As
das rainhas a que me refiro no título são nem mais nem menos do que a
última e a penúltima rainha de Portugal. Uma Italiana, outra francesa,
mas ambas deixaram uma marca indelével na sociedade portuguesa da
segunda metade do Século XIX e no início do século XX. No entanto, não
podiam ser mais diferentes.
Dona
Maria Pia era uma rainha perdulária, que não se coibia a gastos
exacerbados na toilette, de pose senhorial, muito segura de si, mas com
um temperamento impulsivo, que chegava a parecer mais uma cezarina do
que uma rainha consorte. São históricas as palavras que dirigiu ao velho
Duque de Saldanha, quando este cercou o Paço da Ajuda para intimar o
Rei a demitir o ministério do seu arqui-rival Duque de Loulé, num golpe
que ficou conhecido como a “Saldanhada”. Quando o velho lobo do
Liberalismo foi apresentar, como era costume, os cumprimentos à Rainha,
esta disse-lhe que se fosse ela o Rei, tê-lo-ia mandado fuzilar…
A
prodigalidade da rainha foi sempre sustentada pela “boa vontade” de
alguns argentários que então já prosperavam com o fomento do fontismo,
com destaque para o Conde de Burnay, fundador, entre muitas outras
empresas, da CUF, e cujo título se fica a dever aos sucessivos
empréstimos que fazia à Rainha, nomeadamente para pagar os vestidos que
usava uma única vez e depois doava ao Teatro São Carlos, para fazer
parte do guarda-roupa dos espectáculos. Seria injusto não mencionar
também a obra de caridade de Dona Maria Pia, na fundação de creches e no
auxílio às vítimas de catástrofes.
Dona
Amélia de Orleães, Princesa de França, Rainha de Portugal, bem podia
ser caracterizada como o oposto da sua antecessora, não fosse ter sido
também uma autêntica matriarca da caridade. Do seu legado fica a
fundação das cozinhas económicas, o Instituto de Socorros a náufragos, o
dispensário de Alcântara, entre outras obras de cariz cultural, como
por exemplo a fundação do Museu dos Coches, que é ainda hoje, por larga
margem, o mais visitado museu português.
A
História de Dona Amélia não foi feliz. Casou-se em 1886 com D. Carlos,
então Duque de Bragança, mas desse casamento só guarda más memórias. O
Rei era conhecido pela fama de mulherengo, o que encheu de amargura o
coração desta rainha que era, por influência literária, uma romântica, e
que via os seus sonhos de um casamento feliz esbarrarem na frieza de um
marido que via no consórcio um acto meramente político. Também D. Maria
Pia sabia das aventuras do seu marido, D. Luís, reagindo com alguma
virulência, mas que aparentemente não a mergulhavam na melancolia.
Este
drama de Dª Amélia foi só o primeiro, e quem sabe o menos dramático
enfrentou na sua vida. Assim que casou, a cidade de Paris quis
homenageá-la, oferecendo-lhe uma réplica de prata de uma caravela
portuguesa. Essa onda de entusiasmo que se fez sentir em França, levou
ao exílio do seu pai, D. Luís Filipe, Conde de Paris, então pretendente
ao trono pela linha da casa de Orleães.
Um
ano depois, em 1887, deu à luz uma menina, Dona Mariana, que não
resistiu muito tempo fora do ventre materno. Tinha então já um menino,
D. Luís Filipe, nascido nesse mesmo ano, e D. Manuel, que viria a ser o
último rei de Portugal, e que nasceu em Novembro de 1889, quando o seu
pai era Rei há cerca de 1 mês.
De
todos os dramas que viveu, o maior foi sem dúvida o que teve lugar no
dia 1 de Fevereiro de 1908, quando o seu marido e o filho primogénito
são assassinados em pleno Terreiro do Paço, sendo épica a sua atitude ao
enfrentar os criminosos com um ramo de flores que lhe tinham dado
quando desembarcou no Cais das Colunas. Esse drama marcou-a para sempre,
embora lhe tenha dado a oportunidade, que talvez gostasse de ter
noutras circunstâncias, para ser praticamente uma regente e ter o
protagonismo político que o seu marido sempre lhe negou. Em Fevereiro de
1908 D. Manuel II era um jovem de 18 anos que se preparava para entrar
para o curso de oficiais de Marinha, pelo que não tinha qualquer noção
do trabalho que o esperava. Nessa situação difícil, a rainha mostrou a
sua coragem e assumiu praticamente a condução dos destinos do país, o
que lhe grangeou ódios de estimação, já antigos no seio dos
republicanos.
Em
1910 veio o exílio, que ela conhecia tão bem, não fosse ela filha de um
pretendente ao trono, que teve que sair de França porque a filha seria
um dia rainha.
Mas
porque motivo D. Maria Pia, perdulária, esbanjadora, de feitio
sanguíneo, que terá dito um dia “que quem quer rainhas paga-as”, era
imensamente popular até pelos republicanos (só ultrapassada pelo seu
filho, Infante D. Afonso, que tinha fama de tonto) ao passo que a
discreta Dª Amélia, que nunca manifestou qualquer sinal exterior de
riqueza ou ostentação e que se dedicou à caridade toda a vida, era
vilipendiada e odiada, principalmente pelas forças mais progressistas. A
exacerbação era tanta que Eça de Queiroz foi imensamente criticado por
ter escrito umas linhas elogiosas para com a Rainha…
É este o mote que justifica o título do post. Na
minha opinião, a resposta está, nem mais nem menos, na História
europeia do século XIX, nomeadamente na fase pós revolução francesa.
Esquisito? Talvez. Mas vejamos a ascendência de ambas as soberanas,
porque creio que foram estas famílias, com um papel relevantíssimo na
França e na Itália pós napoleónica, que se encontra a chave para esse
enigma neste nosso burgo lusitano.
Comecemos
por Dª Maria Pia. Filha de Vítor Emanuel II, Rei da Sardenha e do
Piemonte, foi o primeiro Rei de Itália. A Península Italiana no século
XIX era um conjunto de Estados relativamente Independentes sem qualquer
unidade política, dos quais se destacavam a Sardenha (a norte), os
Estados Pontifícios (ao centro), e o Reino das Duas Sicilias (a sul),
para além dos pequenos ducados. Digo que alguns apenas eram
relativamente independentes, porque desde há muito que a influência
austríaca, por força da política de consórcios, se fazia sentir. Foi
precisamente por ai que se trilhou o caminho da Independência, começando
por combater os Austríacos que ainda dominavam largas parcelas do
território a norte, como Veneza e a Lombardia. Nos primórdios, essa
guerra não correu bem, levando ao exílio do Rei Carlos Alberto, avô da
Rainha Dª Maria Pia, que veio morrer no Porto, depois da derrota na
batalha de Novara.
O
seu filho, Vítor Emanuel II, aliando-se à França de Napoleão III (de
que falaremos mais adiante), e apoiado por um grande valido, Cavour,
haveria de retormar esta guerra saindo desta feita trinfante. A Sul, era
outro heroi da independência que haveria de conquistar o Reino das Duas
Sicilias, o famoso Garibaldi, dando um passo decisivo para a unidade
Italiana. Mas para se completar este ramalhete faltavam os Estados
Pontifícios, que era uma imensa parcela de território no centro de
Itália, que estavam na posse da Santa Sé. E é aqui que, na minha
opinião, reside a popularidade da Rainha Maria Pia. O exército de Victor
Emanuel II invadiu militarmente estes territórios que se encontravam na
soberania de Roma em 1870, levando o papa Pio IX, confinado ao
Vaticano, a declarar-se prisioneiro. Este momento foi uma autêntica
certidão de nascimento do Estado de Itália, e foi visto pelas forças
progressistas como a vitória do mundo secular sobre o clero, atingindo o
seu máximo representante. Por isso Vitor Emanuel II, que era um
monarca, sempre teve neste Portugal Liberal onde já se trilhavam os
caminhos da República, uma imensa aura de prestígio que foi transferida
para a sua filha, aquela menina que chegaria com apenas 14 anos a
Portugal no dia 5 de Outubro de 1862 e que por cá ficaria precisamente
48 anos.
No
caso de Dª Amélia, a história muda completamente de figura. A última
raínha era filha do Conde de Paris, Luís Filipe de Orleães, pretendente
do trono de França e neto do Rei seu homónimo, que reinou em França
entre 1830 e 1848. A casa de Orleães era um ramo menor da Dinastia
Borbon, que assumiu o trono após o desastrado reinado de Carlos X.
Após
a decapitação de Luís XVI e do processo revolucionário liderado por
Robespierre, que permitiu a ascensão de Napoleão Bonaparte, a França que
se apresentou no Congresso de Viena de 1814/1815, após o fugaz regresso
de Napoleão da Ilha de Santa Helena, restaurou a monarquia dos Borbons
na figura de um irmão do rei decapitado, que reinou com o nome de Luís
XVIII. Era um rei liberal, que percebeu que, apesar da restauração, os
tempos tinham mudado e os poderes do Rei seriam necessariamente mais
limitados. Foi um reinado relativamente pacífico, que não teve
continuidade com o seu irmão e sucessor, Carlos X, que se comportou como
um autêntico Rei Absoluto. Numa França ainda a fervilhar, houve um
levantamento popular em 1830 e este este Rei foi obrigado a abdicar do
trono. Abdicou num seu filho, mas que não foi reconhecido, passando a
coroa para a casa de Orleães, na figura de Luís Filipe, Conde de Paris.
Este monarca era de uma grande lucidez política, que se traduziu em algo
que parece à primeira vista apenas uma questão de semântica, mas que
foi determinante para se manter 18 anos no poder, apesar das constante
revoltas das diferentes facções que se digladiavam no poder, desde
legitimistas borbónicos, a napoleónicos e republicanos. Ele não se
intitulou Rei de França, mas simplesmente Rei dos franceses. Ou seja,
ele reconhecia que o poder emanava do Povo, de quem a Coroa dependia. No
meio destes tumultos, a que se associou a burguesia que ia robustecendo
o seu poder, foi afastado do trono em 1848, com a proclamação da
República, que mais tarde degeneraria, por via plebiscitária, no Império
de Napoleão III, abdicando o Conde de Paris no seu neto, também Luís
Filipe, e que foi o pai da nossa Rainha Dona Amélia.
Ou
seja, os republicanos portugueses viam D.Luís Filipe como um empecilho
para as forças progressistas e republicanas, que tentavam tornar a
França num estado avançado, e cuja luta os fascinava. Convém recordar
que naquela altura a França era o farol do mundo. A intelectualidade
portuguesa bebia avidamente tudo o que vinha de França, desde livros a
jornais (com muitos dias de atraso), pelo que as revoltas francesas
tinham uma repercussão enorme em Portugal, e seriam de certa forma
inspiradoras para as lutas domésticas que travavam..
Com
a República, após a queda de Luís Filipe, um sobrinho do antigo
Imperador Napoleão Bonaparte apresentou-se a votos, ganhando a eleição
por larga margem. Ao futuro Napoleão III, bem se podia aplicar aquela
estrofe que Camões, jocosamente, dedica a Braz de Albuquerque, filho de
Afonso de Albuquerque, Vice Rei da Índia, chamando-lhe avarento
lisonjeiro, que apenas “doce sombras apresenta”. Ou seja, o seu único
mérito era ser filho de um grande Homem, tal como Napoleão III.
No
entanto, este sobrinho de Napoleão foi eleito presidente da República e
mais tarde, por via plebiscitária, Imperador. Manteve o título até à
Guerra Franco-prussiana de 1870, onde saiu derrotado e que culminou com a
Comuna de Paris, no que foi o último sopro de chefia hereditária da
História Francesa até à data.
A
este processo assistiu o pai da Rainha Dª Amélia como um dos
pretendentes ao trono, posição sempre ingrata, seja em república, seja
em monarquia, mas ainda mais numa mescla de ambos os sistemas.
Evidentemente
que a filha do Conde de Paris trazia consigo essa impopularidade, a
quem os republicanos não poupavam nos epítetos, tentando passar a imagem
de uma rainha beata, conservadora, saudosista do antigo regime, sem que
nada se possa provar, a partir da sua conduta, do que lhe imputavam.
A
simpatia que Dona Maria Pia granjeava, pela afronta do seu pai ao papa,
antagonizava com a antipatia de Dª Amélia, filha do pretendente
monárquico ao trono de França, país que se tornou definitivamente uma
república em 1870, período em que o Partido Republicano Português
começou a ganhar protagonismo político em Portugal.
No
entanto, a dívida de gratidão que o país devia a Dª Amélia foi ainda
paga em vida, com o apoio que o país lhe deu na França ocupada, mas
sobretudo pela viagem que realizou ao nosso país no pós-guerra, onde
visitou os locais que frequentou na sua juventude, e em que foi sempre
acompanhada por banhos de multidão, cuja manifestação de afecto muito a
sensibilizara.
No
caso de Dª Maria Pia, que tal como a sua nora embarcou na Ericeira no
dia 5 de Outubro de 1910, nunca chegou a regressar à sua pátria. Talvez
um dia possam os seus despojos ocupar o lugar que lhe pertence em São
Vicente de Fora.
Apesar
de tudo o que referi sobre estas 2 mulheres, hoje ninguém discute que
foram 2 grandes rainhas, a quem Portugal muito deve.
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