Decorre, até 15 de Janeiro, no Palácio Real de Madrid, a exposição La medida del tiempo. Relojes de reyes en la Corte Española del s. XVIII.
O
acervo horológico do Património Nacional espanhol está espalhado por
vários palácios, mas o núcleo principal encontra-se no Palácio Real de
Madrid.
Estação Cronográfica visitou por duas vezes esse acervo, há uma década, quando investigava para História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro 2003).
A cerimónia da Troca das Princesas, na fronteira do Caia e o coche em que viajou Maria Bárbara de Bragança
Já falou deste tema, em post anterior. E deixa aqui um excerto da obra, onde se fala de um relógio muito especial, um Elicott, que foi no dote da princesa Maria Bárbara,
filha de D. João V, aquando do seu casamento com o futuro Fernando VI
de Espanha (no episódio de 1729, no Caia, conhecido como A Troca das
Princesas, e em que a princesa Mariana Vitória, filha de Filipe V, foi
entregue para se casar com o futuro D. José):
Quadros de Maria Bárbara de Bragança e o Elicott que ela levou em dote, para Madrid
A princesa e o seu dote relojoeiro
Os
reis de Espanha, tanto os da Casa de Áustria como os da de Bourbon
mostraram sempre um grande apreço pelos relógios e em geral por todo o
tipo de engenhos mecânicos.
As
actuais colecções da Coroa espanhola dispõem de um magnífico acervo
relojoeiro, que só não é única no mundo porque os incêndios afligiram os
palácios reais (o Prado em 1604, o Escorial em 1671 e o Alcazár de
Madrid em 1734).
O
relógio mais antigo dos que se conservam na colecção é o chamado
“Candil de Filipe II”, datado de 1583, e da autoria do Relojoeiro Real
Hans de Evalo. De origem flamenga, começou a trabalhar em Madrid em 1558
e foi nomeado para o cargo em 1580 (data da unificação das duas coroas
ibéricas). Foi Relojoeiro Real até à sua morte, em 1598, e seria
interessante investigar se alguma vez se teria deslocado, durante esse
tempo, a Lisboa.
Seria
igualmente curioso saber se uma figura anterior, o lombardo Juanelo
Turriano, relojoeiro, matemático e engenheiro, chamado a Espanha a
instâncias de Carlos I, se relacionou de algum modo com Portugal ou se a
sua obra escrita (sobre engenhos e máquinas) circulou por cá. De
qualquer modo, o monarca seguinte, Filipe II, nomeia-o Relojoeiro Real
em 1562, obrigando-o a residir na Corte e com o compromisso de não fazer
obra a não ser para o rei. O historiador Morpurgo diria dele ser “o
relojoeiro mais popular que se conhece. A sua figura esteve sempre
rodeada de uma áurea de mistério”. Morreu em 1585.
Filipe
III (Filipe II de Portugal) é o primeiro monarca europeu a lançar
publicamente o desafio a quem resolvesse o maior problema da época: a
determinação da longitude no mar. O monarca oferecia um prémio de 6 mil
ducados, 2 mil mais de renda vitalícia e outros mil de ajudas de custo
para quem fosse capaz de fabricar o relógio suficientemente exacto e
resistente que “congelasse” o tempo em terra, à partida e, embarcado num
navio, o conservasse para os cálculos a bordo.
Em
1604 é nomeado “conservador” dos relógios das Casas Reais, com aposento
na Corte, um tal Claudio Gribelin. No reinado de Filipe IV (Filipe III
de Portugal) o Conde-Duque de Olivares nomeia, em 1631, um tal Guillermo
Reynaldo, de Rouan, relojoeiro da Câmara. Segue-se-lhe no cargo um tal
Juan Duque.
Em
1640, liderados pelo duque de Bragança (D. João IV), os portugueses
lançam o movimento da Restauração, readquirindo a independência como
Estado. Durante o reinado de Fernando VI de Espanha, e devido à sua
preocupação e interesse pelo fomento da Relojoaria em Espanha, assim
como pela manutenção da colecção Real, o país vizinho envia à Suíça,
França e Inglaterra vários artífices espanhóis para que estudem com os
melhores mestres.
No
rescaldo da guerra da Restauração, Lisboa e Madrid procuram, à boa
maneira da época, cimentar a paz com alianças casamenteiras. O caso de
Maria Bárbara, princesa, filha de D. João V e de sua mulher, a rainha
Maria Ana de Áustria, é paradigmático.
Nascida
em Lisboa em 1711 e falecida em Madrid em 1757, Bárbara de Bragança foi
rainha de Espanha, pelo seu casamento em 1729 com Fernando VI. Figura
interessante, era extraordinariamente culta (falava francês, alemão e
italiano, fora discípula de Domenico Scarlatti e era ela própria
compositora).
O
casamento de Bárbara com Fernando foi contratado quase ao mesmo tempo
em que se tratou o do príncipe herdeiro português, D. José, com a
princesa D. Maria Vitória, filha, tal como Fernando, de Filipe V de
Espanha. Deliberou-se que se trocariam as duas noivas e, efectivamente,
D. João V e a mulher acompanharam a filha até à fronteira alentejana,
enquanto os monarcas espanhóis acompanharam até à Estremadura a futura
mulher de D. José.
Segundo
os relatos da época, a cerimónia da troca de princesas, casadas com os
herdeiros das duas coroas, efectuou-se com grande pompa. D. João V
mandou mesmo construir o palácio de Vendas Novas, que ainda hoje existe,
com o único fim de dar pousada durante duas noites, uma à ida e outra à
volta, às comitivas portuguesa e espanhola. Magnificências à custa do
ouro do Brasil...
O
enxoval de Bárbara foi “grandioso e deslumbrante”. Talvez por se saber
do gosto particular do futuro Fernando VI em relação à relojoaria, entre
os presentes da Corte portuguesa à Corte espanhola estava um precioso
relógio, encomendado a um dos mais famosos mestres do seu tempo, o
britânico John Ellicott.
Trata-se
de um relógio de caixa alta, em ébano, com decoração de bronzes
cinzelados e dourados. O mostrador, metálico, com aplicações de bronze,
com ponteiro dos segundos na parte superior, tem funções de equação do
tempo, indicação de dias, noites e calendário lunar, abóbada celeste,
além de calendário mensal, tempo solar, nascer e pôr-do-sol e fases do
Zodíaco. Com todas estas indicações em português, este “regulador” tem
corda para oito dias, escape de âncora e pêndulo compensado, o que faz
dele uma das mais preciosas peças que ainda hoje se podem ver entre as
Colecções Reais da Coroa espanhola.
Para
terminar estas breves informações sobre a relojoaria nas ligações entre
as casas reais ibéricas, de salientar que, em 1818, um tal Blas Munoz
era nomeado Relojoeiro de Câmara da rainha Isabel de Bragança. Filha de
D. João VI e de D. Carlota Joaquina, casou em 1816 com Fernando VII e
morreu ao dar à luz, no El Pardo, dois anos depois. A confusão
casamenteira persiste: escassos anos depois dá-se a instalação no
Palácio Real de Madrid de D. Maria Teresa de Bragança, irmã de Isabel e
que casou com o herdeiro espanhol, Carlos de Bourbon e, por morte deste,
com o herdeiro seguinte, Carlos Maria Isidoro. Jerónimo Woolls é
nomeado relojoeiro da Câmara, ao seu serviço.
Tudo isto indicia a importância que as cortes de Lisboa e Madrid davam aos relógios.
Fonte: Estacão Chronographica
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