Joana d’Arc tornou-se
um tema especialmente caro a escritores, artistas, musicistas e
cineastas. Como exemplos lembramos o oratório dramático “Jeanne au
bûcher” com letra de Paul Claudel e música de Arthur Honegger, o filme de Roberto Rossellini com Ingrid Bergman e outros e “Le mystère de la charité de Jeanne d’Arc” de Péguy.
Este livro deu origem à ópera que em 2006 foi representada no Palácio
de Castelgandolfo na presença de Bento XVI. Na ocasião, o pontífice
referiu-se ao génio de Péguy que soube enaltecer o grito que Joana
elevou a Deus com paixão, implorando-lhe que fizesse cessar a miséria e o
sofrimento que via à sua volta, exprimindo ao mesmo tempo a inquietação
do homem e a sua procura da felicidade. Falou da esperança e coragem
que conduziram Joana a cumprir a missão a que se sentia chamada. Aliás o
actual papa tem recordado a mártir francesa noutras circunstâncias.
Joana
nasceu em Domrémy (Lorena) em 1412, estando agora a ser celebrado o seu
6.º centenário com diversos actos comemorativos. A França não podia
esquecer aquela que se distinguiu na Guerra dos 100 Anos restituindo ao
país a sua soberania apoiando o rei Carlos VII contra a ambição dos
ingleses. Tácito escreveu: «O túmulo dos mortos é o coração dos vivos»”
que levou André Malraux a exclamar: «Ó Joana, sem sepulcro e sem
retrato, Tu sabias que o túmulo dos heróis é o coração dos vivos».
Condenada pela inquisição em 1431 com o fundamento de se dedicar a
práticas de bruxaria e feitiçaria e a visões sobrenaturais em que ouvia
S. Miguel e as Santas Margarida e Catarina, e ainda por usar vestes
masculinas, foi executada na fogueira com a conivência do bispo Cauchon.
Contudo o papa Calixto III, em 1456, declarou nulo o processo
condenatório que foi editado por H. Leclercq. É um texto merecedor de
uma leitura atenta: revela a grande firmeza de convicções.
Os
historiadores da Igreja a fim de melhor situarem o caso de Joana d’Arc
lembram a sua situação então. Depois do desafio do feudalismo seguiu-se o
espírito laico que opunha a teocracia ao néo-cesarismo. Ao apogeu da
cristandade que teve em S. Bernardo um símbolo marcante, às várias
empresas militares com as peregrinações ao Santo Sepulcro, aos desvios
acumulados sucessivamente, sucedeu-se a teocracia com a “Unam Sanctam”
(1302) de Bonifácio VIII contra Filipe o Belo e o jubileu de 1300. O
espírito laico e a ideia de monarquia nacional estão patentes no
“Defensor pacis” de Marsílio de Pádua (1324) que apelava para o Deus dos
leigos numa perspectiva de supremacia da esfera temporal sobre a
espiritual.
Mas
foi também o tempo do Concílio de Viena (1311-1312) e dos místicos como
Santa Brígida da Suécia e Santa Catarina de Siena erguendo a sua voz
contra a fraqueza papal que se intensificou com o Cisma do Ocidente.
Igualmente João Huss e Jerónimo de Praga que se evidenciaram como
arautos do retorno da Igreja à fidelidade evangélica foram condenados à
fogueira. Os fiéis, sentindo-se abandonados e inspirados com a “Devotio
moderna” e a “Imitação de Cristo”, reagiram com um trabalho de renovação
que passava pelo empenho pelas realidades concretas. Era o laicado a
marcar posição defendendo a liberdade da Igreja e a sua separação do
Estado. A ideia de nação em Santa Joana pela França contrariava muitos
clérigos, teólogos de Paris e o bispo Pedro Cauchon.
Praticamente
esquecida durante quase cinco séculos, Joana beatificada em 1909 foi
canonizada por Pio XI em 1920. Na fundamentação da sua santidade
alude-se à solidez da sua piedade, à prudência dos seus juízos, ao seu
porte virginal, à limpidez do amor à pátria, à docilidade às vozes que
lhe vinham do Alto e à submissão a Deus em cuja presença vivia no seu
dia a dia.
A
sua memória é evocada a 30 de Maio que é igualmente dia nacional em
França. Em 1932, Joana foi declarada padroeira secundária de França
tendo em 1920 o dia 30 de Maio passado a ser dia de festa nacional.
Semelhante foi o caso do português Nuno de Santa Maria que, beatificado
em 1918, veio a ser canonizado por Bento XVI em 2009. Curioso que em
1916, J. Fernando de Sousa proferira a conferência “Joana d’Arc e
Nun’Álvares”.
Em
1870, quando a França foi derrotada pela Alemanha “Joana, a pequena
pastora de Domrémy, um pouco ingénua, tornou-se a heroína do sentimento
nacional”. Republicanos e nacionalistas exaltaram aquela que deu sua
vida pela pátria. Joana foi recuperada pelos profetas da «França
eterna», em primeiro lugar pelo grande historiador romântico Jules
Michelet. Com o romantismo, o alemão Schiller fez dela a heroína da sua
peça de teatro “Die Jungfrau von Orléans” (1801). Entre tantas
publicações sobre Joana, registamos “Le Moyen Âge: de Hugues Capet à
Jeanne d’Arc, 987-1460 “ ( 1996 ) de Georges Duby. Mas também se
assistiu ao contrário: Shakespeare tratou-a como uma bruxa e Voltaire
escreveu um poema satírico, ou pseudo-ensaio histórico que a
ridicularizava, intitulado «La Pucelle d´Orléans».
Manuel Augusto Rodrigues
Fonte: Beiras
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