Um dos fantasmas que assola muitas mentes é que a monarquia ou mais
propriamente o princípio hereditário pretende cumprir o desígnio do
chamado direito divino no qual segundo S. Paulo todo o poder vem de Deus
e como tal os monarcas legitimam o seu poder daí. Apesar da fórmula
“Pela Graça de Deus” ainda se manter na coroação de alguns monarcas o
direito divino cedo começou a ser desmantelado no mundo católico. Foi S.
Tomás de Aquino, o primeiro santo da Igreja a aplicar princípios
racionais à fé cristã, quem primeiro declarou o direito divino do povo
em substituição ao dos reis. “Omnis potestas a Deo per populum”, i.e.
todo o poder origina de Deus através do seu povo. Ou seja os monarcas
reinam pela vontade e consentimento do seu povo ou dos seus
representantes. Na época da reforma protestante surge um retrocesso
agostiniano que fortalece e centraliza o poder político nos monarcas
absolutos (especialmente os franco-germânicos). Por consequência na
contra-reforma católica surge uma tentativa de limitar o poder político
temporal do monarca pela Igreja católica que se pugnava como veículo de
comunicação entre o povo e Deus legitimando ou desautorizando o poder
real.
É por este motivo que a monarquia portuguesa sempre foi progressiva
em tentar reunir consensos pelas Cortes e ao serem aclamados os seus
reis desde 1640. Os ímpetos absolutistas começam no reinado de D. Pedro
II e acabam com D. José e em parte devem-se a influências do espírito
iluminista que tentava impôr uma clara visão hierárquica da sociedade.
Assim sendo na época moderna, o princípio hereditário e da primogenitura
são só isso mesmo – princípios, guiadores mas subjacentes ao interesse
nacional – sem qualidade axiomática ou base legítima senão a
aleatoriedade natural do nascimento que não pode ser pervertida ou
corrompida a favor de facções interesses ou paixões porque ela depende
apenas da “Graça de Deus”.
O princípio hereditário e da primogenitura não é assim um absoluto e
depende do julgamento e aprovação popular expresso em cortes
parlamentares.Daí que a pergunta “e se surgisse um rei mentecapto ?” já
foi respondida pela história com a deposição de D. Afonso VI.
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