A
primeira grande história das 32 rainhas consortes de Portugal, em 18
volumes escritos de raiz por 28 especialistas de vários países, teve a
coordenação de Isabel dos Guimarães Sá, professora do Departamento de
História da Universidade do Minho, e de Ana Maria Rodrigues e Manuela
Santos Silva, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Intitulada
“Rainhas de Portugal”, esta é uma colecção editada pelo Círculo de
Leitores onde se revela ao grande público o lado feminino dos oito
séculos da monarquia portuguesa, colmatando silêncios da historiografia
tradicional, sempre mais atenta aos homens.
O projecto teve início em 2005 e desde o passado mês de Outubro que foram
editados seis livros, saindo os restantes à média de um por mês. «A
inovação foi, sem beliscar o rigor científico, centrar o olhar nas
rainhas, dar-lhes “corpo e carne”, pois apesar da sua subalternidade
muitas eram resistentes e sempre prontas a resolver contratempos», diz
Isabel Sá. Assim, a colecção traz uma perspectiva diferente da conhecida
na escola, nos filmes e jornais, sem tornar as rainhas em poços de
vícios ou modelos de virtudes.
Para
tal, a coordenadora sublinha que foram utilizadas fontes até hoje pouco
exploradas, que revelam falsas imagens, ligações de bastidores e as
entrelinhas das linguagens formais dos afectos. Houve monarcas marcantes
como a educadora D. Filipa de Lencastre, a diplomata D. Isabel de
Aragão, a polémica D. Carlota Joaquina ou a mal amada D. Amélia, às
portas da revolução republicana. Nem sempre a imagem que ficou lhes fez
justiça e o imaginário sobrepõe-se, como a “santa” D. Isabel de Aragão, a
“aleivosa adúltera” D. Leonor Teles e a “vaidosa” D. Maria Pia.
«Algumas
rainhas estavam “encomendadas” antes de nascer, destinadas a procriar
para continuar a dinastia em que se integravam. A sua principal função
era dar à luz crianças viáveis para trocar no mercado matrimonial, pois a
educação e amamentação destas era muitas vezes feita pelas amas e aias.
O casamento era por isso um negócio de aliança político-económica, pelo
amor à diplomacia; em geral os noivos só se conheciam na cerimónia»,
resume Isabel Sá.
E
se D. Maria de Aragão teve dez filhos, houve casos sem descendência efectiva, como D. Estefânia de Hohenzollern, que faleceu supostamente
virgem aos 22 anos, D. Leonor de Lencastre, cujo filho morreu num
acidente de cavalo, e D. Catarina de Áustria a quem só dois de nove
filhos atingiram a adolescência e morreram antes dos 20 anos. Ainda
assim, D. Joana, filha de D. Afonso V, recusou vários noivos e D. Isabel
de Castela só casou com D. Manuel I depois de este expulsar os judeus
do reino. «Além do número de filhos, o poder da rainha dependia do sexo
destes, da influência da família de origem, da sua fortuna, capacidade
diplomática e da conjuntura transnacional», explica.
Foi
o que sucedeu com D. Leonor de Lencastre, mulher de D. João II, com
apenas um filho e acamada muitos anos após uma doença grave em 1494, mas
que era poderosa e rica. «Ela era uma Avis do ramo Viseu-Beja, que
detinha a Madeira, o maior centro de produção de açúcar que exportava
para toda a Europa no século XV», elucida a historiadora. «Os seus laços
familiares com Castela chegaram a ser mais fortes do que com o rei de
Portugal, o que teve uma influência decisiva na nossa História
dinástica. Quando o herdeiro morreu, D. João II queria um bastardo no
trono mas D. Leonor fez manobras diplomáticas junto dos Reis católicos e
da Santa Sé para o impedir. Os documentos não o dizem ipsis verbis, mas
percebe-se. Castela não queria o bastardo e tinha o exército a postos
para intervir se fosse necessário. Foi o triunfo dos Beja», conta,
realçando que esta nova leitura deve-se ao cruzar das fontes
transnacionais.
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