Jornal "Diário do Minho" de 24 de Junho, pág. 20
Pobreza Infantil
Em
2010, a palavra pobreza infantil passou a estar diariamente nos media,
mas isso deveu-se às comemorações do “ano europeu contra a pobreza e
exclusão social”, hoje passados seis meses sabe-se que a taxa de pobreza
infantil em Portugal aumentou, apresentando a oitava maior taxa (16,6%)
de pobreza infantil entre os 34 países da OCDE com uma média de 12,7%,
ficando atrás de Israel, do México, da Turquia, dos Estados Unidos, da
Polónia, do Chile e de Espanha. [i]
Ser
criança pobre é ter falta de alimento e risco de desnutrição, ausência
de higiene e de cuidados com a saúde, maior vulnerabilidade a doenças e
risco acrescido de morte prematura, não ter acesso à escola, ter
deficiente aproveitamento escolar, e por consequência défice de
qualificação para acesso ao trabalho e à participação na sociedade,
quando chegar à idade adulta, ter habitação insalubre, sobrelotada e sem
condições de conforto, ser explorada por via do trabalho infantil e
consequente violação do direito de brincar e ser criança, maior perigo
de vitimização por tráfego humano ou exploração sexual, maior risco de
propensão à delinquência e a comportamentos associas, não ter família,
não conhecer o seu pai ou a sua mãe; viver em famílias desestruturadas,
estar exposta, desde tenra idade, à violência doméstica, ao tráfico
ilícito ou à dependência das drogas, ser olhada com desprezo ou
comiseração humilhante por professores, colegas e vizinhos, viver na
insegurança permanente, possuir uma baixa auto-estima e não ter razões e
estímulos para alimentar sonhos de um futuro esperançoso. Em síntese
ser criança pobre “ (…) é uma luta diária pela sobrevivência, (…) para
estas crianças, a infância como o tempo de crescer, aprender a brincar e
sentir segurança não tem, na realidade, nenhum significado”[ii]
Paradoxalmente
à situação descrita e concretamente vivida, ao longo do século passado,
foi crescendo a consciência colectiva acerca dos direitos das crianças,
afirmando-se mesmo que a pobreza infantil constitui uma grave violação
de direitos humanos fundamentais.
Desde
1924, tem figurado na agenda política das instâncias internacionais a
preocupação com os direitos da criança. Naquela data, a então Liga das
Nações, que viria dar origem à ONU (Organização das Nações Unidas),
adoptou a designada declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança,
tendo a comunidade internacional de então assumido o compromisso de
promover os direitos da criança à sobrevivência, à saúde, à educação, à
protecção e à participação.
Em 1959, a
ONU deu um novo passo e aprovou a “Declaração dos Direitos da Criança”.
Dela Constam 10 artigos que dizem respeito àquilo que deve ser feito
para que as crianças sejam felizes e saudáveis.
Mais recentemente, em 1989, a
Assembleia-Geral das nações Unidas aprova a Convenção sobre os Direitos
da Criança, a qual viria a ser ratificada pela quase generalidade dos
países membros.
Hoje,
em 192 países do mundo, a sobrevivência, o desenvolvimento e a
protecção da criança não são questões opcionais deixadas à generosidade
das pessoas individuais, das organizações ou dos estados, mas sim um
compromisso político firmado ao mais alto nível, que deve ser
concretizado em leis positivas de cada país e na criação de instituições
apropriadas para a defesa e promoção do bem-estar, havendo mesmo uma
Comissão ad hoc criada no âmbito da ONU para acompanhar o cumprimento desta Convenção por parte dos diferentes países.
Quando,
em 2001, se firma o Pacto do Milénio e se fixam objectivos e metas de
desenvolvimento com vista à erradicação da pobreza no mundo, também se
atribui importância máxima aos factores relacionados com o combate à
pobreza infantil.
A
par desta realidade, também em Portugal se tem desenvolvido esforços
que, directa ou indirectamente, visam prevenir a pobreza infantil e
atenuar as suas consequências mais gravosas. Destacam-se os progressos
realizados no plano jurídico (a criança como sujeito de direitos e o
reconhecimento do superior interesse da criança quando estejam em causa
situações de conflitualidade de interesses); no plano da saúde
materno-infantil e dos cuidados de saúde primários; no plano da
educação, designadamente em matéria de educação de infância ou de
sucesso escolar; no plano da assistência social com o fornecimento de
alimentação, serviços de protecção de crianças em risco, rendimento
social de inserção, tendo em conta a presença de crianças no agregado
familiar, entre outros apoios a crianças provenientes de famílias
carenciadas.
Não
obstante os esforços desenvolvidos pelo Estado a que deve
acrescentar-se todo o investimento realizado por parte de um vasto
conjunto de instituições de solidariedade social, quer no que se refere à
eficiência dos recursos disponíveis, quer à implementação de boas
práticas, a pobreza infantil continua a ser uma preocupante e crescente
realidade no nosso país, agravada pela crise em que a falta de emprego,
precariedade e os baixos salários estão na origem da pobreza entre a
população activa mais jovem, precisamente aquela que tem crianças a
cargo.
Sendo
a pobreza infantil um fenómeno complexo e multifacetado que reclama uma
acção concertada em várias frentes e aos diferentes níveis, talvez
importe recordar que a erradicação da pobreza infantil, é um dever
indissociável da cidadania e da vida democrática, cabendo, não só ao
Estado, mas também às pessoas e às instituições, promover a sua defesa e
o seu cumprimento efectivo.
Quanto
ao Estado e aos órgãos de governação, compete-lhes garantir condições
de vida básicas a todos os cidadãos e, por maioria de razão, às
populações mais vulneráveis, entre as quais se encontram as crianças,
cabendo-lhes fazer acções junto das famílias, reforçando os seus meios
de subsistência e competências para ultrapassar as respectivas situações
de pobreza, quer directamente, através de serviços específicos e de
políticas públicas adequadas, quer indirectamente, através da
contratualizando de projectos e programas com entidades de solidariedade
social de maior proximidade, prevenindo e erradicando, assim, a pobreza
infantil nos territórios em que estas mesmas entidades exercem a sua
acção.
Atribuir
o principal papel na erradicação da pobreza infantil ao Estado não
dispensa, nem atenua, a responsabilização do Poder Autárquico. Este, ao
nível local, deve tomar para si um papel pró activo, na identificação,
prevenção e eliminação da pobreza infantil existente no respectivo
território, fazendo apelo aos recursos que o Estado disponibiliza para
esta finalidade e complementando-os, na certeza de que toda a comunidade
beneficiará do crescimento saudável da sua população mais jovem. A este
propósito recorde-se a existência de redes sociais a nível concelhio
como uma ferramenta de intervenção privilegiada para a prevenção e
erradicação da pobreza infantil, pois dispõe de meios para promover a
definição de objectivos e metas prioritárias de erradicação da pobreza
infantil no respectivo território, assim como, dispõem de meios para
assegurar a monitorização das acções programadas e a respectiva
avaliação de resultados, para além de, nelas terem assento, além da
autarquia (presidente ou quem este designe para o representar), os
responsáveis pelos agrupamentos de escolas, serviços de saúde, segurança
social., polícia, justiça, etc.
Mas,
também o cidadão individualmente não deve passar ao lado da
problemática da pobreza infantil, como se esta fosse responsabilidade
exclusiva das respectivas famílias, das instituições, do Estado ou das
Autarquias. Tratando esta realidade uma violação de direitos humanos, a
denúncia e a procura de soluções de uma forma solidária é dever de todos
e de cada um de nós, por isso, há que tomar consciência de que estamos
perante um problema de cidadania e de comportamento democrático
socialmente responsável impondo-se, assim, um modo mais incisivo de
actuação na sociedade.
Por
último, cabe notar que a perspectiva da pobreza infantil como violação
de direitos humanos requer que as próprias crianças, logo que o seu
desenvolvimento pessoal o permita, tenham participação activa nas
decisões que lhes digam respeito e nas intervenções que afectam o seu
bem-estar e o seu desenvolvimento, pelo que deverão ser encorajadas e
apoiadas pelos adultos que tenham conhecimento das privações de que são
vítimas, facultando-lhes as indispensáveis ferramentas de defesa e
protecção.
A
existência da pobreza infantil significa uma dupla tragédia, para a
criança que vê prejudicado o seu desenvolvimento físico, intelectual,
social e consequentemente, tem comprometido o seu futuro; para a
sociedade, porque ao não preservar e desenvolver o seu capital humano,
transfere por negligência, custos sociais para as gerações vindouras.
Sílvia Oliveira
Deputada Municipal pelo P.P.M. na Assembleia Municipal de Braga
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