Sessão
solene da proclamação da Restauração da Monarquia na varanda dos Paços
do Concelho de Viana do Castelo, a 20 de Janeiro de 1919, fez agora 93
anos.
A
14 de Dezembro de 1918 o major Dr. Sidónio Bernardino Cardoso da
Silva Pais, Presidente da República Portuguesa, foi assassinado a tiro,
ao badalar da meia-noite. A partir daqui tudo se complicou e precipitou,
quase às claras. A 13 de Janeiro de 1919 estoura em Santarém uma
rebelião militar republicana, prontamente esmagada pelo general Fernando
Tamagnini de Abreu e Silva e pelo Ministro da
Guerra, tenente-coronel José Alberto da Silva Basto. O poviléu, atrito e
gemebundo, assistia a tudo de olho esbugalhado fora da órbita.
Logo
de seguida, num domingo radioso de sol, eclodiu a revolta monárquica na
cidade do Porto, «agora ou nunca». Durante a parada militar do Monte
Pedral, com contingentes de Infantaria, Cavalaria, Artilharia,
Metralhadoras e da Guarda Nacional Republicana, às 13 horas do dia 19 de
Janeiro de 1919, foi desfraldada a bandeira azul e branca, por entre
vivas a Portugal, à Monarquia, ao Exército e a El-Rei Dom Manuel II,
tudo sem disparar um único tiro.
Secundada
por outros movimentos sediciosos, rapidamente levaram à proclamação
da Restauração da Monarquia e a instauração da Junta Governativa do
Reino de Portugal sob a presidência de Henrique de Paiva Couceiro, que
exerceu, na realidade, o poder nas províncias do Minho, Douro,
Trás-os-Montes, parte da Beira Alta e da Beira Litoral até à linha do
Vouga.
Formou-se um ministério, o Governo Nacional, com figuras gradas e espírito couraçado com as razões celestes:
Coronel Henrique Mitchell de Paiva Cabral Couceiro como Ministro da Presidência, Negócios da Fazenda e Subsistências;
Capitão de Cavalaria António Adalberto Sollari Allegro, Ministro dos Negócios do Reino;
Dr. Júlio Girão Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho), Ministro dos Negócios Eclesiásticos, Justiça e Instrução;
Coronel João de Almeida, Ministro da Guerra, Marinha e Comunicações;
Conselheiro dr. Luís Cipriano Coelho de Magalhães, Ministro dos Negócios Estrangeiros;
Coronel eng.º Artur da Silva Ramos, Ministro das Obras Públicas, Correios e Telégrafos;
Dr. Pedro de Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo), Ministro da Agricultura, Comércio, Indústria e Trabalho.
O coronel
João de Almeida, comandante militar de Aveiro, nunca chegou a tomar
posse e não tardou a desmarcar-se da«restauração monárquica na presente
conjuntura». Tal motivo originou a redistribuição das pastas
ministeriais.
A Junta
Governativa do Reino de Portugal tentou reorganizar a administração do
território nomeando governadores civis para diversos distritos, cujas
posse decorreram, na maioria dos casos, a 20 de Janeiro:
Tenente-coronel Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde) para o distrito do Porto;
Major Martinho José Cerqueira para Viana do Castelo;
Major Egas Ferreira Pinto Basto para Aveiro;
Capitão Arnaldo Ribeiro de Andrade Piçarra para Braga;
Tenente-coronel Carlos Leitão Bandeira para Bragança;
Capitão Victor Alberto Ribeiro de Menezes para Coimbra;
António de Sampaio da Cunha Pimentel para Vila Real;
Tenente-coronel Patrício Xavier de Almeida e Brito para Viseu;
Dr. António Maria de Sousa Sardinha para o distrito de Portalegre;
Coronel Firmino Teixeira da Mota Guedes como governador militar de Braga.
Ao
mesmo tempo revogou inúmera legislação aprovada pelo fervor republicano
desde Outubro de 1910, criou um órgão oficial, restabeleceu os símbolos
da Monarquia Constitucional, a bandeira, o hino, a moeda, os selos,
os feriados, a Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa de 1826 e
reintroduziu o Código Administrativo de 1896.
O Diário
da Junta Governativa do Reino de Portugal, logo no seu primeiro número
publicado a 19 de Janeiro, despachou os decretos que restabeleceram
a bandeira com as cores reais, o Hino da Carta e revogou «toda a
legislação promulgada desde 5 de Outubro de 1910». Entrementes,
prosseguiu o afã legislativo da Junta Governativa do Reino de Portugal,
com o estabelecimento do livre-trânsito dos géneros alimentícios e a
regulação de preços.
Os
oficiais, militares e funcionários que tinham sido saneados após o 5 de
Outubro foram readmitidos, promulgou uma amnistia para os exilados
políticos. À frente da Divisão Militar do Porto foram mantidos
o coronel João Gomes Espírito Santo e o capitão António Maria Homem
de Sampaio e Mello. A maioria esmagadora das autarquias do
Entre-Douro-e-Minho aceitou o facto consumando sem perturbação da ordem e
proclamou a Monarquia, sem haver necessidade de nomear novas vereações.
Ainda a 19 de Janeiro a restauração da Monarquia foi solenemente
proclamada emViseu, São Pedro do Sul, Lamego e em Braga.
A 20
de Janeiro de 1919 o dr. José Maria Nogueira, que já era presidente
da Câmara Municipal de Paredes de Coura, aclamou a mudança do regime em
sessão solene realizada nos Paços do Concelho. Com mais ou menos
entusiasmo, e por entre vivas ao Rei e estralejar de fogo-de-artifício, a
bandeira azul e branca foi içada em Ponte da Barca, Ponte de Lima,
Arcos de Valdevez, Melgaço, Vila Nova de Cerveira, Caminha,
Guimarães, Barcelos, Vieira do Minho, Fafe, Póvoa de Lanhoso, Cabeceiras
de Basto, Esposende e demais localidades minhotas, reconhecendo ipso
facto a mudança de regime.
As
únicas excepções registaram-se em Viana do Castelo e Valença do Minho,
devido à forte presença de guarnições infectadas pelo credo republicano.
Formou-se em Braga uma intrépida coluna militar comandada
pelo capitão António de Sá Guimarães Júnior, acompanhado do major
Martinho José Cerqueira, governador civil indigitado, e
pelo coronel Alfredo Ernesto Dias Branco, comandante militar da cidade
do Lima, marchou para o Alto Minho e impôs a instauração da Monarquia
em Viana do Castelo, ainda a 20 de Janeiro, e em Valença no dia
imediato, sem encontrar, afinal, qualquer resistência ou disparar um
cartucho. Contudo, a 22 de Janeiro, as canhoneiras da Marinha
republicana bombardearam a cidade de Viana do Castelo e Vila Praia de
Âncora, acto intimidatório, para inglês ver.
De
seguida a «coluna relâmpago» do capitão Sá Guimarães marchou para o
Nordeste e proclamou a restauração da realeza em Vila Real (24 de
Janeiro) e em Vidago (30 de Janeiro) e, quando planeava atacar Chaves,
retrocedeu primeiro para Mirandela, onde já fora antes restaurada a
República, e ali sofreu o primeiro revés, sendo gravemente ferido.
A
Coluna Militar Mista do Sul, comandada pelo tenente-coronel de
Artilharia João Carlos da Cunha Corte-Real Machado partiu do Porto a 22
de Janeiro e proclamou a Monarquia em Ovar (23 de
Janeiro), Estarreja e Albergaria-a-Velha (24 de Janeiro), sendo travada
às portas de Águeda, exaurida de reforços, munições, calçado e pitança.
Por
isto ou por aquilo, a Monarquia nunca foi instaurada na região Centro
do País, o que tornou muito difícil a sua sobrevivência. Somente a 22 de
Janeiro de 1919 a rebelião alastrou a Lisboa, com as tropas monárquicas
e civis comandados pelo conselheiro Aires de Ornelas e Vasconcelos a
acantonarem-se no reduto da serra de Monsanto, donde foram desalojados
após violentíssimos combates e gritaria da turba espavorida, que ditaram
a derrota monárquica na capital, a 24 de Janeiro. A rebelião no Sul
fracassara perante a Escalada de Monsanto, sem rei nem roque.
Para
operar na Régua e Lamego foi enviada a coluna monárquica capitaneada
pelo major Joaquim César de Araújo Rangel, depois transferido para
Trás-os-Montes e ali substituído pelo tenente-coronel Augusto de Sousa
Dias, porém, já não era possível sustar o açoite das forças republicanas
por muito tempo, a mata-cavalo por trancos e barrancos. A 10 de
Fevereiro, apesar do denodo praticado, os republicanos conquistaram
Lamego.
A Coluna
Mista do Norte, agora liderada pelo major Joaquim Rangel, marchou em
direcção a Mirandela, trupe que trupe, depois de receber informações que
reforços republicanos iam de rota batida a caminho de Vila Flor. A 9 de
Fevereiro de 1919 iniciou-se o feroz combate pela travessia do rio Tua e
tomada de Mirandela, nove horas a ferro e fogo e terminou num feroz
assalto corpo a corpo nas vielas da localidade, ao cair da noitinha. Com
pesadas baixas de ambos os lados, a bandeira real foi ali novamente
hasteada. No dia seguinte a Monarquia foi proclamada em Vila Flor, por
meio de montes fragosíssimos.
Vitoriosos
em Lisboa, os republicanos e o Governo da República apertaram o cerco,
mobilizando voluntários civis e colunas militares comandadas
pelos generais Abel Hipólito e Alberto Mimoso da Costa Ilharco em marcha
forçada com destino ao Norte do País. Depois de fugazes escaramuças e
recontros, em especial em Águeda e em Angeja, a breve Guerra Civil iria
terminar com a derrota da hoste monárquica, com numerosos actos de
valentia de parte a parte.
Os
republicanos reocuparam Estarreja (11 de Fevereiro) e Oliveira de
Azeméis e Ovar (12 de Fevereiro), e os combates prosseguiam ainda
na Ponte de Entre-os-Rios e Paços de Ferreira. Apesar dos últimos
esforços na frente de batalha em Lamego e no Vouga de Paiva Couceiro,
esforçado paladino dos seus ideais, com tão parcos meios e sem bocado de
pão para trincar pela soldadesca, a defesa da Monarquia e do Porto era
caso de extrema complexidade, percebeu de salto que a causa estava
perdida. A manta era curta, destapava os pés quando cobria a cabeça.
Porém,
a Monarquia do Norte ainda persistiu até 13 de Fevereiro, altura em que
o capitão de Cavalaria João Maria Ferreira Sarmento Pimentel e
o capitão de Infantaria Jaime Rodolfo Novais e Silva, com razões
astutas, restauraram a República na cidade do Porto, aproveitando a
ausência de Paiva Couceiro e de Sollari Allegro, o que precipitou a
marcha dos acontecimentos, ainda com alguns focos esporádicos de
resistência monárquica aqui e ali. Aos poucos e pouco, fruto da enorme
diferença de recursos, o sonho desmoronou-se e a bandeira rubra e verde
foi alçada nas demais localidades.
Ainda
a 13 de Fevereiro as forças realistas abandonam Vila Flor, a 14
deixaram Mirandela, retirando em direitura a Bragança. A 17 de
Fevereiro foi arvorada o pendão republicano em Vila Real e no dia
seguinte terminou a resistência monárquica em Macedo de Cavaleiros. A 19
de Fevereiro de 1919, o conselho de oficiais decidiu abandonar
Bragança, o ultimo bastião da Monarquia, e o major Joaquim Rangel, na
companha de dez oficiais, cinquenta civis e alguns labregos, atravessou a
fronteira e no meio das maiores dificuldades entrou em Espanha a 20 de
Fevereiro, depois de andanças por franças e araganças, a descrer da
graça divina da Restauração.
Curiosamente,
somente a 23 de Fevereiro de 1919 a República foi reimplantada nos
Paços do Concelho de Paredes de Coura graças ao major
Inácio Soares Severino de Melo Bandeira, comandante do 3.º Batalhão do
Regimento de Infantaria de Valença, e ao capitão Antero Moreira da Rosa
Alpedrinha, administrador do concelho de Paredes de Coura.
Consumada
a derrota azul e branca, eis a leva de presos, represálias de monta,
alguns assassinatos esporádicos a enviar monárquicos de presente ao
Diabo, saneamento de oficiais, expulsão de funcionários, toda a série
de «morras» e«mata» da folia rude da populaça urbana de Lisboa e Porto e
mais partes-gagas. As enxovias dos cárceres de Lisboa (Penitenciária,
Trafaria, Limoeiro, Lazareto e Forte de S. Julião da Barra), Porto
(Aljube e Casa da Reclusão), Funchal, Coimbra, Braga, Ponte de Lima,
abarrotaram até ao tecto.
Foram
criados o Tribunal Militar Especial de Santa Clara(Lisboa) e o Tribunal
Militar Especial de S. Bento (Porto) que julgaram dois mil arguidos
civis e militares, em julgamentos que se prolongarem até 1921, com
muitas sentenças cochichadas ao ouvido e sobrolho carregado, o látego a
fustigar a canalha talassa. Ao mesmo tempo procedeu-se a um vasto
saneamento da corporação militar com a expulsão de quinhentos oficiais
das Forças Armadas. A República topava inimigos a cada passo, até num
sorriso alarve.
O major
Martinho Cerqueira, governador civil do distrito de Viana do Castelo na
Monarquia do Norte, o capitão Benjamim Gomes de Amorim, natural
de Arcos de Valdevez, e o sargento de Artilharia Manuel da Mota, de
Viana do Castelo, foram condenados a seis anos de prisão maior celular,
seguidos de dez anos de degredo ou à pena única de vinte anos de
degredo. O padre Domingos Pereira, cabecilha que em Cabeceiras de Basto
desfiava padres-nossos enquanto sustinha o arcabuz da guerrilha, foi
condenado a tanta soma de anos, quatro em prisão maior celular, seguidos
de oito em degredo, ou a quinze anos de degredo opcional.
O alferes
Gualdino Ribeiro Guimarães de Passos, natural de Padornelo (Paredes de
Coura), foi punido com quatro meses de prisão por despacho de 15 de
Agosto de 1919, decisão que contudo foi anulada por despacho de 4 de
Janeiro de 1920,«por não provada por unanimidade» as acusações
de «tentar restabelecer a forma de Governo Monárquico em Portugal».
Revogada em termos administrativos, depois de ter cumprido a punição.
O
dr. António Antas de Barros, de Paredes de Coura, detido no Porto a 14
de Fevereiro de 1919 pelo seu envolvimento na Restauração Monárquica,
foi pendurado de cabeça para baixo na Ponte Dom Luís e intimado com
risco de vida a gritar “Viva a República”. Não se mostrou manso nem
cordato e respondia sempre, com brios de bizarria e durante horas, com
um heróico e contumaz “Viva o Rei!”. Moídos de tanta berraria, o
homúnculo não cedia pela alma do Demo, foi atirado dois anos agrilhoado
para o fundo do calabouço em Ponte de Lima.
António
Domingos Teixeira Pinto e António de Oliveira Lima, ambos do concelho
de Coura, alistaram-se igualmente sob o estandarte real, a satisfizer o
dever sagrado dos seus ideais, com louváveis assomos de coragem.
Obviamente, estes casos são tão-só evocativos e não esgotam a questão.
Do
Alto Minho, entre outros, participaram na Monarquia do Norte o Manuel
dos Passos Couta Viana, de Viana do Castelo, comandante duma bateria de
artilharia em Monsanto, preso que foi no Forte de Monsanto e
sucessivamente transferido para o Lazareto de Lisboa e depois para o
Lazareto do Funchal, sendo de seguida demitido do Exército. João
Espregueira da Rocha Páris, de Viana do Castelo, foi obrigado a
exilar-se pelo seu papel na restauração monárquica. No rescaldo da mesma
foram enclausurados, condenados ou saneados o poeta António de
Cardielos e o eng.º José Alves Bonifácio, de Castelo de Neiva. O dr.
Francisco de Abreu Pereira Maia, de Ponte de Lima, teve homiziado na
Galiza durante anos.
Em
Abril de 1920 o Tribunal Militar Especial, por entre alarido das
trombetas, condenou os réus da Junta Governativa do Reino que estavam
detidos, o conselheiro Luís de Magalhães, Visconde do Banho, Conde de
Azevedo e coronel Silva Ramos, a quatro anos de ferros em penitenciária e
a oitos anos de degredo, ou, em alternativa, a quinze anos de degredo
para as possessões ultramarinas.
Outrossim,
em Dezembro de 1920, os réus julgados à revelia e que haviam integrado a
mesma Junta Governativa do Reino, no caso de Paiva Couceiro e Sollari
Allegro, foram sentenciados a oito anos de prisão maior, seguidos de
doze anos de degredo, ou, em alternativa a 25 anos de deportação nas
colónias.
A
lei de 9 de Abril de 1921 aprova uma amnistia para crimes políticos.
Contudo, por decreto 29 de Abril de 1921, tais e tais, ficam proibidos
de residir em território nacional pelo prazo de oitos anos, acusados de
conspiração monárquica, que se viram excluídos do indulto:
Comandante Henrique Mitchell de Paiva Couceiro;
Capitão António Adalberto Sollari Allegro;
Padre Domingos Pereira;
Capitão António de Sá Guimarães Júnior;
Capitão Arnaldo Ribeiro de Andrade Piçarra;
Inspector José Baldaque Guimarães;
Aspirante Rogério Pais da Cunha Prelada;
Coronel António Teixeira da Rocha Pinto;
António Rodrigues.
Assim
terminou um dos episódios mais marcantes da história política e militar
do século XX português, a consumar o fado vesgo do destino, enquanto os
passarinhos chilreavam recados na natureza, a dar ouvidos ao canto da
sereia.
Fonte: Jofre de Lima Monteiro Alves
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