(...) Porque a sua morte a tiro foi um crime hediondo e esse crime foi a arma política dos que pretendiam mudar o regime.
A
Monarquia Constitucional, que vigorava em 1908, estava apoiada numa
filosofia política liberal e a liberdade, individual e colectiva,
baseada nos preceitos democráticos da Carta Constitucional, estava
assegurada constitucional e efectivamente. Havia liberdade de associação
e de expressão e a imprensa era livre.
O
reinado de Dom Carlos iniciou-se, três meses após a sua coroação, com
uma crise grave, motivada pelo Ultimato inglês que criou um clima de
exaltação entre as elites e entre a população e que foi habilmente
aproveitada e manipulada pelos republicanos que assacaram culpas ao
regime e ao próprio Rei. Até então apenas um movimento sem expressão que
nunca conseguira fazer eleger mais do que dois deputados, o Partido
Republicano Português, ganhou uma inesperada visibilidade e força
política. O sistema de rotativismo no Governo dos partidos Progressista e
Renovador, com pequenas diferenças programáticas mas em permanente luta
pelo poder dos seus líderes, levou à cisão em dois novos partidos, o
Regenerador Liberal, chefiado por João Franco e os Dissidentes
Progressistas, de José de Alpoim (figura controversa que se passou para a
república, tais como outros “dissidentes”, entre eles Egas Moniz e o
Visconde de Pedralva, que seria implicado no Regicídio) e à
ingovernabilidade.
Dom
Carlos, preocupado com os sucessivos ataques ao regime e à sua pessoa,
utilizando todo o tipo de mentiras e calúnias, por parte dos
republicanos, dos anarquistas, e de outras forças anti-monárquicas a
eles associadas, que circulavam na imprensa que dominavam, e com a
rápida degradação da situação do país, recorreu a João Franco,
nomeando-o Presidente do Conselho de Ministros com um vasto programa
reformista e autorizando-o a governar por um período em “ditadura
administrativa” (desde 2 de Maio de 1907, estando as eleições marcadas
para Abril de 1908) , isto é, com o parlamento dissolvido e legislando
por decreto, o que já acontecera anteriormente com Hintze Ribeiro por
período mais dilatado. Este foi o pretexto para o Partido Republicano,
que se aliou a figuras importantes dos “dissidentes”, à Maçonaria, aos
anarquistas e à Carbonária, perante a complacência dos restantes
partidos e fez uma tentativa de revolução em 28 de Janeiro de 1908, que
foi abortada e os seus chefes e vários participantes presos.
João Franco reagiu
como seria de esperar. De acordo com as leis em vigor, fez um decreto
que impunha o exílio dos implicados na conjura e posterior deportação
para as colónias dos que não a acatassem, regressando ilegalmente ao
país. Seria a desarticulação do Partido Republicano que só muito tempo
depois recuperaria. Dom Carlos, então em Vila Viçosa, assinou o decreto,
constando que terá dito que assinava também a sua sentença de morte.
Em
desespero, as forças anti-monárquicas uniram-se e socorrendo-se da
Carbonária, uma organização extremista que recorria a todos os meios
violentos para impor os seus ideais políticos (o bombismo era um deles,
tendo rebentado bombas que estavam a ser feitas numa casa da Rua do
Carrião e outra em casa de Aquilino Ribeiro) decidiram que só o
desaparecimento do Rei faria cair o regime.
No
regresso do Rei a Lisboa, no dia 1 de Fevereiro, a Carbonária (de que
faziam parte figuras como António José de Almeida, que foi presidente da
república e Aquilino Ribeiro, que teve recentemente honras de Estado na
trasladação dos seus restos mortais para o chamado Panteão Nacional)
perpetrou o atentado pelas mãos visíveis de Buiça e Costa, estando
outras pessoas implicadas que escaparam. Como agora foi revelado num
interessante livro, resultado de uma investigação rigorosa, “Dossier
Regicídio – o processo desaparecido”, os regicidas foram mortos não
pelas forças da ordem, mas pelos seus companheiros, para que nada fosse
revelado às autoridades.
A
figura de Dom Carlos, denegrida pela propaganda republicana com a ajuda
de alguns que se afirmavam monárquicos e estavam ressentidos com o Rei,
começou entretanto a ganhar outros contornos e hoje é reconhecido quase
unanimemente como a de um grande estadista, de um hábil diplomata, de
um pintor de grande sensibilidade e apurada técnica, de um cientista na
área da oceanografia reconhecido internacionalmente, de um homem de
carácter e de coragem, patriota e amante da liberdade.
Os
republicanos e seus aliados sabiam que só abatendo o Rei conseguiriam
implantar a república, o que pelo sufrágio dificilmente alcançariam (o
Partido Republicano elegera 7 deputados, em 141, e ganhara 16 Câmaras
Municipais). O recurso ao crime como arma política poder-se-ia crer
fruto de extremistas de uma época de crise. Mas quando se sabe que já em
1907, com a presença do Grão-Mestre da Maçonaria, Magalhães Lima, uma
reunião em Paris de revolucionários europeus preconizara o Regicídio
como meio de impor a república e destacados vultos do Partido
Republicano e seus aliados armaram a Carbonária com antecedência, só a
ingenuidade ou a cegueira política levariam a essa conclusão.
Conclusão
essa que terá sido a dos deputados do PS, que se considera herdeiro do
Partido Republicano, ao rejeitar na Assembleia da República um voto de
pesar pelo assassinato de Dom Carlos e Dom Luís Filipe e a condenação do
Regicídio. A justificação foi que condenar o Regicídio seria condenar a
república. Em Portugal o “ódio velho não cansa” e nem a distanciação de
cem anos é capaz de impor a alguns a verdade histórica. Mas essa
verdade acabará por prevalecer, como já está a acontecer pela voz de
historiadores republicanos honestos e de pessoas bem formadas, de todas
as sensibilidades políticas, para quem Dom Carlos não era o tirano a
abater e para quem o crime político merece uma decidida condenação.
João Mattos e Silva - 21 de Fevereiro de 2008
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