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A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO

A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO
Autor: Nuno A. G. Bandeira

Tradutor

quarta-feira, 7 de junho de 2023

NOVA DESCOBERTA: RELÍQUIA E TÊXTIL DE FREDERICO III ACHADOS EM MONTEMOR-O-NOVO

Imagem do têxtil medieval pouco depois da sua descoberta, onde se pode ver o monograma com a divisa AEIOU. Fonte da imagem: Gonçalo Lopes.

No passado dia 19 de Maio, foi anunciada publicamente uma descoberta que poderá ter passado um pouco entre os pingos da chuva nos media, mas que a nosso ver constitui um achado muito relevante tanto a nível nacional como europeu: o fragmento têxtil medieval do relicário de S. Filipe e do seu companheiro, provenientes da Igreja de S. João de Deus de Montemor-o-Novo, no Alentejo.
Como parte do estudo do património do concelho pela equipa da unidade de Património Cultural, foi aberto um relicário de S. Filipe e de um mártir misterioso, na Igreja de S. João de Deus. Dentro deste relicário, encontrava-se não só uma série de fragmentos ósseos, sobretudo cranianos, pertencentes a dois indivíduos, mas também um têxtil medieval com um monograma deveras curioso, com o acrónimo AEIOU, e as palavras “FRI 1462”.
AEIOU é a divisa cunhada por Frederico III, Imperador do Sacro Império Romano-Germânico (r. 1440-1493), e continuada pelos seus sucessores até ao século XIX (Rady 2020, cap. 4). As interpretações sobre o seu significado foram muitas, A mais alardeada até há alguns tempos, “Austriae Est Imperare Orbi Universo” (“A Áustria Impera sobre o mundo”, numa tradução algo literal), parece ter sido uma interpretação do proto-notário do próprio Frederico, Heinrich Leubing. No entanto, a solução correcta, sustentada por ampla documentação da época, é a de que a divisa tinha por base um díptico em latim: “En Amor Electis Iniustis Ordinat Ultor / Sic Fridericus ego rex mea iura rego” (numa tradução algo livre, “Vede! Amo como devo aos justos, e justamente aos injustos; assim faço eu, Friedrich, como é meu direito”; Langmeier, 2022). Portanto, trata-se de uma peça muito rara ligada a este monarca do Sacro Império Romano-Germânico, perfeitamente compatível não só com a data de 1462, como também com o uso generalizado da divisa na cultura material ligada ao imperador.
Frederico III concentrou boa parte da sua enorme colecção de relíquias em 1480 num relicário para a capela de S. Jorge do castelo de Wiener Neustadt, uma vila próxima de Viena onde o imperador frequentemente residia. Aí ficariam até ao século XVI, quando várias relíquias foram oferecidas a diversos príncipes europeus ou a diplomatas dentro da esfera da rede diplomática dos Habsburgo e as restantes acabaram por ser transferidas por Rudolfo II para Praga (Gschwend, 2011: pág. 310).
A relíquia de S. Filipe e do companheiro de Montemor-o-Novo, segundo a documentação moderna, será mais um caso destas doações: em 1563, D. João de Mascarenhas liderou uma embaixada em nome de D. Sebastião à corte do imperador Fernando I (r. 1555-1564) e do seu herdeiro, Maximiliano II (r. 1564-1576) (Cruz, vol. II, pág. 102). Terá sido este nobre a trazer os ossos sagrados da Áustria dentro do têxtil medieval e tê-los-á transferido para as mãos do tio, D. Fernão Martins de Mascarenhas, o orientador da missão diplomática do sobrinho à distância, embaixador português no Concílio de Trento e alcaide-mor hereditário de Montemor-o-Novo (Amorim, 2019: págs. 105-106). Precisamente nesta capacidade de poder local, Fernão Martins ofereceu as relíquias a 23 de Abril de 1577 ao convento de S. Francisco da vila alentejana, onde ficaram durante cerca de 3 séculos e constituíram um forte elemento da devoção local (Espanca, 1975: pág. 310; Cardoso, 1666: pág. 2). Em finais do século XIX as relíquias reapareceram na igreja de S. João de Deus, onde permaneceram até à actualidade (Andrade, 1977: págs. 33-34).
Apesar de o têxtil e relíquias nunca terem estado em Portugal durante a Idade Média, não deixa de ser um raríssimo exemplo têxtil medieval à escala europeia ligado à dinastia dos Habsburgo, podendo ainda existir mais têxteis em S. Roque de Lisboa entre as relíquias doadas por Rudolfo II a D. João de Bórgia (Gschwend, 2011: pág. 310, nota 82). A autarquia de Montemor-o-Novo decidiu louvavelmente expor os objectos em questão numa nova exposição no Convento de S. Domingos da vila alentejana patente até Maio de 2024, que convidamos os nossos seguidores a visitar.
Mais uma vez se comprova a necessidade de estudo e inventário do património local pelo país todo, ainda bastante desconhecido mesmo dos próprios portugueses. E claro, os primeiros envolvidos devem ser as autarquias. Que sirva o bom exemplo.
BIBLIOGRAFIA:
Amorim, Pedro Alexandre Serralheiro (2019). “A política externa de D. Sebastião. Portugal na Cristandade às vésperas de Alcácer-Quibir“. Dissertação orientada pela Prof.ª Doutora Ana Maria Homem Leal de Faria, especialmente elaborada para a obtenção do grau de Mestre em História, na especialidade de História das Relações Internacionais e da Diplomacia Moderna.
Andrade, António Alberto Banha de (1977). “Breve história das ruínas do antigo burgo e concelho de Montemor-o-Novo”. In “Cadernos de História de Montemor-o-Novo”, nº 3, Évora, Grupo de Amigos de Montemor-o-Novo.
Cardoso, Jorge (1666). “Agiológio Lusitano dos sanctos e varoens illustres em virtude do reino de Portugal, e suas conquistas…”, Tomo III. Oficina de António Craesbeck de Mello, Impressor de Sua Alteza, Lisboa.
Cruz, Maria do Rosário de Sampaio Themudo Barata de Azevedo (1992). “As Regências na Menoridade de D. Sebastião - Elementos para uma História Estrutural”. Colecção Estudos e Temas Portugueses, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 2 vols.
Espanca, Túlio (1975). “Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora”, vol. 1, tomo 8. Academia Nacional de Belas-Artes, Lisboa.
Gschwend, Annemarie Jordan (2011). “Reliquias de los Habsburgo y conventos portugueses. El patronazgo religioso de Catalina de Austria”. In Rodríguez, Miguel Ángel Zalama (Coord.), “Juana I en Tordesillas: su mundo, su entorno”. Ayuntamiento de Tordesillas, Valladolid.
Langmaier, Konstantin Moritz (2022). "Zur Devise Kaiser Friedrichs III. (1415–1493)”. In Zeitschrift des Historischen Vereines für Steiermark”, vol. 113, pp. 7-32.
Rady, Martyn (2020). “The Habsburgs: to Rule the World”. Basic Books, First Edition, New York.
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Autores: José Luís Fernandes e Anton Stark

Pormenor do têxtil com o texto “FRI 1462”, indicando a data e o seu encomendador: Frederico III. Fonte: Município de Montemor-o-Novo.

Calote craniana originalmente pertencente a Frederico III. Fonte da imagem: Gonçalo Lopes.

Iluminura dedicada a Frederico III, onde se pode observar os escudos de armas dos territórios dos Habsburgo em meados do século XV, com o escudo imperial em lugar central. No canto superior direito, vê-se um dos exemplos em que aparece o significado original da divisa AEIOU. St Gall, Stiftsbibliothek, Cod. Sang. 1084. Fonte da imagem: e-codices – Biblioteca Virtual de Manuscritos da Suíça.

“Enea Silvio Piccolomini apresenta Frederico III a Leonor de Portugal”, uma pintura de Pinturicchio datada de 1502-1508 com a representação do primeiro encontro entre o imperador do Sacro-Império e a sua esposa portuguesa. Entre os dois esposos, o bispo de Siena que mediou o encontro, o futuro papa Pio II. Duomo de Siena, Biblioteca Piccolomini. Fonte da imagem: Wikimedia Commons.

Relicário da capela de S. Jorge de Wiener Neustadt, originalmente construído por ordens de Frederico III. O original foi destruído na Segunda Guerra Mundial, porém em 1989 foi reconstruído com base em algumas peças originais que tinham sido descartadas numa intervenção de 1779. As relíquias originais foram oferecidas ao longo do tempo ou transferidas para Praga em 1580. Fonte da imagem: Wikimedia Commons.

– Jacente do túmulo de Frederico III, na catedral de Viena, onde se pode ver o exacto monograma observado no têxtil de Montemor-o-Novo e ainda outra representação da divisa AEIOU. Fonte da imagem: The History Blog.

Repensando a Idade Média

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