra de teatro" com uma realização luso-espanhola. O
texto que dará suporte à representação cénica, salienta, "está escrito para
sarar as feridas e não abri-las".
Os primeiros a reagir com desagrado à
iniciativa do autarca oliventino foram os seus antecessores eleitos em listas do
PSOE, Manuel Cayado e Ramón Rocha. Em declarações à agência noticiosa espanhola
EFE, afirmaram que a recriação histórica pode resultar numa "ofensa gratuita aos
portugueses" e até "afectar" as relações entre Olivença e Portugal.
O
primeiro, que é porta-voz do PSOE em Olivença, sustenta que a recriação da
Guerra das Laranjas "pode afectar negativamente" as relações entre os dois
países. E lembra que "este capítulo da história ainda não está superado",
assinalando que o sentimento dos portugueses sobre Olivença é o mesmo dos
espanhóis em relação ao território de Gibraltar, administrado pelo Reino Unido
num extremo da Andaluzia.
Ramón Rocha adverte para as consequências do
evento teatral, realçando que este "não é o momento" para a representação e
chamando a atenção para o problema fronteiriço que "ainda não está resolvido".
Com efeito, o troço da fronteira entre os dois países ibéricos entre ribeira do
Caia e a ribeira dos Cuncos não está delimitado. Portugal sempre recusou a
colocação dos respectivos marcos, por não reconhecer a soberania espanhola sobre
Olivença.
"Com os nossos vizinhos portugueses não se pode estar em
guerra toda a vida", frisa Ramón Rocha, mostrando-se contrário à realização de
um espectáculo que inevitavelmente retratará uma guerra que foi "cruel" e
conduziu ao "desencontro" entre os povos dos dois lados da
fronteira.
Este argumento é partilhado pelo presidente da Câmara de
Elvas, Rondão de Almeida, que, numa carta publicada no jornal Hoy, de Badajoz,
diz estar "surpreendido" com a "macro-representação da Guerra das Laranjas". O
autarca não tem a "menor dúvida" de que, para além de "ensombrar" as relações
diplomáticas entre Portugal e Espanha, o projecto "parece de muito mau gosto e é
inconveniente".
Rondão de Almeida deixa um aviso: o espectáculo
mobilizará o grupo Amigos de Olivença, que reclama a devolução da cidade
estremenha a Portugal, e dará força a manifestações contra a sua realização.
O autarca alentejano admite juntar-se a uma acção de protesto desse tipo
e diz ter ficado muito "desapontado" pelo facto de o alcaide de Olivença não o
ter consultado antes de avançar com a ideia da representação teatral. Mesmo
assim, pede-lhe que "tenha um momento de reflexão" e que recorde que o povo de
Olivença "descende daqueles que estiveram na Guerra das Laranjas."
O
presidente da Câmara de Elvas está convencido de que os portugueses não
participarão no evento e assegura que já falou com os presidentes das câmaras de
Campo Maior e de Vila Viçosa, que também estão contra a iniciativa de Bernardino
Píriz.
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