Falar
do Papa João XXI, que fora, antes da eleição ao Papado, Pedro Hispano
ou Pedro Julião, nascido e criado em Lisboa, não é apenas dar a
conhecer um Português que ocupou a Cadeira de Pedro no século XIII. Na
verdade, trata-se também e principalmente, de uma das figuras mais
notáveis do seu tempo, como médico, como filósofo, como teólogo, como
mestre universitário.
Foi muito curto o seu papado – apenas oito meses e cinco dias –
interrompido por um acidente dificilmente explicável, um desabamento no
palácio papal, em Viterbo, onde tinha sido eleito. Mas estes poucos
meses mostraram um Papa que, embora acusado por alguns de pouco
sensato, pela liberdade com que recebia gente de qualquer classe
social, foi enérgico, decidido, disciplinador, unificador e pacificador,
isto é, o Papa de que a Igreja necessitava nos momentos difíceis que
atravessava.
Fala-se
bastante do homem de ciência que foi eleito Papa, e que o tornou
conhecido como «Clericus Universalis» e «Magnus in Sciencia». A sua
eleição foi uma surpresa, e terá sido consequência da guerra de
influências entre duas famílias poderosas, os Orsini e os Collona, uma
apoiada pelo partido francês, outra pelo partido ítalo-germânico. Pedro
Hispano não era italiano e não pertencia a qualquer partido. Possuía,
sim, uma cultura e um prestígio científico excepcionais, assim como a
fama de homem recto, que acabaram por se sobrepor às guerrilhas
políticas e à pressão da população de Viterbo, que exigiu a eleição
papal sem mais delongas, num conclave que poderia ter sido
agitadíssimo, à semelhança do vergonhoso conclave anterior.
Mas, além
de homem culto, que dominava a ciência médica, a história natural, a
filosofia, a lógica e a psicologia, que lia directamente no grego ou no
árabe as obras mais representativas dos autores antigos, veio a
revelar-se, como Papa, um verdadeiro disciplinador das desordens
internas na Igreja, um pacificador enérgico das disputas e ambições
entre os príncipes e reis cristãos, um unificador da Igreja,
conseguindo o regresso à unidade da Igreja do Oriente, e um verdadeiro
precursor das relações ecuménicas. Vale a pena deixar um pequeno
apontamento sobre este trabalho verdadeiramente ciclópico, realizado em
tão curto espaço de tempo.
Pode-se
dizer que iniciou o seu pontificado “por dentro”, castigando
severamente os autores dos distúrbios durante os conclaves em que
participou, confirmando também a suspensão das Constituições para as
eleições pontifícias, efectuada pelo seu antecessor, Adriano V, com a
intenção de as libertar de todas as influências políticas que
habitualmente as inquinavam.
No plano
externo, obteve a reconciliação entre as Casas de Anjou e de Habsburgo,
conseguindo a paz na península italiana. Sabendo que estava prestes a
estalar a guerra entre Afonso X de Castela e Filipe III de França,
enviou imediatamente dois Legados, dotados de todos os poderes
canónicos, incluindo a excomunhão, no sentido de evitar. Graças ainda à
sua acção diplomática, persistente e inteligente, junto imperador de
Bizâncio Miguel Paleólogo, obter a unificação das duas Igrejas, sob a
autoridade do Papa, sucessor de Pedro.
A sua
obra escrita, muito extensa, tem sido objecto de estudos repetidos. E se
muitas delas já não oferecem dúvidas quanto à sua autoria como as duas
obras maiores, Thesaurus Pauperum e Summa Logicales,
outras existem que provavelmente foram acrescentadas por diversos
autores, para obterem o prestígio do prodigioso Pedro Hispano. O Thesaurus Pauperum foi a primeira obra médica escrita a pensar nos pobres; a Summa Logicales, tratado de Lógica, foi o tratado adoptado durante alguns séculos por muitas universidades, e redescoberto no século XX.
Desconhece-se
a data do seu nascimento; os estudos que têm sido realizados apontam,
porém, para um ano situado entre 1205 e 1210. Em 1276, quando
trabalhava no seu gabinete no palácio papal (diz-se que estaria a
escrever as novas Constituições para as eleições papais, muito duras e
disciplinadoras), o desabamento do tecto atingiu-o gravemente, vindo a
morrer poucos dias depois.
Existe
uma única obra publicada em língua portuguesa, com estudos aprofundados
sobre o Homem e a sua obra, realizados por especialistas de prestígio.
Cada estudo é precedido por um extenso resumo escrito pelo coordenador
da obra, e que facilita a sua leitura e compreensão. Trata-se do livro «Pedro Hispano Portugalense»,
coordenado pelo Prof. Doutor Boléo-Tomé, e editado pela revista «Acção
Médica». O livro constituiu uma homenagem ao médico, cientista e Papa,
homenagem de que se fez eco a Sociedade de Geografia de Lisboa.
Fonte: Jornal W - Voz da Verdade
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