O
príncipe herdeiro da coroa holandesa Willem Alexander, a Rainha
Beatriz, a princesa Margarida e o seu marido saúdam a multidão, em Haia,
no Dia do Príncipe 2010 (a 21 de Setembro).
«Para lá do conto de fadas e do “estrelato” dos membros
de famílias reais que tanto agrada às revistas cor-de-rosa, os monarcas
europeus continuam a desempenhar um importante papel simbólico: à
semelhança da Rainha Beatriz da Holanda podem servir de baluarte contra o
nacionalismo limitativo de populistas como Geert Wilders.»
Ian Buruma
«A monarquia – constitucional, evidentemente, e não despótica – tem
ainda qualidades redentoras? Os argumentos contra a manutenção de Reis e
rainhas são essencialmente racionais. Não é razoável, nestes tempos
democráticos, atribuir uma atenção especial a certas pessoas
exclusivamente na base da sua família de nascimento. Devemos realmente
admirar e amar as monarquias modernas, como a Casa britânica de Windsor,
e mais agora, simplesmente porque uma nova princesa foi extraída da
classe média?
A monarquia tem um efeito infantilizador. Basta observar como adultos
geralmente razoáveis são reduzidos a bajulações impressionantes quando
lhes é concedido o privilégio de tocar uma mão real que se lhes estende.
Nas grandes manifestações monárquicas, como o casamento real de
Londres, milhões de pessoas tecem sonhos infantis de casamentos de
“contos de fadas”. O mistério envolvendo uma imensa riqueza, nascimento
nobre e grande exclusividade é enormemente apoiado pelos meios de
comunicação globais, que fazem a promoção desses rituais.
Pode-se sempre argumentar que a digna pompa da Rainha Isabel II é
preferível à grandiloquência sórdida de um Silvio Berlusconi, de uma
Madonna ou de um Cristiano Ronaldo. De facto, a monarquia – a
britânica, em particular – vai-se reinventando através da adopção de
algumas das características mais comuns da celebridade moderna, dos
mundos do espectáculo e do desporto. E os mundos da realeza e das glórias populares sobrepõem-se muitas vezes.(…)
Infantil ou não, há uma sede profunda e partilhada de viver por
procuração a vida dos Reis, das rainhas e de outras estrelas
cintilantes. A mera qualificação dessas pessoas como extravagância
ostentadora inútil revela uma falta de perspectiva para um mundo de
sonhos brilhantes, que deve permanecer completamente fora do alcance,
pois é precisamente isso que muitas pessoas procuram nele.
Mas há um outro lado, mais sombrio, nesse desejo irresistível: o de
ver os seus ídolos arrastados na lama pelos tablóides, em mexericos
maliciosos, ante-câmaras de divórcio, etc. É o lado vingativo da
adulação, como se a humilhação da adoração dos ídolos devesse ser
contrabalançada pelo prazer perante a sua derrocada.
Submeter as pessoas que nascem em famílias reais, ou que se casam com
elementos delas, a viver num aquário, constantemente expostas, como actores ou actrizes de intermináveis telenovelas lamechas, onde as
relações humanas são deformadas e danificadas por absurdas regras de
protocolo, é uma forma terrível de crueldade. A actual Imperatriz do
Japão e a nora, ambas provenientes de famílias não-aristocráticas,
sofreram depressões nervosas por conta disso.
Monarcas dão ao povo noção de continuidade
Da mesma forma, as estrelas de cinema são frequentemente vítimas de
alcoolismo, drogas e depressão; mas pelo menos essas escolheram a vida
que levam. O que não é o caso dos Reis e rainhas. O príncipe Carlos de
Inglaterra podia ter sido muito mais feliz como jardineiro, mas nunca
teve sequer opção.
Um elemento a favor dos monarcas é que dão ao seu povo uma noção de
continuidade, o que pode ser útil em tempos de crise ou de mudanças
radicais. Graças ao Rei de Espanha, o pós-franquismo foi feito com
estabilidade e sem rupturas bruscas. Durante a Segunda Guerra Mundial, os
monarcas europeus mantiveram vivas as noções de esperança e de unidade
dos seus súbditos sujeitos à ocupação nazi.
Mas há ainda outro aspecto. As monarquias são frequentemente
populares junto das minorias. Os judeus contaram-se entre os súbditos
mais leais ao Imperador Austro-húngaro. Francisco José I defendeu-os,
quando os alemães antissemitas os ameaçaram. Segundo ele, judeus,
alemães, checos e húngaros eram todos seus súbditos, onde quer que
vivessem, do modesto “shtetl” de província às grandes capitais, como
Budapeste ou Viena. Isso ajudou a proporcionar alguma protecção às
minorias, numa época em que o nacionalismo étnico estava a crescer.
Nesse sentido, a monarquia é um pouco como o Islão ou a
Igreja Católica: todos os crentes são supostamente iguais perante Deus, o
Papa ou o Imperador – daí a atracção que exercem sobre os pobres e os
marginalizados.
Rainha acusada de ser anti-holandesa
E é também isso que permite explicar uma certa animosidade contra a
monarquia por parte de alguns populistas de extrema-direita. O dirigente
dos populistas holandeses, Geert Wilders, por exemplo, denunciou a
Rainha Beatriz, em várias ocasiões, pelo seu “esquerdismo”, o seu
elitismo e o seu multi-culturalismo. À semelhança da nova onda de
populistas por todo o mundo, Wilders promete entregar o país aos seus
seguidores, acabar com a imigração (especialmente de muçulmanos) e
devolver à Holanda o seu carácter puramente holandês, seja qual for o
significado que isso tenha. Beatriz, como Francisco José, recusa-se a
fazer uma distinção étnica e religiosa dos seus súbditos. É isso que
pretende transmitir quando prega a tolerância e a compreensão mútua.
Para Wilders e os seus apoiantes é um sinal de que ela protege os
estrangeiros, que apoia os muçulmanos. Para eles, a Rainha é
praticamente uma anti-holandesa.
Obviamente, como em todas as famílias reais europeias, as
origens da família real holandesa são muito misturadas. O surgimento de Reis e rainhas como figuras especificamente nacionais é um
desenvolvimento histórico relativamente recente. Os impérios eram
constituídos por muitas nações. A Rainha Victoria, essencialmente de
sangue germânico, não se considerava apenas a Rainha dos Britânicos, mas
também de malaios e de muitos outros povos.
Esta tradição democrática para se manter acima das tensões
redutoras de um nacionalismo étnico podem ser o melhor argumento para
manter os regimes monárquicos por mais algum tempo. Agora que
muitos países europeus estão cada vez mais misturados em termos étnicos e
culturais, resta aprender a viver em conjunto. Se os monarcas podem
ensinar isso aos súbditos, só temos de agradecer aos Reis e rainhas que
subsistem.»
fonte:presseurop
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