Autor: Miguel Villas-Boas *
Mecenato
Teria sido de Ouro o Século de Augusto
sem Mecenas para o dourar?! Teríamos tido Virgílio, Horácio, Ovídio,
Tito Lívio e outros se a bolsa de sestércios do segundo não
transbordasse?!
Caio Mecenas foi um aristocrata e político romano, senhor de uma enorme
fortuna, que pertenceu juntamente com Marco Agripa ao restrito círculo
de poder e de amizade do Imperador Octávio César Augusto, tendo mesmo
substituído o primeiro Imperador romano na governação de Roma entre 36 e
30 a.C..
Mas foi pelo enorme apoio que deu aos artistas, sobretudo escritores da
época como os acima referidos e outros mais, os quais trouxe para a
esfera do César, que Mecenas ficou a ser sinónimo de Protector das Artes
e das Letras. Ao colocar o dinheiro ao serviço do Estado Romano,
Mecenas ajudou Augusto a construir uma Roma de mármore, e, ao financiar
os grandes escritores latinos da Era de Ouro de Augusto, possibilitou o
engrandecimento de Roma através das Artes, contribuindo indelevelmente
para a possante afirmação da maturidade da literatura romana.
Que seria da cultura Ocidental sem ”A Eneida” de Virgílio, sem “A
História de Roma” de Tito Lívio, sem as “Odes” de Horácio, sem as
“Metamorfoses” de Ovídio, bem diferente por certo, bem mais pobre sem
dúvida.
Foi na fase mais difícil da sua vida que Horácio foi apresentado a
Mecenas e passou a frequentar a casa do Protector das Letras onde se
reunia o mais importante círculo de intelectuais romanos da altura. Por
isso conheceu Augusto a quem dedicou uma das suas famosas “Epístolas”
assim como cinco poemas na obra maior “Odes”. Por isso Horácio se tornou
célebre ainda na juventude.
Toda esta introdução serve para demonstrar que nunca a nossa cultura
ocidental seria tão rica se não fosse o papel preponderante dos
Príncipes no financiamento do talento e não raras vezes mesmo na própria
produção artística. E que melhor maneira de começar se não na Era de
Ouro de Augusto que Mecenas ajudou a dourar.
Os Príncipes Portugueses e a Cultura
Depois dos primeiros reis da Primeira
Dinastia Portuguesa com preocupações marcadamente políticas e com a
formação e manutenção do território, chega-se ao Reinado de Dom Dinis,
que transforma Portugal num dos mais famosos focos da poesia europeia da
Idade Média, e que ficou conhecido como o Período Trovadoresco ou
Galego-Português. Neste período eram sobretudo o “Amor” e a “Amizade” os
temas sobre o que os poetas escreviam e que os trovadores cantavam, mas
não exclusivamente, debruçando-se ainda em temas políticos sobretudo
feitos guerreiros e até mesmo assuntos satíricos.
Mas dominam sobretudo dois estilos de lirismo: as Cantigas d’ Amor – de
influência Provençal – e as Cantigas d’ Amigo, completamente nativo
português.
As primeiras, recatada e requintadamente platónicas, focam-se no
enaltecimento das qualidades da mulher amada ou na expressão da saudade
do ente amado.
Nesta sublimação da figura feminina participou el-Rei Dom Dinis com a sua mestria e indiscutível talento poéticos:
«Quer’ eu en maneira de poençal
Fazer agora un cantar d’amor
E querrei muit’ i loar mnha senhor’a,
A que prez nem fremusura non fal,
Nem bondade, e mais vos direi en:
Tanto a fez Deus comprida de bem
Que mais que todas las do mundo val.»
Fazer agora un cantar d’amor
E querrei muit’ i loar mnha senhor’a,
A que prez nem fremusura non fal,
Nem bondade, e mais vos direi en:
Tanto a fez Deus comprida de bem
Que mais que todas las do mundo val.»
Mas mais conhecidos e enaltecidos são os
seus poemas no estilo de Cantigas d’ Amigo, talento que o próprio
Fernando Pessoa volvidos séculos decidiu glorificar n’A Mensagem:
D. DINIS
«Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio murmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.»
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio murmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.»
A mais célebre Cantiga d’ Amigo D’el-Rei
Dom Dinis – escrito sobre a perspectiva de uma personagem feminina –
como era comum há mestria da época – foi certamente o célebre:
AI FLORES, AI FLORES DO VERDE PINO
«Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo!
aquel que mentiu do que pôs comigo!
Ai Deus, e u é?»
aquel que mentiu do que pôs comigo!
Ai Deus, e u é?»
Mas além da Poesia trovadoresca outro
elemento contribuía para a aculturação em Portugal, as escolas que se
multiplicavam por todo o Reino – embora as primeiras escolas
(monásticas) tenham surgido na governação do próprio Conde D. Henrique,
assim como o primeiro grande trovador português, D. Gil Sanches (filho
de Dom Sancho I e de D. Maria Paes Ribeira).
De resto, desde El-Rei Dom Sancho I, que os Reis portugueses, quais
Mecenas, concediam bolsas de estudos para portugueses irem estudar em
Bolonha, Salamanca, etc. Mas a partir de 1290, e para o engrandecimento
de Portugal, dá-se a abertura do Estudo Geral – primeiro em Coimbra,
depois em Lisboa.
Quem herda o talento de seu real pai, é Dom Pedro Afonso, Conde de
Barcelos, senhor de uma enorme obra literária – proporcional à sua
envergadura física. Duma notabilíssima e profícua produção literária
resultam obras como o “Livro das Linhagens” e a “Crónica Geral de
Espanha”.
Mas, em Portugal, foi durante os reinados
da Dinastia de Avis que se verificou a maior aculturação dos Príncipes e
reflexamente a do País.
O gosto pelos autores clássicos, pelas letras, resultado da esmerada
educação dos Príncipes da Dinastia de Avis, propiciou a difusão dos
textos clássicos. Era a introdução da mentalidade Humanista do
Renascimento em Portugal.
É com o início da Dinastia de Avis que, de facto, a sociedade portuguesa
sofre a sua maior metamorfose. Para começar a língua portuguesa toma a
sua característica e inconfundível fisionomia que é enriquecida com os
neologismos que advém do contacto com as obras clássicas. Com o
Renascimento vem a ideia de tomar a Antiguidade Clássica como modelo.
A educação que Dom João I recebeu como Grão-mestre da Ordem de Aviz
transformou-o num Rei invulgarmente culto para a época e o seu gosto
pelo saber passou-o para a sua Ínclita Geração.
O Infante Dom Pedro de Portugal, Duque de Coimbra, quarto filho d’el-Rei
Dom João I e da Rainha Dona Filipa de Lencastre, traduz o “De Officiis”
de Cícero, e redige ele próprio a maior parte do “Tratado da Virtuosa
Benfeitoria”, obra inspirada e assente em Séneca e Cícero. Além, dessa
valia pessoal como autor e tradutor não foi menos importante o seu papel
como mecenas das Artes, sobretudo das Letras, tendo inclusive sido
traduzido por encomenda sua o “De Senectute” por Vasco Fernandes de
Lucena, e o “De Amicitia” pelo Prior São Jorge.
Os Príncipes de Avis, quase sem excepção, como nenhuma outra Dinastia,
inclusive na Europa, desde a primeira geração até Dom António, Prior do
Crato, brilham nas mais variadas áreas das Artes.
Nem vamos abordar o papel guerreiro que o Infante D. Henrique teve nos
descobrimentos portugueses – pois não é o tema em análise -, mas sim o
seu papel como patrocinador da criação de uma cadeira de Astronomia na
Universidade de Coimbra, ou o seu empenho no desenvolvimento da
Caravela, de portulanos, de roteiros e de instrumentos náuticos que
facilitassem essas mesmas descobertas por parte dos navegadores. “O
Navegador” investiu toda a sua fortuna em investigação relacionada com
navegação, náutica e cartografia, dando início à epopeia dos
Descobrimentos. Esta descoberta geográfica do Mundo empreendida pelos
portugueses é reflexo do paradigma do Renascimento na medida que o
humanismo não se trata apenas de um ideal de cultura, mas um ideal de
pensamento de confiança no Homem. Com os Descobrimentos, Portugal
participa na primeira linha da construção de um admirável Mundo Novo.
A mais importante edificação do Reinado de Dom João I foi o Mosteiro de
Santa Maria da Vitória, mais conhecido por Mosteiro da Batalha que o Rei
mandou edificar como agradecimento pela vitória na Batalha de
Aljubarrota, e onde aliás jaz, na Capela do Fundador, o Rei da “Boa
Memória”.
Embora, a História existisse já desde os
primórdios da Monarquia Portuguesa, é com Fernão Lopes que esta se
autonomiza e se converte em género próprio.
É com Fernão Lopes nas suas “Crónicas” que se inicia um novo e inédito
género na literatura portuguesa, a prosa literária, «em que a arte
alcança o grau supremo da naturalidade», vincou António José Saraiva in
“História da Literatura Portuguesa”. Nesta sublime obra da prosa
histórica portuguesa, o historiador oficial da Corte de Avis reúne uma
exposição sequente da história dos sucessivos reinados, sem esquecer o
exercício narrativo da época, embora o faça de uma maneira independente
compilando factos seleccionados nas mais diversas fontes e narrando-os
de uma forma muito particular, o que permite dizer que criou um estilo
literário próprio. «A História há-de ser luz da verdade e testemunha dos
antigos tempos», escreveu. Assim foi!, escrevemos nós.
Isabel de Portugal, única filha de Dom
João I e de Dona Filipa de Lencastre, foi uma mulher muito lúcida,
inteligente e refinada. Foi uma Mecenas das artes que se fez rodear de
artistas e poetas, na corte de seu marido na Borgonha. Também na
política exerceu a sua influência sobre o filho Carlos, O Temerário e,
em especial, sobre o marido Filipe III, O Bom, Duque de Borgonha, que
representou em várias missões de carácter diplomático.
Continuando na Dinastia de Avis, Dom
Duarte I que sempre acompanhou o seu pai nos assuntos do reino, sendo
portanto um herdeiro preparado para reinar, foi cognominado o Eloquente
ou o Rei-Filósofo pelo seu interesse pela cultura e pelas obras que
escreveu como o “Leal Conselheiro” um ensaio sobre variados temas onde a
moral e religião têm especial enfoque e o “Livro da Ensinança de Bem
Cavalgar Toda Sela”, manual para Cavaleiros.
Falecido Dom Duarte I, e na menoridade de D. Afonso V, primeiro sua mãe e
depois o tio D. Pedro, Duque de Coimbra assumem a regência. Como
regente, D. Pedro procurou limitar o desenvolvimento de grandes casas
aristocráticas e concentrar o poder na pessoa do Rei. Por sua ordem,
cerca de 1448, foram revistas e concluídas as chamadas Ordenações
Afonsinas, a primeira compilação oficial de leis do século XV, resultado
de um pedido das Cortes a D. João I para a organização de uma
colectânea em que se coordenasse e actualizasse o direito vigente, para a
boa litigância e fácil administração na justiça.
O país floresceu sob a sua regência, mas o ambiente político não era o
mais saudável uma vez que D. Pedro interpunha-se na ambição da nobreza.
D. Afonso (filho natural de Dom João I com Inês Pires), Conde de
Barcelos, converteu-se no tio predilecto de D. Afonso V e é feito Duque
de Bragança em 1442, tornando-se assim no homem mais poderoso de
Portugal e num dos mais ricos da Europa. O 1.º Duque de Bragança, casado
com a filha de Dom Nuno Álvares Pereira, é inimigo pessoal de D. Pedro,
embora meios-irmãos, e assim começou uma luta pelo poder entre duas
facções – conjuntura que relatamos sem fazer considerações de que lado
se encontrava a justeza de pretensões -, e que terminou com a morte de
D. Pedro na Batalha de Alfarrobeira.
Com a estabilidade política retoma-se a afeição pelas artes, tão ao
gosto da Dinastia da Boa-Memória. Assim, no século XV, no reinado de Dom
Afonso V a pintura portuguesa atinge o seu auge. É de Nuno Gonçalves a
autoria do esplendoroso tríptico “Painéis de S. Vicente”.
Também, realizado sob encomenda de D. Afonso V em 1457 e concluído a 24
de Abril 1459, temos o “mapa-múndi de Fra Mauro”, que reúne o
conhecimento geográfico da época.
Em 1477, D. João II de Portugal sucedeu ao seu pai após a sua abdicação,
mas só subiu ao trono após a sua morte, em 1481, e retirou o poder à
aristocracia, concentrando-o em si.
Por o seu reinado corresponder à época de ouro de Portugal, foi-lhe
atribuído o cognome “o Príncipe Perfeito”: é do seu reinado o Tratado de
Tordesilhas que dividiu o Mundo a conquistar entre Portugal e Espanha.
Embora fosse o último quartel do século XV, havia em Portugal, há mais
de oitenta anos, uma escola de matemática, cartografia e navegação onde
os mais geniais cientistas se dedicavam à pesquisa e esquadrinhamento.
O Afortunado D. Manuel I ascendeu
inesperadamente ao trono em circunstâncias excepcionais, sucedendo ao
seu primo direito Dom João II. Prosseguiu as descobertas iniciadas pelos
seus antecessores, o que levou à descoberta do caminho marítimo para a
Índia e do Brasil, assim como das ambicionadas Molucas, as”ilhas das
especiarias”. Começou o Império Português, e Portugal torna-se um dos
países mais ricos e poderosos da Europa.
A total consagração europeia do rei Dom Manuel I ocorreu com a grandiosa
embaixada a Roma chefiada por Tristão da Cunha, em 1514, destacando-se,
na magnificência dos presentes enviados ao Papa Leão X, pedras
preciosas, tecidos do oriente e inúmeras jóias. Dos animais raros,
sobressaíram um cavalo persa e o elefante Hanno, que executava várias
habilidades e que doravante seria a mascote do papa. Mas uma das
inúmeras novidades que encantaram os espíritos curiosos das Cortes
europeias da época terá sido sem dúvida o rinoceronte, proveniente das
Índias, que assumiu, então, um papel dominante como motivo na arte
italiana.
Em 1521, el-Rei promoveu uma revisão da legislação, as Ordenações
Manuelinas que divulgou com ajuda da recente descoberta da Imprensa. Com
a prosperidade resultante do comércio, em particular do das
especiarias, realizou numerosas obras como o Mosteiro dos Jerónimos e a
Torre de Belém, cujo estilo arquitectónico ficou conhecido como
“Manuelino”. Dom Manuel I ordenou ainda a reforma dos Estudos Gerais,
criando novos planos educativos e bolsas de estudo.
Na sua Corte surge Gil Vicente e o geógrafo Duarte Pacheco Pereira,
célebre autor do “Esmeraldo de Situ Orbis”. É, também, do seu reinado o
“Livro Três Místicos”, que encanta com a riqueza das suas iluminuras.
Foi na câmara da parturiente, Rainha Dona Maria de Aragão, Infanta de Espanha, filha dos Reis Católicos, que em trajes de vaqueiro Gil Vicente, representou sua primeira peça, o “Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro”, o que demonstra claramente que o bardo era um poeta cortesão, o dramaturgo oficial. Sob protecção real explicam-se as liberdades, ao estilo do histrião, tomadas na sua obra.
Foi na câmara da parturiente, Rainha Dona Maria de Aragão, Infanta de Espanha, filha dos Reis Católicos, que em trajes de vaqueiro Gil Vicente, representou sua primeira peça, o “Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro”, o que demonstra claramente que o bardo era um poeta cortesão, o dramaturgo oficial. Sob protecção real explicam-se as liberdades, ao estilo do histrião, tomadas na sua obra.
Como de resto declarou o Imperador Marco Aurélio num dos seus célebres
“Pensamentos”: «Que os poetas cómicos tenham dito coisas sérias é
sabido».
Se por um lado temos um Gil Vicente, comummente declarado o Pai do
Teatro português, que através do seu enorme espírito crítico e da sátira
deliciosa enuncia as origens populares da nação e representa a
sociedade do seu tempo de forma irónica, mas moralista; temos do outro a
prosa de um Bernardim Ribeiro e o seu requintado romance de cavalaria.
Esse lugar de dramaturgo da Corte, ocupou Gil Vicente quer no reinado de
Dom Manuel I como no do seu filho e sucessor, Dom João III, que foi
educado no Latim e nos clássicos por D. Diogo Ortiz de Villegas, Bispo
de Viseu, no Direito Civil por Luís Teixeira, na Matemática, geografia e
astronomia por Tomás de Torres.
Com o Reino herdou as elevadíssimas despesas ordinárias da Coroa que
incluíam tenças, benesses pias, ordenados, obras públicas, universidade,
obras em Belém e em Tomar, típicas de Reis do Renascimento que
protegiam os artistas e incentivavam a edificação de monumentos.
Da realeza destaca-se no seu reinado, o seu filho natural, o Infante
Duarte de Portugal, arcebispo de Braga, homem extremamente culto, que
traduziu para o latim a maior parte da Crónica de Dom Afonso Henriques
de Duarte Galvão.
Quanto a Gil Vicente marca indelevelmente a cultura do primeiro terço do
século XVI português, pois com os seus Autos fixa os tipos sociais da
época, os seus traços e maneirismos, assim como os seus vícios, criando
uma obra verdadeiramente nacional, sem influências de outras amplitudes.
Quanto a Bernardim Ribeiro cabe-lhe o papel de introduzir, com as suas
Éclogas, o Bucolismo em Portugal. Também, o seu estilo acompanha a
evolução da moral e as suas exigências e introduz a novela cavaleiresca
sentimental integrada num ambiente feminino em que a donzela passa a
dominar como figura moral e principal, mas em que a acção se exprime na
tragédia amorosa, como em “Menina e Moça”.
Frequentador dos Serões do Paço, Sá de
Miranda começou por colaborar no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende,
mas o seu génio aparece um pouco mais tarde, depois de uma estadia em
Itália patrocinada em parte pela Coroa. Após o seu regresso a Portugal
publica, em 1527, os “Estrangeiros”, uma comédia que o distingue como
inovador na literatura da época: é a primeira comédia em prosa.
Sendo-lhe concedida uma comenda perto de Ponte de Lima, aí torna-se à
maneira do grande Horácio, mentor de um grupo intelectual composto por
Francisco de Sá Menezes, D. Manuel Portugal, entre outros, que se
apelidam de “Italianizantes” e cujo anelo supremo é a produção de um
poema que eternizasse o glorioso Portugal quinhentista. Esse desiderato
de imortalizar o heróico Portugal viria a ser cumprido mais tarde, mas
por outro poeta, o maior da Língua portuguesa, Luís Vaz de Camões in “Os
Lusíadas”. Mas antes disso, de facto, Sá de Miranda provocou uma
profunda renovação estética sintetizando a totalidade dos perfis da vida
lusitana ao paradigma do rigor clássicos. Profundo defensor dos valores
morais, na sua obra reflecte-se esse padrão de seriedade de doutrinação
moral, mas elevado ao nível da sublimação profética.
«Virgem do sol vestida, e nos teus raios
Claros envolta toda, e das estrelas
Coroada, e debaix’os pés a lua,
São vindas minhas culpas e querelas
Sobre mim, tantas! Valei-me aos desmaios;
De muitas, que possa ir chorando alguma.»
Claros envolta toda, e das estrelas
Coroada, e debaix’os pés a lua,
São vindas minhas culpas e querelas
Sobre mim, tantas! Valei-me aos desmaios;
De muitas, que possa ir chorando alguma.»
Nota-se também a sua ligação à Coroa uma
vez que coloca o seu talento a cumprir a função de defesa do ideal da
Monarquia como defesa do bem comum:
A el-rei D. João
«Rei de muitos reis, se um dia,
Se uma hora só, mal me atrevo
Ocupar-vos, mal faria,
E ao bem comum não teria
O respeito que ter devo;
…
Porque, Senhor, eles sós
(justo e poderoso rei!),
Desdão ou lhe cortam nós,
Como também entre nós,
Se uma hora só, mal me atrevo
Ocupar-vos, mal faria,
E ao bem comum não teria
O respeito que ter devo;
…
Porque, Senhor, eles sós
(justo e poderoso rei!),
Desdão ou lhe cortam nós,
Como também entre nós,
Que sois nossa viva lei.»
E eis que surge o primeiro génio da
literatura portuguesa a escrever só na língua mãe: António Ferreira.
Principal teórico do Clássico Português, Ferreira teve uma importância
notória na afirmação da língua nacional, uma vez que antes dele o Latim
era a língua usada pelos eruditos e o castelhano a língua falada na
Corte, pelo que o podemos elogiar e classificar como sendo um “grande
patriota”. Toda a sua obra reflecte esse desígnio de estabelecer a
língua portuguesa como instrumento de arte, embora não se dedique ao
poema épico, mas à temática amorosa. De facto a elevação da sua arte
ostenta-a na “Castro”, que dentro dos cânones da tragédia clássica é
adaptada a um tema bem português: a “Tragédia de Inês de Castro” – como
de resto primeiramente se chamou. Destilando todas as influências do
teatro greco-romano dá à obra uma densidade poética e uma qualidade
dramática próprias e nacionais.
Eis, Camões!
Não nos vamos debruçar no edifício que é a sua biografia até porque
Camões é igualmente Mito, mas sobre o que a sua obra significou para a
Lusitanidade.
A sua avó paterna era parente de Vasco da Gama, e daí se compreenderá a
emoção com que o poeta narra os feitos do seu antepassado como se
fizesse de alguma forma parte deles.
A sua vida e a dos reis da altura estão ligados por um fio condutor.
Camões numa contenda do Dia de Corpo de Deus participou numa rixa na
qual feriu um criado d’el-rei Dom João III. Condenado ao cárcere, Camões
só conseguiu o real perdão depois de se alistar como soldado para
cumprir 3 anos de serviço militar na Índia, onde acabou por permanecer
durante 16 anos. Aí serviu sob o comando de oito vice-reis que
funcionaram também como seus patronos. De regresso a Lisboa, em 24 de
Setembro de 1571 a Real Mesa Censória concedeu-lhe licença para publicar
“Os Lusíadas”. Logo a publicação causou tremendo alvoroço e Luís Vaz
foi aclamado como o maior poeta da Lusitanidade. Convocado à Presença do
jovem Rei Dom Sebastião, Camões lê a obra maior da Portugalidade e
cativa a profunda admiração do monarca deixando o rei adolescente ainda
mais cheio de ideias de grandiosidade: a empresa de Alcácer Quibir
aproximava-se.
Antes de partir para não mais voltar, Dom Sebastião por Alvará régio de
27 de Julho de 1572 concede a Luís Vaz de Camões a Tença de 15 mil réis
pelo Poema e pelos serviços prestados à Coroa.
É desta época, também, o começo da
literatura de viagens, sendo que o maior exemplo deste género é a prosa
aventureira da “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, que relata as suas
aventuras pelo Extremo Oriente. Não é de somenos importância a presença
do aventureiro lusitano por essas longínquas paragens, pois
lembremo-nos que Fernão Mendes teve um grande papel na afirmação da
força e do poder portugueses no Oriente. Apesar de muitas vezes ter
actuado como corsário, morreu pobre, facto a que também não será alheia a
sua enorme generosidade: recorde-se que ofertou uma enorme quantia em
dinheiro para a construção da primeira igreja cristã no Japão.
No Reinado de D. Sebastião, outra
realização cultural importante foi o estabelecimento de uma nova
Universidade em Évora, pelo Cardeal-Infante D. Henrique, seu tio, que a
entregou aos Jesuítas.
O Cardeal-Rei D. Henrique, que aquando arcebispo de Évora fundou a
primeira Universidade de Évora, transformou a cidade alentejana num
importantíssimo pólo cultural, acolhendo alguns vultos da cultura da
altura, como Pedro Nunes, André de Resende, Nicolau Clenardo, entre
outros. Não pelas suas mãos, mas com sua autorização dada ao dominicano
Frei Luís de Granada que editou em português uma obra sua, intitulada
“Meditações e homilias sobre alguns mysterios da vida de nosso
Redemptor, e sobre alguns logares do Santo Evangelho, que fez o
Serenissimo e Reverendissimo Cardeal Infante D. Henrique por sua
particular devoção”, Lisboa 1574. Redigida em português, esta obra
visava substituir a palavra oral pela escrita, num esforço de chegar às
recuadas aldeias onde dificilmente chegava, pela escassez de religiosos
conhecedores do Latim.
E veio a perda da independência, mas não para sempre!
(Contínua em “Reis, Mecenas e Ilustrados – II Parte”)
* Membro da Plataforma de Cidadania Monárquica
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