«A presença comercial portuguesa na China era considerável no início do século XX. Em Xangai e Cantão havia, em 1913, 57 empresas pertencentes a portugueses e macaenses entre as 2362 companhias estrangeiras estabelecidas no Império do Meio. A comunidade portuguesa ascendia então a 3.224 indivíduos que se dedicavam sobretudo a ocupações de natureza comercial, bancária e seguradora, mas igualmente na imprensa e ensino.
O pequeno mundo da Chicago Chinesa, mostruário feérico do Ocidente, com os seus grandes bancos, agências mercantis, restaurantes luxuosos, clubes nocturnos e hotéis onde se dançava o tango e o foxtrot ao som de grandes orquestras, ruiu subitamente em 1937, quando o Japão desencadeou a segunda fase da conquista da China, preâmbulo da Segunda Guerra Mundial no Extremo-Oriente. A debandada foi geral e os europeus que ali perseveraram inconscientes do perigo pagaram cara a ousadia da inconsciência em Dezembro de 1941, quando o Sol Nascente entrou em guerra com os EUA e o império britânico. A ocupação japonesa de Shanghai foi brutal e todos os ocidentais residentes foram confinados em campos de detenção, com excepção dos portugueses, dada a neutralidade de Portugal no conflito. A importante comunidade judaica estabelecida na cidade era portadora de passaportes Nansen, pelo que se expunha a eventuais represálias das forças de ocupação japonesas. O consulado português em Xangai emitiu inúmeros passaportes a esta comunidade apátrida, integrando-a oficialmente na comunidade portuguesa residente na China.
A Concessão Internacional de Xangai possuía uma International Defense Force de manutenção da ordem dentro do perímetro administrado pelas potências que haviam obtido do governo chinês a cedência do direito de extraterritorialidade. Esta força miliciana integrava uma Companhia integralmente composta por residentes portugueses. Possuíam preparação militar e conheciam bem a cidade, pelo que, ao ser dissolvida a unidade por ordem do comando militar nipónico, muitos dos seus antigos membros integraram a rede de resistência ao ocupante, prestando relevantes serviços à causa Aliada ou ao governo chinês de Chungking. Um dos mais destacados elementos da resistência foi o sargento Carlos Borromeu da Silva, antigo polícia portuário britânico mas detentor de passaporte português.»
Miguel Castelo-Branco, in Relações entre Portugal e o Sião. Lisboa: BNP, 2023
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