CHINESES, PORTUGUESES E HOLANDESES

Na montra da esplêndida Jorge Welsh, na Rua da Misericórdia, um boneco em porcelana chinesa promovia há tempos o catálogo da exposição Porcelain People: figures from the Qing Dynasty que ali está patente desde o passado dia 25. Um homem rubicundo e de cabelo vermelho, dentes afiados, mas sorridente, ventre proeminente sustentado pelas mãos, representa um holandês envergando um changshan chinês em seda estampada. Aos olhos dos chineses, os holandeses da VOC eram uns indivíduos perigosos, atrevidos e gananciosos, uns piratas inclinados à chantagem armada que lhes rondavam as costas como predadores, pelo que após as décadas de 1620 e 1630, marcadas por guerras para se libertarem de tais piratas, os chineses encaravam estes diabos rosados com a máxima desconfiança. Os "diabos de cabelo vermelho" foram, assim, para os chineses o equivalente dos piratas barbarescos para as costas da Península Ibérica, da Sicília e Sul de França: ladrões, assaltantes e destruidores.

Em toda esta decepcionante relação com os europeus, a excepção foi Portugal, pois que os chineses festejaram com o maior júbilo a derrota infligida pelos portugueses aos diabos de cabelo vermelho quando estes, em 1622, surgiram na foz do Rio das Pérolas com uma esquadra de 22 vasos e tentaram apossar-se de Macau, sofrendo uma tremenda derrota. Espantoso para as autoridades chinesas, mas sobretudo para os holandeses, foi o facto de em Macau poucos militares portugueses ali defenderem os frágeis fortins e redutos. Um ano após o desastre, no relatório que de Batávia enviou para a Europa, Jan Pieterszoon Coen, governador-geral das Índias Orientais Holandesas, não deixava margem para dúvidas quando sublinhava que «os escravos dos portugueses em Macau serviram-nos [aos portugueses] tão bem e fielmente que foram eles que derrotaram e de lá expulsaram o nosso povo no ano passado.»

MCB 

NOVA PORTUGALIDADE