Um dos aspectos simbólicos mais pungentes e tristes do golpe
republicano em Portugal prende-se com a mudança da Bandeira Nacional, um
acontecimento que ilustra, como iremos ver ao longo destas linhas, o
facciosismo irracional e o fundamentalismo ideológico dos seus mentores.
As fontes oficiais remetem erroneamente para um pretenso simbolismo
associado às cores adoptadas:
A bandeira tem um significado republicano e nacionalista. A comissão encarregada da sua criação explica a inclusão do verde por ser a cor da esperança e por estar ligada à revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891. Segundo a mesma comissão, o vermelho é a cor combativa, quente, viril, por excelência. É a cor da conquista e do riso. Uma cor cantante, ardente, alegre (…). Lembra o sangue e incita à vitória.
Ora, nada disto é verdade. As cores da bandeira que teoricamente
decorreu de um concurso de ideias - o qual deveria ser plebiscitado e,
posteriormente, aprovado na Assembleia Constituinte - foram as dos
“patrocinadores do golpe revolucionário”: o Grande Oriente Lusitano e a
Carbonária, cujos estandartes se elucidam nas figuras que se seguem.
Figura 1 - O estandarte do Grande Oriente Lusitano
A verdade é que esse concurso de ideias em que as propostas mais
coerentes, provenientes de muitos republicanos, passavam pela natural
manutenção das cores nacionais, o azul e o branco, foi pura e
simplesmente ignorado e bandeira imposta fazia tábua rasa do bom senso e
das regras básicas da heráldica.
Figura 2 - A Bandeira da Carbonária
Na prática, a forma republicana de resolver a questão da bandeira foi
semelhante àquela que eles usaram para resolver outras questões: as
eleições para a Assembleia, com esquemas que fariam corar de vergonha a
“Ignóbil Porcaria”; a censura prévia – que não existia formalmente
porque o «bom povo republicano» empastelava – expressão revolucionária
utilizada na altura -todos os órgãos de comunicação social que tivessem
simpatias monárquicas, etc.
As alterações de regime na mudança das cores nacionais
Na Europa, sobretudo após os conflitos mundiais, foram vários os
países que alteraram – na maior parte dos casos por razões exógenas – a
sua forma de regime. Mas em nenhum dos casos – ou em quase nenhum, como
iremos ver mais à frente – a mudança de regime determinou a alteração
das cores da bandeira.
Albânia
Embora com alterações a nível da figuração da águia bicéfala, a
bandeira albanesa estabilizou-se ainda na altura da sedimentação
política do Principado, ainda em 1914, ganhando a forma que se pode
encontrar na representação do lado esquerdo: a águia bicéfala sobre o
campo vermelho. Quando a Albânia se tornou numa república socialista,
após a II Guerra Mundial, alterou-se o símbolo real trocando-a por uma
estrela de cinco pontas.
Áustria
No caso austríaco – não considerando aqui a bandeira desenhada por
ocasião da formação do Império Austro-Húngaro que, na prática, era
constituída pela justaposição das bandeiras dos dois países – mantém-se o
paradigma: as cores dominantes da bandeira mantêm-se, alterando-se o
escudo real pela águia – que, curiosamente, se mantém coroada.
Hungria
Na Hungria, que passou a república logo após a I Guerra Mundial, a
bandeira sofreu algumas modificações mas sempre na representação
central: perdeu o escudo e a coroa, em 1920. Ganhou de novo o escudo,
com a cruz de Santo Estêvão, em 1940 e a infeliz sovietização do país
não lhe roubou as cores nacionais, alterando-se apenas a representação
central, digna dos cânones dogmáticos gráficos do comunismo: o martelo, o
trigo e a estrela de cinco pontas. Actualmente a bandeira é a da
esquerda, sem os anjos
Itália
Em Itália, o exemplo é ainda mais singelo. Após a II Guerra Mundial,
num plebiscito que foi caracterizado pela fraude, a monarquia foi
abolida e as armas da Casa de Sabóia foram retiradas do campo branco da
bandeira.
Bulgária
A Bulgária foi outro dos países anexados administrativamente pela
União Soviética após a conferência de Ialta. Os comunistas mantiveram as
cores da bandeira, colocando na faixa branca, junto à tralha, o seu
grafismo ideológico.
Roménia
Também na Roménia, o mesmo fenómeno se verificou. Foram retiradas as
armas reais do campo amarelo e colocado o novo escudo comunista do país,
após a deposição do Rei Miguel.
Brasil
Até o nosso país-irmão, o Brasil, que transitou ingloriamente para a
República em 1889, conservou as cores nacionais retirando apenas as
armas imperiais do centro.
Os exemplos da mudança
Na Europa do século XX, há poucos registos de mudança das cores
nacionais das suas bandeiras, decorrentes de alterações de regime. Os
exemplos mais gritantes, pelo que representam de intolerância e de
fundamentalismo ideológico, são dados pela Alemanha nazi e pela
revolução soviética:
Alemanha
Na Alemanha, a tricolor que nasceu aquando da formação do Império
Alemão foi esquecida e a ascensão de Hitler deu azo à criação de uma
nova bandeira, em 1935. Após a II Guerra Mundial os alemães recuperaram a
tricolor do Império Alemão e até a Alemanha Comunista manteve essa
coerência, colocando-lhe no centro os símbolos da orientação ideológica
comunista.
Rússia
A Rússia Imperial que claudicou em 1917 deu lugar à União Soviética.
Aqui também não houve respeito pelas cores nacionais e o Partido
Comunista Soviético impôs os seus próprios símbolos como símbolos
nacionais. Com o fim da União Soviética, a Rússia recuperou a sua
bandeira tradicional e até usa a “águia bicéfala czarista” como símbolo
nacional
Portugal
Em Portugal, as cores azul e branco foram instituídas por decreto das
Cortes Gerais da Nação de 22 de Agosto de 1821, na sequência da
revolução liberal do ano anterior. Com o golpe republicano, o pior dos
cenários verificou-se o que, em certa medida, não surpreende porque a
revolução fez-se com a esquerda das esquerdas.
José Barros Rodrigues
O caso das bandeiras
Entre 15 de Outubro de 1910 e 19 de Junho de 1911, a bandeira nacional foi alvo de acérrima contenda entre os republicanos, a chamada “Polémica das Bandeiras”. Para os revolucionários, por forma a marcar a mudança de regime, urgia mudar o mais importante símbolo nacional. Então estiveram em confronto a facção moderada representada por Guerra Junqueiro, que defendia a manutenção das cores azul e branca, e a facção radical liderada por Teófilo Braga, que defendia a adopção das cores “verde-rubra” da bandeira do Partido Republicano como nova bandeira nacional. Sobre a escolha triunfante é conhecida a opinião do poeta republicano que afirmou sem rodeios ser “uma bandeira de pretos”.
Imagem: a caricatura dos protagonistas da disputa Guerra Junqueiro e Teófilo Braga.
João Távora
Centenário da República
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