Antes de mais, vou tentar informar e esclarecer os leitores com os
elementos essenciais que lhes possibilite fazer um juízo de valor abalizado
sobre o que se passou e actualmente se passa em Cabinda.
Cabinda é um território de cerca de dez mil quilómetros quadrados situado
na costa ocidental de África, encravado entre a República Popular do Congo (Congo
Brazzaville) e a República Democrática do Congo (Zaire), com cerca de 300 mil
habitantes a viver no território, pois tem havido uma grande fuga de cabindas,
isto é, de naturais de Cabinda, para os Países Africanos vizinhos, para a
Europa e para os Estados Unidos, por razões da sua injusta dependência em
relação ao Estado Angolano. Na verdade, cerca de um terço da população, para
cúmulo a sua parcela mais culta, está em diáspora por motivações políticas e
para não ser vítima de perseguições. Como se verifica, pelo mapa junto, o
território de Cabinda está separado e isolado do território angolano por uma
faixa de terreno Zairense com uma largura de cerca de sessenta quilómetros. Um natural
de Cabinda, para tratar de um qualquer serviço burocrático, em Angola, tem que
atravessar o território de um país vizinho, bem como o Rio Zaire, com todas as
dificuldades daí resultantes. Devo esclarecer que essa estreita porção de
terreno zairense é a única comunicação e acesso que a República Democrática do
Congo (Zaire) tem com o mar, acompanhando a margem Norte do curso inferior do
Rio Zaire até à foz, por onde faz o trânsito de todo seu comércio e navegação. Claro
que essas dificuldades para a população Cabinda, no acesso a Angola e aos
serviços centrais angolanos, nunca poderão ser banidas do mapa com uma
hipotética anexação e consequente integração no território de Angola. Na
verdade, o desaparecimento desse corredor Zairense é impensável. Aliás, qualquer
disputa entre Angola e o Congo-Zaire, sobre esse território, poderia despoletar
um grave conflito armado naquele continente, semelhante ao provocado pelo
Corredor de Dantzing, entre a Polónia e a Alemanha e que foi um dos detonadores
da Segunda Guerra Mundial de triste memória. Convém ainda lembrar que a
população de Cabinda sofre uma natural influência dos dois países congoleses que
fazem fronteira com o seu território, que muitos procuram para trabalhar,
falando francês a par do português e nada querendo com Angola, onde foi metida
à força pela descolonização exemplar que violentou a sua identidade e a
escravizou. Mas passemos aos antecedentes históricos :-
Como todos se lembram da boa e sólida instrução primária que os da minha idade tiveram,
Diogo Cão andou a explorar a costa ocidental de África, implantando em diversos
pontos “Padrões” com as armas portuguesas, desde os antigos Reinos de N´Goio e
de Kakongo, passando pela Costa do Marfim e atingindo regiões muito ao Sul da
Foz do Rio Zaire, com a legitimidade conferida por diversas Bulas Papais. As
relações com o Povo Cabinda foram sempre feitas pelos navegadores portugueses,
em pé de igualdade com as autoridades gentílicas, que recebiam com toda a
simpatia e abertura o clero português e os comerciantes que lá se fixavam.
Sempre foi mantido um elevado nível de respeito pelos chefes locais, a quem os
nossos Reis enviavam presentes e o penhor da consideração tida pelas suas pessoas,
instituições e autonomia. Situação esta bem diferente da que se passava com as
populações de Angola que além de se guerrearem umas às outras, capturando-se reciprocamente
para escravizar e vender a comerciantes árabes e, mais tarde, a esclavagistas
europeus, levantavam igualmente problemas quando os nossos colonos e militares
penetravam mais para o interior e se aventuravam a sair do raio de protecção costeira
e da sombra das feitorias comerciais e fortificações militares. Tal compreende-se
bem pelo facto da Etnia Cabinda ser bem diferente das múltiplas Etnias Angolanas
e nada terem em comum com as mesmas. A sua convivência espontânea com as Etnias
Angolanas, se não estivessem isoladas e separadas pelo Congo (Zaire) e pelo Rio
Zaire, não seria nenhuma e a pouca que se estabeleceria, seria certamente conflituosa
e difícil. Aliás, é bom que se saiba que, ao contrário do que alguns políticos pouco
sérios tentam propalar, os três Movimentos de Libertação de Angola que
pretendiam a independência em relação a Portugal, FNLA, MPLA e UNITA, jamais
algum dia tiveram qualquer delegação em Cabinda, não tendo nesse território
qualquer apoiante e o necessário suporte humano, nunca lá tendo sido feita
propaganda antes da independência angolana. Por outro lado, o respeito havido
entre a Nação Portuguesa e a Nação Cabinda perdurou de facto durante séculos,
com uma convivência exemplar entre a lusitana gente e os cabindas,
relacionamento esse consagrado em tratados assinados pelas autoridades
indígenas e o reino português. E esta situação acabou por ser reforçada por
motivos exógenos. Quando a Conferência de Berlim, em 1885, começou a fixar as
fronteiras dos diversos territórios coloniais, houve uma grande movimentação
das potências colonizadoras. Na costa ocidental africana, a interferência de
Sauvorgnam de Brazza e de Stanley com as suas pretensões colonialistas de espaço
vital, criou uma situação de instabilidade no Povo Cabinda. Mesmo antes de ser
publicada a Acta da Conferência de Berlim, as autoridades gentílicas quiseram
fazer um novo tratado com os portugueses, que revogasse os anteriores e que
impedisse a ocupação do seu território, pretendendo com esse novo instrumento diplomático
manter a autonomia e a liberdade de actuação, como até à data tinham tido com o
beneplácito português. Assim, temerosos que alguma ingerência na sua vida
política pudesse acontecer, apressaram-se a assinar uma petição conjunta com Portugal,
para que a conferência de representantes europeus em Berlim, reconhecesse um
tratado pelo qual Cabinda ficasse sob protectorado, tornando-se súbdita da
coroa portuguesa, como já o era de facto desde há séculos. Este tratado que então
se propunha era mais claro do que os anteriores, comprometendo Portugal a
garantir claramente à População de Cabinda o direito de dispor de si própria.
Assim seria satisfeito o pedido dos príncipes, governadores e notáveis de
Cabinda, que manifestavam o desejo de se colocarem debaixo da bandeira
Portuguesa, para se protegerem. Esse Tratado de Simulambuco, foi assinado no
lugar de Simulambuco, aos 22 de Janeiro de 1885, tendo sido aí erigido,
posteriormente, um padrão comemorativo. Portugal confirmava a autoridade dos
chefes reconhecidos pelos seus povos, segundo as suas leis, usos e costumes,
prometendo o necessário auxílio e protecção. E para afastar qualquer ideia de
anexação, chegou ao ponto de comprar os necessários terrenos para instalar os
seus serviços administrativos e edificar os seus estabelecimentos militares e
particulares, mediante o pagamento pedido pelos legítimos donos, para se
evitarem complicações futuras. Assim, obrigava-se a fazer manter a integridade
dos territórios agora colocados sob o seu protectorado, bem como a respeitar e
a fazer respeitar o direito consuetudinário do país.
Este tratado foi assinado, pelo lado de Cabinda, pelas principais autoridades
locais. Entre outras, o Rei Ibiala Mamboma, a Princesa Maria Simba Mambuco, José
Manuel Puna, que mais tarde recebeu o título português de Barão de Cabinda, o
Príncipe Iango Franque e muitas outras personalidades. Pelo lado português, o
tratado foi assinado pelo representante português, o Capitão Tenente Guilherme
Augusto de Brito Capello, comandante da corveta “Rainha de Portugal”, mandatário
do governo de Sua Majestade Fidelíssima, El-Rei de Portugal, atendendo ao
desejo manifestado pelos Príncipes de Cabinda em petição devidamente assinada.
António Moniz Palme (1ª parte) - 2012
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