por Mário Casa-Nova Martins
Conviria lembrar que os factos
ocorridos em 1 de Dezembro de 1640 não aconteceram por acaso.
Recorrendo a Vitorino Magalhães Godinho, em 1580 a coroa
portuguesa foi usurpada à casa a que pertencia de juro e
herdade, o ducado de Bragança, por Filipe II de Espanha. Os
seus sucessores Filipe III e Filipe IV retiveram-na ilegalmente. Tal
retenção não cria com o tempo, por prescrição,
direito, e por isso não invalida, mero acto de força
como é, a legitimidade dos duques a fundarem dinastia régia.
Trata-se, portanto, fundamentalmente, de restituir o seu a seu dono,
anulando a usurpação ocorrida sessenta anos antes, a
fim de colocar no trono o único legítimo pretendente. A
união dinástica fizera-se pela força, mas
jurando os monarcas espanhóis respeitar as leis, foros e
costumes do Reino de Portugal, cuja coroa ficaria unida na mesma
cabeça às coroas castelhana e aragonesa, mas cujo
senhorio permanecia independente. Porém, já o próprio
Filipe II de Espanha começou a faltar aos compromissos
jurados, o seu sucessor resvalou para a tirania, na qual caiu sem
rebuços Filipe IV. Situa-se por alturas de 1620 a mudança
radical que tende a apagar os privilégios do Reino de Portugal
e a levá-lo, para além da unidade dinástica, à
unificação institucional. Portanto, os Conjurados de
1640 visam o regresso à forma legítima de Estado e
Governo anterior a 1580, ou pelo menos a 1620, pondo termo à
tirania, em que tinham soçobrado os soberanos da dinastia
espanhola.
A historiografia durante o
período filipino desempenhou papel fundamental na preservação
da Identidade Nacional. A importância dos Jesuítas, dos
Crúzios e dos Cistercienses, através da palavra e da
escrita, foi determinante para que as elites mantivessem bem viva a
ideia independentista. De facto, seguindo Hernâni Cidade, o
«sentimento autonomista» passou a iluminar o quadro
histórico-cultural dos Filipes. O orgulho nacional exprimiu-se
num labor «inconsciente» que, pelos anos de 1620-1630, se
transformou em formas de «resistência» literária,
na constante evocação dos heróis antigos e dos
fastos seculares da Pátria. A «Monarchia Lusitana»
é a obra mais notável desse tempo, fruto do labor dos
Monges de Alcobaça, e é a primeira tentativa de uma
história integral da Nacionalidade, buscando as raízes
de Portugal e as linhas dessa continuidade histórica. Dividida
em oito partes, começa por defender a identidade étnica
e territorial de Portugal e da Lusitânia e descreve a
corografia e a história desta desde a criação do
mundo até à morte de Pedro I. Frei Bernardo de Brito,
Frei António Brandão, Frei Francisco Brandão e
Frei Manuel dos Santos foram os seus obreiros, e Alcobaça
transformou-se no principal centro da autonomia cultural portuguesa.
Como escreve Veríssimo Serrão, inspirada pela realeza
filipina, a «Monarchia Lusitana» cumpriu o mesmo papel
nas horas difíceis da Restauração, animando os
espíritos na sobrevivência da Pátria.
*
Nas vésperas do 5 de
Outubro de 1910, as correntes contrárias à Monarquia
desenvolveram inúmeras e contínuas campanhas culturais,
fundamentalmente a partir do Ultimato, com o objectivo de divulgar a
ideia republicana. António Ventura, na sua obra, «Anarquistas,
Republicanos e Socialistas - As convergências possíveis»,
estuda a actuação destas correntes de pensamento entre
1892 e 1910 na luta contra o regime monárquico, e é
permanente a tentativa de formarem elites culturais que venham a
permitir conquistar o poder político, como, aliás, veio
a acontecer. Enquanto os políticos do Rotativismo se
entretinham em estéreis debates nas Cortes e a promoverem
eleições caciqueiras, sucediam-se no campo adverso à
Causa Monárquica a publicação de jornais, livros
e panfletos, a tradução de obras doutrinárias em
voga, conferências e a constituição de
associações cívicas. A Monarquia foi perdendo o
apoio das elites e, não seria despiciendo dizer-se que, por
aquela época, Portugal era uma Monarquia sem monárquicos.
*
Durante a Primeira República,
foi importante, se não mesmo fundamental, o contributo
doutrinário do Integralismo Lusitano para manter bem vivo o
Ideal Monárquico. Ao falar das suas origens, escreve Jacinto
Ferreira no livro «Integralismo Lusitano - Uma doutrina
política de ideias novas»: _ Conta Hipólito
Raposo que, logo a seguir ao aparecimento do primeiro número
da «Nação Portuguesa», tendo encontrado no
Chiado o seu amigo Dr. Coelho de Carvalho, que por sinal era
republicano, este lhe disparou o seguinte discurso referido à
revista que trazia na mão: _ “Com a minha autoridade de
republicano, quero dizer-lhe, meu amigo, que nenhuma incursão
ainda a República pôs em perigo, e todos os impulsos
desse género só têm servido para afervorar e
exaltar as várias espécies dos seus defensores. Mas o
perigo verdadeiro aparece agora, aqui, nesta nova orientação
de combate. Não se derrubam árvores atirando pedradas
aos ramos; apenas cairão algumas folhas. O primeiro ataque
sério à República, vejo-o eu nestas linhas. É
o machado a dar golpes na própria raiz do sistema”.
O Integralismo Lusitano foi um
movimento político, e é uma doutrina política e
social. Surge numa época de aguda crise do Estado, fruto de
outra mais profunda, a crise do Homem, e a sua primeira geração,
a de 1914, exerceu um esforço no sentido de definir o poder
político e a sua actividade própria. De raiz humanista,
era contrário a um nacionalismo fechado e totalitário;
oposto ao nominalismo, era tradicionalista, e tinha um limite e uma
regra, a doutrina católica sobre o Homem, daí estar
aparentado ao catolicismo social.
*
O marxista António
Gramsci defendia que para se alcançar o poder político,
primeiro tinha que se conquistar o poder cultural. Por altura em que
estas palavras foram proferidas, os Monárquicos Portugueses
tinham no ano do Duplo Centenário a 1.ª Semana de Estudos
Doutrinários, a que se seguiriam mais duas nos anos seguintes.
A publicação dos documentos que as duas primeiras
semanas produziram, foi importantíssima para a reformulação
do pensamento monárquico. A doutrinação neles
contida, teve farta aplicação no processo da sucessão
de Óscar Fragoso Carmona, e durante o congresso da União
Nacional nos finais de Novembro de 1951 em Coimbra, onde se colocou a
questão do regime. Pena é, de acordo com o
neo-integralista Henrique Barrilaro Ruas, que exista toda a
documentação da terceira semana, e se aguarde há
quase seis décadas a publicação.
Ainda durante a vigência
da Segunda República, publicou-se durante os anos de 1949 e
1960 a revista «Cidade Nova», que exerceu uma influência
profunda no pensamento português da época. Uma nova
geração de pensadores monárquicos encetou um
caminho, aberto pelas Semanas de Estudos Doutrinárias, que
iria desembocar numa reestruturação político-ideológica
das correntes do movimento monárquico.
*
Por sua vez, já em plena
Terceira República, as conferências no Grémio
Literário, que decorreram entre 2 de Novembro e 14 de Dezembro
de 1982 e de que resultou a edição do livro «Estudos
sobre a Monarquia», contribuíram para que a ideia de
Monarquia entrasse na modernidade. A longa introdução é
como que o «ponto da situação» da praxis
monárquica ao tempo das conferências. Os textos dos
conferencistas e o debate subsequente, geraram a doutrina que tem
acompanhado novas gerações monárquicas, porque
lançaram sementes de forma que as elites actuais conheçam
e aceitem o Ideal. Agora, falta definir a Monarquia dos próximos
século e milénio.
*
A par destas realizações
de carácter cívico, a edição livresca tem
sido uma actividade importante, se bem que irregular. As obras das
Edições Gama, da Biblioteca do Pensamento Político,
ou das Edições Cultura Monárquica, formaram as
consciências de muitos monárquicos, para quem a cultura
é uma arma de arremeço por excelência.
*
Em Bergson, o homem completo é
aquele que pensa como homem de acção e age como homem
de pensamento. O futuro de Portugal dependerá, sempre, do que
as suas gentes quiserem. Para que no tempo futuro o sistema
monárquico regresse a Portugal, como todos nós
desejamos, há que formar elites culturais. Depois de ganha a
batalha da cultura, a Monarquia poderá voltar e florescer.
*
Um Futuro promissor para
Portugal, será um Portugal Monárquico que crie riqueza
para o Povo, que fomente a justiça social, e que o novo Rei
seja a esperança da Nação que neste século
festejará o nono centenário de uma independência
conquistada pelo Rei Fundador, e perpetuada pelos sucessores.
Portugal terá que ser uma
Monarquia Constitucional, em que o primeiro Rei da Quinta Dinastia
será escolhido pelo Povo.
Bibliografia
Dicionário de História de Portugal - Direcção
de Joel Serrão
Estudos sobre a Monarquia - Conferências no Grémio
Literário, Lisboa 1984
Ferreira, A. Jacinto - Integralismo Lusitano, uma doutrina política
de ideias novas, Lisboa 1991
Monarchia Lusitana - Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1973-1989
I Semana de Estudos Doutrinários - Discursos, Teses e
Intervenções, Coimbra MCLX
II Semana de Estudos Doutrinários - Discursos, Teses e
Intervenções, Coimbra MCLXI
Ruas, Henrique Barrilaro - A Liberdade e o Rei, Lisboa, 1971
Serrão, Joaquim Veríssimo - História de
Portugal, Verbo
Ventura, António - Anarquistas, Socialistas e Republicanos em
Portugal, As convergências possíveis (1892-1910),
Lisboa, Junho de 2000
Fonte: Alameda Digital
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