Cada vez que morre uma grande figura das letras e das artes, da
história e da política — ou seja, alguém que num país pequeno como
Portugal alcançou ser um humano único e exemplar — a quem por cá fica é
automaticamente criada uma dívida de respeito e gratidão também póstuma
que as mais das vezes nunca chega a ser paga como deveria.
Este é dos maiores problemas da nossa sociedade: o esquecimento, a
ideia, verdadeiramente perigosa, de que tudo começa e acaba no limite do
nosso horizonte pessoal ou do nosso século, sem que seja ponto de honra
conhecer razoavelmente os altos e baixos, as glórias e as insânias da
história pátria, no torrão e na diáspora, bem entendidos. O facto de ter
sido dada larga primazia, nas últimas décadas, à criação em detrimento
da conservação, pulverizou ainda mais a debilidade deste cenário
identitário ancestral, que precisa de ser reinterpretado à luz de novos
conceitos e de novas abordagens pois será sempre o húmus em que nascemos
e nos erguemos.
Não há dúvida de que o trabalho de Rui Ramos veio abalar o registo
historiográfico estabelecido, afinal um pastel de preconceitos e de
mitificações politicamente vinculadas, e a clareza, ousadia e sucesso da
sua releitura ofenderam todos aqueles que na universidade se julgavam
consolidados por décadas de domínio marxista.
A birra de Manuel Loff (figura menor, que ninguém lembra o que terá
feito), além de tardia e desajeitada, é só a ponta dum icebergue. A
questão não é como Ramos considerou Salazar, mas como desmascarou
Cunhal, não vos parece?
Numa crise destas, de que o económico-financeiro é apenas um espelho negro, o país precisa dum pacto patriótico com um rijo instinto de salvaguarda,
que a esquerda, fixada no aqui e agora tudo, não consegue de
interpretar devidamente, porque lhe falta o sentido nacional de uma
comunidade muito antiga que não pode acabar. O que precisamos é de conversar e de criar uma base de entendimento em que todos «trabalham» para defender o país,
como se vivêssemos um pós-guerra de que é preciso renascer. Temos ao
lado a Espanha que nos dá um exemplo já secular disso mas nem sequer
esse vemos. Vai ser duro, vai ser feroz, vai ser demorado, mas sem esse
sentido nacional nada se alcançará. A esquerda que entenda isso, se
puder!!
Uma coisa é certa, porém: não serão presidentes como Cavaco ou
Marcelo (nem Soares ou Sampaio, nem Costa) que vão criar esse vínculo
patriótico, que só o carisma da Coroa pode fermentar. Sejamos realistas,
pois.
Vasco Rosa no Corta-fitas
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