♔ | VIVA A FAMÍLIA REAL PORTUGUESA! | ♔

♔ | VIVA A FAMÍLIA REAL PORTUGUESA! | ♔

A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO

A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO
Autor: Nuno A. G. Bandeira

Tradutor

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O MITO DA IDADE MÉDIA

Já aqui, por duas vezes, aludi a um pequeno ensaio da autoria de Umberto Eco intitulado A Nova Idade Média. Em meados da década de 1980, Eco diagnosticava certeiramente o processo de decomposição do Iluminismo, pressentindo o advento de uma nova era cujos primeiros passos balbuciantes lembram esse longo período a que erradamente designamos como "Idade Média". Eco não exibe qualquer parti-pris a respeito da chamada "Idade Média", pois, soberbo medievalista, sabe que a má vontade, tinta de hostilidade e arrogante ignorância que por aí se continua a debitar sobre esses gloriosos mil anos de existência da civilização Ocidental foi uma invenção das "luzes". Como sabem, a alusão a um medium tempus foi cunhada por Petrarca (um homem "medieval"), mas só passou ao jargão historiográfico em finais do século XVII como sinónimo de trevas, superstição, clericalismo e violência. Seria fastidioso proceder aqui ao enumerar de erros que fizeram o mito dessa "Idade Média". Romano Guardini deixou, nos anos 40, o Fim da Idade Moderna, ensaio filosófico que define com precisão as características do pensamento e visão do mundo "medievais", por oposição à modernidade. Em Guardini há o refutar dos mitos anti-"medievais" da modernidade. Mais, Guardini afirma que a Idade Média conseguiu um notável equilíbrio entre a autoridade (cultural, política, religiosa) e a liberdade.
A "Idade Média" a que aludiam Burkhardt e Michelet no século XIX nunca existiu; ou antes, foi construída como ideologia oposta ao "Renascimento" e movimentos que se lhe seguiram (racionalismo, iluminismo, liberalismo, marxismo, etc). A Idade Média - cedamos à convenção - foi a mãe da civilização Ocidental. A velha história da herança grega e latina não resiste à mais leve acareação. A Idade Média foi reformista, foi inovadora sem chamar pelo nome e deixou as grandes instituições e institutos que ainda hoje são cimento do que resta do Ocidente. Para isso, basta lermos a fascinante biblioteca que é a obra de Jacques le Goff para raspar os cascões do preconceito. A literatura, tal como a entendemos (e sobretudo o romance) é criação da "Idade Média". A Universidade, sede de saber, transmissão, formalização e polémica em torno do conhecimento, é uma invenção medieval. A arte, neta de Deus como lhe chamava Dante, muito embora o conceito só fosse estabelecido no século XIX, é também uma conquista medieval. Até o "capitalismo" - passando por cima do errado lugar-comum que afirma a oposição da Igreja à economia, ao dinheiro e ao lucro - nasceu do processo de legitimação do dinheiro, fenómeno que ganhou expressão a partir do "renascimento do século XII. Coube, também à Idade Média, a invenção do trabalho entendido como valor moral. Ou não foi a Idade Média a inventora de uma sociedade que repousava sobre a organização do trabalho, de que as corporações, as guildas, as comunas, as liberdades burguesas e concelhias, raíz daquilo a que se vulgarizou chamar de "democracia"?
Tenho adquirido ao longo dos anos o Lexikon des Mittelalters, enciclopédia de 9 volumes de que possuo os seis primeiros. Folheio-a ludicamente, como quem lê antes de dormir, sem qualquer preocupação outra senão o entretenimento. Não há dia em que não leia uma ou duas páginas, saltando entradas. Faço-o para praticar o alemão - a mais inteligente das línguas - e não há leitura  em que não me deixo de espantar com a pujança, a grandeza e a simpatia contaminante dos avós dos nossos avós, os medievais. A "Idade Média" é viciante, tão viciante para mim como a matéria do Sudeste-Asiático pré-contemporâneo, com a qual, aliás, se assemelha em variadíssimas perspectivas sobre o entendimento da vida. Como estou cansado da ganga "moderna", do linearismo e da chocarreira banalidade do mundo sem o véu do sagrado e das grandes interrogações ! Viva a Idade Média.

Sem comentários:

Enviar um comentário